O sábado é muito aguardado por boa parte das pessoas, por razões religiosas, por que é simplesmente o inicio do fim de semana, estranho falar inicio do fim, mas enfim saímos da rotina do acordar e ir fazer quase sempre as mesmas coisas, no sábado acordamos relaxados, descompromissados. Conheço um camarada que não esta nem ai para o sábado, para ele é um dia como outro, até como a segunda-feira mesmo, não tem nada a ver com religião, nem por isto é niilista, mas pensa só em trabalho, há isto sim é legal para ele. Conversando com outros amigos, numa rodinha, ao ouvir este nosso amigo, ficaram surpresos, alguns até o criticaram, e ele com sua convicção, apresentou seus argumentos, o qual declino em dizer aqui, não há problema em dizer, mas o que penso é em falar sobre a reação dos colegas, em sua maneira própria de cada um, apresentaram seus argumentos, nisto após ouvi-los lembrei de uma estória que havia lido num livro de Rubem Alves chamado “Entre a Ciência e a Sapiência”, corri para o livro e resolvi então compartilhar com todos e assim a boa e velha similaridade entrou mais uma vez em ação, vou contar a estória porque quanto mais se explica mais confuso fica, então La vai...
"Era uma vez uma aldeia às margens de um rio, rio imenso cujo lado de lá não se via, as águas passavam sem parar, ora mansas, ora furiosas, rio que fascinava e dava medo, muitos haviam morrido em suas águas misteriosas, e por medo e fascínio os aldeões haviam construído altares a suas margens, neles o fogo estava sempre aceso, e ao redor deles se ouviam as canções e os poemas que artistas haviam composto sob o encantamento do rio sem fim.
O rio era morada de muitos seres misteriosos. Alguns repentinamente saltavam de suas águas, para logo depois mergulhar e desaparecer. Outros, deles só se viam os dorsos que se mostravam na superfície das águas. E havia as sombras que podiam ser vistas deslizando das profundezas, sem nunca subir à superfície. Contava-se, nas conversas à roda do fogo, que havia monstros, dragões, sereias e iaras naquelas águas, sendo que alguns suspeitavam mesmo que o rio fosse morada de deuses. E todos se perguntavam sobre os outros seres, nunca vistos, de número indefinido, de formas impensadas, de movimentos desconhecidos, que morariam nas profundezas escuras do rio.
Mas tudo eram suposições. Os moradores da aldeia viam de longe e suspeitavam — mas nunca haviam conseguido capturar uma única criatura das que habitavam o rio: todas as suas magias, encantações, filosofias e religiões haviam sido inúteis: haviam produzido muitos livros mas não haviam conseguido capturar nenhuma das criaturas do rio.
Assim foi, por gerações sem conta. Até que um dos aldeões pensou um objeto jamais pensado. (O pensamento é uma coisa existindo na imaginação antes de ela se tornar real. A mente é útero. A imaginação a fecunda. Forma-se um feto: pensamento. Aí ele nasce...) Ele imaginou um objeto para pegar as criaturas do rio. Pensou e fez. Objeto estranho: uma porção de buracos amarrados por barbantes. Os buracos eram para deixar passar o que não se desejava pegar: a água. Os barbantes eram necessários para se pegar o que se deseja pegar: os peixes. Ele teceu uma rede.
Todos se riram quando ele caminhou na direção do rio com a rede que tecera. Riram-se dos buracos dela. Ele nem ligou. Armou a rede como pôde e foi dormir. No dia seguinte, ao puxar a rede, viu que nela se encontrava, presa, enrascada, uma criatura do rio: um peixe dourado.
Foi aquele alvoroço. Uns ficaram com raiva. Tinham estado tentando pegar as criaturas do rio com fórmulas sagradas, sem sucesso. Disseram que a rede era objeto de feitiçaria. Quando o homem lhes mostrou o peixe dourado que sua rede apanhara, eles fecharam os olhos e o ameaçaram com a fogueira.
Outros ficaram alegres e trataram de aprender a arte de fazer redes. Os tipos mais variados de redes foram inventados. Redondas, compridas, de malhas grandes, de malhas pequenas, umas para ser lançadas, outras para ficar à espera, outras para ser arrastadas. Cada rede pegava um tipo diferente de peixe.
Os pescadores-fabricantes de redes ficaram muito importantes. Porque os peixes que eles pescavam tinham poderes maravilhosos para diminuir o sofrimento e aumentar o prazer. Havia peixes que se prestavam para ser comidos, para curar doenças, para tirar a dor, para fazer voar, para fertilizar os campos e até mesmo para matar. Sua arte de pescar lhes deu grande poder e prestígio, e eles passaram a ser muito respeitados e invejados.
Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram numa confraria. Para pertencer à confraria, era necessário que o postulante soubesse tecer redes e que apresentasse, como prova de sua competência, um peixe pescado com as redes que ele mesmo tecera.
Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto tecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os membros da confraria acabaram por esquecer a linguagem que os habitantes da aldeia haviam falado sempre e ainda falavam. Puseram, em seu lugar, uma linguagem apropriada a suas redes e a seus peixes, que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsão. A nova linguagem recebeu o nome de ictiolalês (do grego ichthys = "peixe" + lalia = "fala"). Mas, como bem disse Wittgenstein alguns séculos depois, "os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo". Meu mundo é aquilo sobre o que posso falar. A linguagem estabelece uma ontologia. Os membros da confraria, por força de seus hábitos de linguagem, passaram a pensar que só era real aquilo sobre que eles sabiam falar, isto é, aquilo que era pescado com redes e falado em ictiolalês. Qualquer coisa que não fosse peixe, que não fosse apanhado com suas redes, que não pudesse ser falado em ictiolalês, eles recusavam e diziam: "Não é real".
Quando as pessoas lhes falavam de nuvens, eles diziam: "Com que rede esse peixe foi pescado?" A pessoa respondia: "Não foi pescado, não é peixe". Eles punham logo fim à conversa: "Não é real". O mesmo acontecia se as pessoas lhes falavam de cores, cheiros, sentimentos, música, poesia, amor, felicidade. Essas coisas, não há redes de barbante que as peguem. A fala era rejeitada com o julgamento final: "Se não foi pescado no rio com rede aprovada não é real".
As redes usadas pelos membros da confraria eram boas? Muito boas.
Os peixes pescados pelos membros da confraria eram bons? Muito bons.
As redes usadas pelos membros da confraria se prestavam para pescar tudo o que existia no mundo? Não. Há muita coisa no mundo, muita coisa mesmo, que as redes dos membros da confraria não conseguem pegar. São criaturas mais leves, que exigem redes de outro tipo, mais sutis, mais delicadas. E, no entanto, são absolutamente reais. Só que não nadam no rio.
Penso que cada um tem seu ponto, de vista, sua verdade, sua realidade, quando conversamos percebemos como somos diferentes, e quanto precisamos ser compreensivos com os outros, e agradecer quando e sempre que são conosco. As diferenças aproximam e ao mesmo tempo afastam se a compreensão não fizer a liga, mais ou menos quando fazemos um bolo e precisamos colocar ovos. Os amigos de quem falo são pessoas que gostam de ler, não pela quantidade de livros lidos, mas pelo prazer obtido na infância, tiveram sorte de terem, assim como eu uma contadora de estórias infantis. Acredito que uma boa estória, se tiver de preferência alguma similaridade com nossas realidades, tenhamos sempre o prazer de ruminar a maneira dos bovinos a arte de ler, a arte de compreender, não é preciso entender as razões do outro apenas compreender que há muitas verdades, muitas realidades, muitas diferenças.
Ótimo Sábado a todos.