Estava lendo o livro Justiça, do Michael Sandel, quando me peguei pensando em uma daquelas questões que a gente acaba enfrentando na vida, mesmo sem querer. No livro, Sandel faz várias perguntas que mexem com nossa noção de moralidade, e uma delas é sobre a lealdade. Fiquei com isso na cabeça: será que ser leal é sempre uma virtude, ou tem momentos em que essa lealdade pode nos colocar em situações complicadas, até contra nossos próprios princípios? Foi aí que me bateu a ideia de explorar os dilemas de lealdade, essas encruzilhadas da vida onde ficamos entre o dever com os outros e a responsabilidade com nós mesmos. Afinal, como saber se estamos sendo justos ou apenas seguindo cegamente uma obrigação?
A
lealdade é uma dessas virtudes que carregam um peso quase mítico. Pode ser ao
time de futebol, a uma amizade de infância ou à empresa onde você trabalha há
anos. Mas e quando a lealdade, aquela que deveria ser uma qualidade sólida e
inquestionável, começa a gerar dilemas? Sabe aquele momento em que a vida te
empurra para uma encruzilhada, e você precisa escolher entre manter-se leal a
algo ou alguém, ou ser leal a si mesmo? Esses dilemas de lealdade não são
incomuns, mas são sempre desconfortáveis.
Imagine
o seguinte cenário: um amigo seu, de longa data, começa a se comportar de
maneira tóxica. Ele está sempre reclamando, se afundando em negatividade e, em
vez de ouvir conselhos, afasta quem tenta ajudar. Você, como bom amigo, tenta
ser leal. Mas até quando? Até que ponto o compromisso de ser leal justifica
aceitar comportamentos que fazem mal à sua própria saúde emocional? Ficar ao
lado de alguém em todas as situações, até as mais destrutivas, é de fato
lealdade ou uma forma de autossabotagem? Nem sempre estamos dispostos a
suportar a conversa negativa dos depressivos crônicos.
Aristóteles
pode nos ajudar a entender essa questão. Em sua Ética a Nicômaco, ele propõe
que a virtude é sempre o meio-termo entre dois extremos: o excesso e a falta.
Aplicando isso à lealdade, podemos pensar que o extremo oposto da lealdade
seria a traição, enquanto o excesso seria a servidão. Para Aristóteles, a
virtude da lealdade se encontraria no equilíbrio, na capacidade de ser leal sem
deixar de ser justo consigo mesmo.
Outro
dilema clássico de lealdade acontece no ambiente de trabalho. Suponha que você
tenha dedicado anos à mesma empresa. Criou laços, construiu uma carreira, e se
orgulha da sua contribuição. Mas chega um momento em que as coisas mudam —
talvez uma nova gestão entre em cena, e a cultura da empresa deixe de refletir
seus valores. Continuar leal à empresa é uma atitude honrável, mas será que
vale sacrificar sua própria ética e bem-estar?
Hannah Arendt, filósofa alemã, fala muito sobre a importância de pensarmos por nós mesmos, mesmo dentro de estruturas que nos pedem lealdade inquestionável. Em seu conceito de “banalidade do mal”, ela argumenta que muitas pessoas cometem atos ruins, não por maldade, mas porque seguem ordens ou se mantêm leais a instituições ou pessoas, sem questionar a moralidade dessas ações. Então, talvez o maior dilema de lealdade seja saber quando questionar, quando a lealdade cega começa a obscurecer a linha entre o certo e o errado.
O fato é que lealdade, embora nobre, não pode ser uma armadilha. Ela precisa ser um compromisso consciente, renovado sempre que necessário. A lealdade a pessoas e instituições é válida, mas nunca deve vir ao custo da lealdade a si mesmo.
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