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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Dilemas de Lealdade

Estava lendo o livro Justiça, do Michael Sandel, quando me peguei pensando em uma daquelas questões que a gente acaba enfrentando na vida, mesmo sem querer. No livro, Sandel faz várias perguntas que mexem com nossa noção de moralidade, e uma delas é sobre a lealdade. Fiquei com isso na cabeça: será que ser leal é sempre uma virtude, ou tem momentos em que essa lealdade pode nos colocar em situações complicadas, até contra nossos próprios princípios? Foi aí que me bateu a ideia de explorar os dilemas de lealdade, essas encruzilhadas da vida onde ficamos entre o dever com os outros e a responsabilidade com nós mesmos. Afinal, como saber se estamos sendo justos ou apenas seguindo cegamente uma obrigação?

A lealdade é uma dessas virtudes que carregam um peso quase mítico. Pode ser ao time de futebol, a uma amizade de infância ou à empresa onde você trabalha há anos. Mas e quando a lealdade, aquela que deveria ser uma qualidade sólida e inquestionável, começa a gerar dilemas? Sabe aquele momento em que a vida te empurra para uma encruzilhada, e você precisa escolher entre manter-se leal a algo ou alguém, ou ser leal a si mesmo? Esses dilemas de lealdade não são incomuns, mas são sempre desconfortáveis.

Imagine o seguinte cenário: um amigo seu, de longa data, começa a se comportar de maneira tóxica. Ele está sempre reclamando, se afundando em negatividade e, em vez de ouvir conselhos, afasta quem tenta ajudar. Você, como bom amigo, tenta ser leal. Mas até quando? Até que ponto o compromisso de ser leal justifica aceitar comportamentos que fazem mal à sua própria saúde emocional? Ficar ao lado de alguém em todas as situações, até as mais destrutivas, é de fato lealdade ou uma forma de autossabotagem? Nem sempre estamos dispostos a suportar a conversa negativa dos depressivos crônicos.

Aristóteles pode nos ajudar a entender essa questão. Em sua Ética a Nicômaco, ele propõe que a virtude é sempre o meio-termo entre dois extremos: o excesso e a falta. Aplicando isso à lealdade, podemos pensar que o extremo oposto da lealdade seria a traição, enquanto o excesso seria a servidão. Para Aristóteles, a virtude da lealdade se encontraria no equilíbrio, na capacidade de ser leal sem deixar de ser justo consigo mesmo.

Outro dilema clássico de lealdade acontece no ambiente de trabalho. Suponha que você tenha dedicado anos à mesma empresa. Criou laços, construiu uma carreira, e se orgulha da sua contribuição. Mas chega um momento em que as coisas mudam — talvez uma nova gestão entre em cena, e a cultura da empresa deixe de refletir seus valores. Continuar leal à empresa é uma atitude honrável, mas será que vale sacrificar sua própria ética e bem-estar?

Hannah Arendt, filósofa alemã, fala muito sobre a importância de pensarmos por nós mesmos, mesmo dentro de estruturas que nos pedem lealdade inquestionável. Em seu conceito de “banalidade do mal”, ela argumenta que muitas pessoas cometem atos ruins, não por maldade, mas porque seguem ordens ou se mantêm leais a instituições ou pessoas, sem questionar a moralidade dessas ações. Então, talvez o maior dilema de lealdade seja saber quando questionar, quando a lealdade cega começa a obscurecer a linha entre o certo e o errado.

O fato é que lealdade, embora nobre, não pode ser uma armadilha. Ela precisa ser um compromisso consciente, renovado sempre que necessário. A lealdade a pessoas e instituições é válida, mas nunca deve vir ao custo da lealdade a si mesmo. 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Opressão e Resistência

😫

Você já parou para pensar nas diversas formas de opressão que podem estar presentes em nossas vidas cotidianas? Desde pequenos gestos até estruturas sociais profundamente enraizadas, a opressão pode se manifestar de maneiras sutis e também explícitas em nosso dia a dia. Mas, ao mesmo tempo, também somos capazes de encontrar e exercer formas de resistência, desafiando essas normas e lutando por um mundo mais justo e equitativo. Muitas vezes sua manifestação é sutil e silenciosa, sabemos que algo esta errado, mas o quê?

Imagine-se em uma reunião de trabalho, onde as vozes das mulheres são constantemente interrompidas e suas ideias desconsideradas. Isso não é apenas uma questão de etiqueta ou educação, mas um reflexo das desigualdades de gênero que permeiam nossa sociedade. Essa é uma forma de opressão que pode passar despercebida por muitos, mas que contribui para a perpetuação de hierarquias de poder injustas.

Outra situação comum é quando nos deparamos com comentários racistas disfarçados de piadas inocentes em nosso círculo de amigos. Essas "brincadeiras" não são apenas ofensivas, mas também reforçam estereótipos prejudiciais e contribuem para a marginalização de grupos étnicos minoritários. Resistir a esse tipo de comportamento pode ser desconfortável, mas é essencial para desafiar as normas racistas e promover a inclusão e a igualdade.

E o que dizer da pressão implacável para se encaixar em padrões de beleza irreais e inatingíveis? Todos os dias somos bombardeados com imagens retocadas e corpos "perfeitos" nas mídias sociais e na publicidade, o que pode levar a uma profunda insegurança e insatisfação com nós mesmos. Essa é uma forma de opressão que afeta pessoas de todas as idades, gêneros e origens, mas também é uma área em que podemos resistir, promovendo a aceitação do corpo e celebrando a diversidade de formas e tamanhos.

Entretanto, nem toda forma de resistência é tão visível ou dramática. Às vezes, é nas pequenas ações do dia a dia que encontramos oportunidades para desafiar as estruturas de poder dominantes. Pode ser ao dar voz a um colega marginalizado em uma reunião, ao confrontar um amigo sobre um comentário inadequado ou ao simplesmente recusar-se a participar de conversas ou atividades que reforcem estereótipos prejudiciais.

Ao refletir sobre essas situações, é importante reconhecer que a luta contra a opressão não é fácil nem linear. Haverá obstáculos e resistência, tanto interna quanto externa. No entanto, é através desses desafios que crescemos e fortalecemos nossa capacidade de resistir e criar mudanças significativas em nosso mundo.

Pensadores como bell hooks, Audre Lorde, Paulo Freire e Angela Davis nos ensinam a importância da conscientização, da solidariedade e da ação coletiva na luta contra a opressão. Eles nos lembram que a resistência não é apenas um ato individual, mas um movimento coletivo em direção à justiça e à liberdade para todos.

Portanto, da próxima vez que nos depararmos com situações de opressão em nossas vidas cotidianas, lembremos do poder da resistência e do impacto que nossas ações podem ter na construção de um mundo mais justo e inclusivo para todos. Uma construção inicia colocando tijolo por tijolo, é a partir de cada atitude, de cada um, que poderemos construir uma igualdade sólida e duradoura.