Outro dia, enquanto esperava meu almoço, ouvi um casal na mesa ao lado discutir sobre certo e errado como se a vida fosse um tribunal moral. "Isso é um absurdo!", dizia um. "Não, é justiça!", respondia o outro. Fiquei pensando: será que realmente conseguimos enquadrar tudo nesses polos? Friedrich Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, já avisava que essa tentativa de reduzir a realidade a dicotomias morais empobrece nosso pensamento.
O
Julgamento Moral e Sua Prisão
A
ideia de que o mundo se divide em “bom” e “mau” é uma estrutura herdada de
tradições religiosas e filosóficas antigas. Platão, por exemplo, separava o
mundo sensível (imperfeito) do inteligível (perfeito). O cristianismo levou
isso adiante com sua concepção de pecado e salvação. O problema, segundo
Nietzsche, é que essas distinções não são naturais: são construções culturais
que serviram para domesticar o instinto humano.
Quando
vivemos sob essa moral binária, limitamos nossa capacidade de interpretar as
nuances da vida. O que é “bom” em uma cultura pode ser “mau” em outra. O que é
“certo” para uma época pode ser “errado” para outra. Esse maniqueísmo nos
impede de enxergar as forças vitais que movem o ser humano – o desejo de poder,
a vontade de se superar, a coragem de afirmar a própria existência sem amarras
morais artificiais.
A
Moral dos Senhores e a Moral dos Escravos
Nietzsche
propõe uma inversão de valores ao criticar a moral tradicional. Ele distingue
duas formas de moralidade:
Moral
dos senhores: Criada pelos fortes, pelos que afirmam a
vida, valorizando coragem, criatividade e potência.
Moral
dos escravos: Surgida dos ressentidos, dos que, por não
conseguirem impor sua força, passam a demonizar aqueles que conseguem. Aqui
nasce o ideal do “bom” como algo passivo, submisso, que exalta a humildade e o
sofrimento.
Nos
dias de hoje, ainda vivemos essa tensão. Em muitos espaços, o sucesso é visto
com desconfiança, e a mediocridade se esconde sob discursos moralistas. Quem se
arrisca a ser autêntico muitas vezes é atacado, não porque está errado, mas
porque ameaça a segurança dos que preferem a conformidade.
O
Pensamento Além do Bem e do Mal
Então,
como pensar além do bem e do mal? Significa abrir mão de todo juízo moral? Não
exatamente. O que Nietzsche propõe é um novo olhar, onde cada ação e valor
sejam analisados não pela régua do dever, mas pela perspectiva da vida.
Perguntar não se algo é “bom” ou “mau”, mas se fortalece ou enfraquece a
existência.
Imagine
alguém que abandona uma carreira tradicional para seguir um caminho incerto,
mas alinhado com sua essência. Aos olhos da moral comum, pode parecer
irresponsabilidade. Mas e se for, na verdade, um ato de afirmação da própria
vontade? Se for um passo para uma vida mais autêntica?
O
pensamento nietzschiano nos convida a repensar nossos próprios valores, a
questionar os dogmas herdados e a criar novos significados para a existência.
Afinal, como ele mesmo escreveu, “tudo é permitido, mas nem tudo fortalece”.
Talvez
aquele casal no restaurante não chegasse a um acordo sobre justiça ou absurdo,
mas o problema não estava na falta de respostas – e sim na pergunta limitada.
Além do bem e do mal, há um horizonte de possibilidades. O desafio é ter
coragem para explorá-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário