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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Conduta Alheia

Um espelho rachado de nós mesmos

Outro dia, parado no trânsito, vi um motorista buzinando furiosamente para um ciclista que cruzava na faixa. O ciclista, por sua vez, gritou de volta um palavrão daqueles de fazer murchar samambaia. Nada que eu não tivesse visto antes. Mas, por algum motivo, nesse instante algo me cutucou por dentro: por que nos incomodamos tanto com a conduta dos outros? E mais — por que ela nos afeta tanto, a ponto de desviar nosso humor, alterar nossas escolhas ou até mudar o rumo do nosso dia?

Vivemos cercados de condutas alheias: gente que fala alto no ônibus, que fura fila, que dá bom dia sorrindo ou que age com gentileza silenciosa. Cada gesto do outro é como uma nota solta no nosso cotidiano — às vezes harmônica, às vezes dissonante. Este ensaio quer pensar a conduta alheia não apenas como "o que o outro faz", mas como um campo de espelhos onde, frequentemente, nos vemos refletidos — distorcidos, aumentados ou reduzidos.

Então vamos dialogar com alguns de nossos amigos filósofos e ver o que eles tem a nos dizer a respeito.

Jean-Paul Sartre: o inferno são os outros... ou são os nossos olhos sobre eles?

Sartre, em O Ser e o Nada, propõe que o olhar do outro nos fixa como objeto. Ao percebermos que estamos sendo observados, deixamos de ser sujeitos livres e passamos a tentar corresponder — ou reagir — ao julgamento alheio. A conduta do outro, nesse sentido, não é só o que ele faz, mas o que nos faz sentir.

É por isso que, ao ver alguém quebrando uma regra que seguimos, sentimos raiva ou desconforto: o outro parece nos dizer, sem palavras, que nossa escolha talvez tenha sido inútil. E isso nos tira o chão. Não suportamos a liberdade do outro quando ela expõe nossas próprias escolhas como frágeis ou inconsistentes.

Hannah Arendt: a banalidade do agir comum

Arendt nos ajuda a ver que a conduta alheia pode ser tanto poderosa quanto banal. Em Eichmann em Jerusalém, ela descreve como a obediência cega à norma social — sem reflexão — pode gerar tragédias. Mas essa observação se aplica também ao dia a dia: muitas condutas alheias que criticamos (ou imitamos) são feitas sem consciência, apenas como reflexo do ambiente.

Quando julgamos a conduta do outro, raramente nos perguntamos: qual o contexto? houve reflexão ou repetição? A grande virada arendtiana é mostrar que o agir só ganha sentido ético quando se pensa. Assim, se queremos avaliar condutas alheias, talvez o critério não seja o que foi feito, mas se houve pensamento no fazer.

Nietzsche: a crítica como projeção

Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, alerta que muito da moral que usamos para julgar os outros é só um disfarce dos nossos próprios impulsos reprimidos. Quando apontamos o dedo para a conduta alheia, frequentemente projetamos nela algo que não queremos admitir em nós mesmos.

Por exemplo, ao criticar alguém que vive “de aparência”, pode ser que, secretamente, desejemos aquela liberdade de parecer o que se quiser. Ou então, ao condenar a passividade de outro, talvez sejamos nós os que agem por medo, camuflados de coragem. A conduta do outro, nesse sentido, é uma tela onde pintamos nossas sombras.

Olhar sem enrijecer

A conduta alheia sempre vai nos afetar — somos seres relacionais, sensíveis ao que nos cerca. Mas talvez o exercício filosófico aqui seja outro: aprender a olhar a conduta do outro não como um tribunal onde se julga, mas como um laboratório onde se compreende. Há dias em que o outro apenas age — como nós também agimos — de forma tosca, repetida, hesitante, talvez um grito de rebeldia contra um sistema cruel. E tudo bem. O que fazemos com o que vemos diz mais sobre nós do que sobre quem age.

Sartre nos mostra que o olhar do outro nos define. Arendt nos lembra da importância de pensar antes de agir. Nietzsche nos provoca a buscar nossas motivações ocultas antes de acusar. No fim das contas, entender a conduta alheia pode ser uma maneira de afinar nosso próprio compasso — e talvez, só talvez, tocar uma nota melhor na sinfonia caótica dos encontros humanos.