A dor invisível e o peso do olhar alheio
Outro
dia, ouvi uma conversa no café. Um grupo de jovens falava sobre a escola, e um
deles disse: “Ah, mas isso sempre existiu! No nosso tempo era normal zoar os
outros.” O tom era quase nostálgico, como se as humilhações cotidianas fossem
parte de um rito de passagem, um treino para a dureza da vida adulta. Será
mesmo? Será que a crueldade repetida ensina alguma coisa além do medo? E, mais
ainda: por que algumas pessoas sentem prazer em diminuir as outras?
Entre
o riso e a dor
O
bullying sempre esteve presente na vida em sociedade, mas sua percepção mudou
ao longo do tempo. No passado, era visto como “brincadeira”, e os danos
emocionais que causava eram desconsiderados. No entanto, filósofos como
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir já apontavam para a forma como o olhar do
outro pode moldar a nossa identidade e, muitas vezes, aprisionar-nos em
categorias degradantes.
Sartre
falava da “Vergonha” como um reconhecimento de que o outro nos vê de um modo
que não controlamos. O bullying opera exatamente nessa lógica: ele rotula,
fixa, faz do outro um objeto da própria crueldade. A vítima não escolhe ser
vista de forma humilhante, mas não pode impedir que isso aconteça.
Já
Beauvoir, em O Segundo Sexo, analisa como a sociedade muitas vezes define o
outro como inferior para reafirmar seu próprio poder. Isso se aplica
perfeitamente ao bullying: quem pratica busca se afirmar, nem sempre por
maldade pura, mas por uma necessidade de se sentir superior dentro da
hierarquia social.
O
paradoxo da força e da fraqueza
Nietzsche,
em Genealogia da Moral, faz uma reflexão interessante sobre a relação entre
força e fraqueza. Para ele, os fortes não precisariam humilhar os outros—o
verdadeiro poder vem de dentro. Mas, no bullying, vemos algo curioso: o
agressor muitas vezes não é forte, mas frágil. Ele precisa diminuir o outro
para se sentir grande.
Esse
paradoxo é evidente no ambiente escolar e profissional. O bullying acontece não
apenas entre crianças, mas também entre adultos. O chefe que humilha o
funcionário, o grupo que exclui o colega, a cultura da piada que disfarça o
desprezo. A lógica é sempre a mesma: uma falsa demonstração de poder que
esconde insegurança.
O
antídoto: o olhar que acolhe
Se
o bullying é um problema do olhar que destrói, talvez a solução esteja no olhar
que acolhe. Emmanuel Levinas, filósofo da alteridade, sugere que a verdadeira
ética nasce do reconhecimento do outro como sujeito, não como objeto. O rosto
do outro nos interpela, nos obriga a sair da nossa bolha de indiferença.
Isso
significa que combater o bullying não é apenas uma questão de políticas
educacionais ou regras mais rígidas. É uma mudança na forma como enxergamos o
outro. Um convite a um olhar menos hostil e mais humano.
No fim, o jovem no café pode estar certo sobre uma coisa: isso sempre existiu. Mas talvez já esteja na hora de deixar de existir.