Sabe
aquele momento em que você está tão imerso em algo que parece que a mente some?
Não há um eu tagarelando dentro da cabeça, nem uma voz avaliando cada ação.
Você simplesmente faz. Pode ser ao tocar um instrumento, cozinhar sem seguir receita,
caminhar sem rumo, ou até mesmo ao olhar o céu sem interpretar nada. Essa
experiência, paradoxalmente, é o que muitos chamam de "não-mente".
A
ideia de "não-mente" (do japonês mushin) tem raízes no pensamento
zen-budista e nas artes marciais do Oriente. Trata-se de um estado de pura
presença, sem apego a julgamentos ou pensamentos discursivos. É um
esvaziamento, mas não no sentido de falta — é um vazio pleno, como o de uma
xícara pronta para receber chá.
No
Ocidente, essa noção pode parecer estranha. Estamos acostumados a ver a mente
como uma ferramenta essencial, um motor que nunca pode parar. O pensamento
racional e analítico nos define. No entanto, há momentos em que a mente, ao
invés de ajudar, atrapalha. Um músico que pensa demais na próxima nota pode
errar. Um atleta que hesita perde a jogada. A "não-mente" não é
ausência de pensamento, mas ausência de interferência do pensamento.
Podemos
observar essa ideia na filosofia de Martin Heidegger, que critica a noção
cartesiana de sujeito pensante separado do mundo. Para Heidegger,
estar-no-mundo é algo mais primário do que cogitar sobre ele. Vivemos primeiro,
refletimos depois. Assim, a "não-mente" não é uma fuga do pensamento,
mas um modo de habitar plenamente a experiência antes que a razão venha
interpretá-la.
No
cotidiano, alcançar esse estado pode ser um desafio. A sociedade moderna
cultiva a hiperconsciência e a análise constante. Cada passo deve ser
documentado, cada experiência narrada. No entanto, há momentos em que a fluidez
da vida exige menos racionalização e mais entrega. Pequenos gestos como
respirar profundamente, ouvir sem antecipar respostas, ou apenas estar presente
já são um começo.
No
fim, talvez a "não-mente" seja menos um conceito e mais um convite.
Um chamado para experimentar a vida sem o excesso de filtros e expectativas.
Para deixar que as coisas simplesmente sejam. Sem o barulho interno que insiste
em interpretar, julgar e corrigir. Apenas estar. Apenas ser.