Eu
poderia começar dizendo que a má-fé está em toda parte, como o ar que
respiramos, mas isso soaria cínico demais. No entanto, basta uma observação
atenta do cotidiano para perceber que a má-fé é uma prática quase instintiva em
nossas interações. Desde aquele amigo que sempre esquece a carteira na hora da
conta até a promessa política que já nasce vazia, a má-fé permeia nossos
relacionamentos, muitas vezes disfarçada de boas intenções.
Filosoficamente,
Jean-Paul Sartre talvez tenha sido o pensador que mais explorou o conceito de
má-fé (“mauvaise foi”). Para ele, a má-fé não é simplesmente enganar os outros,
mas, acima de tudo, enganar a si mesmo. É a negação de nossa própria liberdade e
responsabilidade ao assumirmos papéis fixos na sociedade. Um garçom que se
comporta de maneira exageradamente servil, atuando como se fosse uma máquina
programada para atender, está em má-fé; um indivíduo que justifica sua covardia
dizendo que "não teve escolha" também está praticando a má-fé.
No
cotidiano, a má-fé se apresenta de forma tão banalizada que quase não a
notamos. Quem nunca viu alguém fingindo estar ocupado para evitar um
compromisso? Ou aquela pessoa que mente para si mesma dizendo que vai mudar de
vida, mas segue repetindo os mesmos hábitos? A má-fé nos mantém em zonas de
conforto psicológico, onde justificamos nossas inércias com desculpas
elaboradas.
Mas
a má-fé também tem um lado coletivo. Quando sociedades inteiras compram
discursos falaciosos, preferindo ilusões confortáveis à dura realidade, a má-fé
se torna um mecanismo de controle. Se todos acreditam que "as coisas
sempre foram assim e sempre serão", ninguém sente a necessidade de
mudá-las. Essa acepção da má-fé nos aprisiona, tornando-nos cúmplices de um
mundo que poderia ser diferente.
A
superação da má-fé exige coragem. Coragem para admitir que não somos vítimas do
destino, que nossos fracassos nem sempre são culpa dos outros, que podemos
escolher agir diferentemente. Reconhecer a má-fé em nós mesmos é
desconfortável, mas é também um primeiro passo para a autenticidade. Talvez não
possamos eliminar todas as formas de má-fé da nossa existência, mas podemos
pelo menos evitar ser seus prisioneiros.