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sexta-feira, 2 de maio de 2025

Véu de Maia


 Quando o mundo engana com delicadeza

Outro dia, enquanto sorvia um mate no final da tarde, reparei num pôr do sol absurdo de bonito. Céu alaranjado, nuvens cor-de-rosa e um leve vento que parecia dançar com as folhas da árvore ao lado. Por um instante, tudo parou. E logo depois, tudo voltou: buzinas, pressa, notificações. Foi quando me veio a pergunta — e se isso tudo fosse só um cenário? E se a beleza, a pressa, o tédio e até a matéria fossem... encenações?

A filosofia oriental, especialmente no hinduísmo, tem um conceito encantador para isso: Maia. Uma palavra pequena para uma ideia enorme — a ilusão do mundo sensível. Segundo essa visão, tudo o que percebemos com os sentidos é uma espécie de teatro cósmico. Não que seja “falso”, mas que é incompleto. O mundo como o vemos seria um véu — bonito, detalhado, realista — que esconde algo mais verdadeiro por trás.

O cotidiano por trás da cortina

A gente vive nesse véu o tempo todo. Na conversa com o colega que sorri, mas por dentro chora. No “tá tudo bem” que serve de capa para o caos emocional. No desejo que nos arrasta para comprar um celular novo, como se isso fosse salvar o dia. A realidade parece sólida, mas talvez seja só espuma.

O curioso é que até a ciência moderna nos ajuda a duvidar da solidez das coisas. Os átomos que compõem tudo são, em sua maior parte, espaço vazio. A matéria é vibração, campo, possibilidade. A física quântica, mesmo sem intenção mística, nos diz que o que chamamos de real é muito mais estranho do que pensamos.

E no fundo, quem nunca viveu aquela sensação de acordar de um sonho que parecia mais real do que a segunda-feira?

O ego também é Maia disfarçada

Na psicologia, principalmente na psicanálise e na psicologia transpessoal, há uma ideia parecida: o eu que achamos que somos não é quem realmente somos. Criamos uma persona — o profissional, o engraçado, o tímido, o forte — e acreditamos nela como se fosse identidade. Mas por trás da máscara, há um outro ser: mais silencioso, mais profundo, talvez até mais sábio. Só que ele não grita, não posta stories, não bate ponto.

Viver sob o véu de Maia, então, é mais do que uma metáfora espiritual: é a nossa rotina. É reagir a imagens, a sombras, a expectativas. É sofrer por algo que nem aconteceu, ou desejar algo que, depois de conquistado, vira paisagem.

Rasgando o véu, mesmo que só um pouco

Mas às vezes, sem querer, o véu rasga. Um luto, uma queda, um amor profundo. Algo nos tira do automático. Como se um raio atravessasse a encenação. E por alguns segundos, vemos — mesmo sem entender — que existe algo maior, mais calmo, mais verdadeiro por trás do corre.

Os mestres espirituais dizem que essa verdade se chama Consciência. Aquilo que observa tudo sem se confundir com nada. Não é a mente, nem o corpo, nem as emoções — é o que permanece quando tudo isso muda.

Como se vive sabendo disso?

Não há uma receita. Mas talvez seja esse o convite: olhar o mundo com delicadeza, mas sem apego. Apreciar o teatro, sabendo que é teatro. Brincar de viver, sabendo que há um mistério nos bastidores. Não precisa sair da vida comum. Só lembrar, de vez em quando, que talvez a realidade seja como aquele pôr do sol: linda, mas passageira. E que, por trás de tudo isso, há um silêncio que nunca muda. Talvez ali more o real.

“A realidade, tal como a percebemos, é apenas uma ilusão — embora uma ilusão bastante persistente.”

Albert Einstein