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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

O Misantropo de Molière

Quando o excesso de sinceridade se torna um fardo

Alceste, o protagonista de O Misantropo (1666), é um personagem encantadoramente incômodo. Criado por Molière no coração do teatro clássico francês, Alceste é aquele que se recusa a jogar o jogo social. Detesta a hipocrisia, despreza a bajulação, abomina os sorrisos falsos e os elogios vazios. Mas, ao mesmo tempo, é alguém que sofre por amar uma sociedade da qual não consegue participar de verdade.

É fácil simpatizar com Alceste nos primeiros atos: ele diz a verdade na cara dos outros, questiona a superficialidade das relações, resiste ao teatro social que todos parecem encenar com gosto. Quem nunca quis fazer o mesmo, em algum jantar enfadonho ou reunião cheia de fingimentos?

Mas conforme a peça avança, percebemos que há algo de trágico em sua rigidez. Alceste não tolera as imperfeições humanas — nem nos outros, nem em si mesmo. E é aí que sua misantropia deixa de ser uma crítica ao mundo e se transforma num muro. Um muro alto, onde ele se isola em nome da verdade, mas acaba sozinho. Porque, no fundo, a sinceridade total, sem compaixão ou medida, também pode ferir como a mentira.

O paradoxo mais bonito da peça é que Alceste se apaixona justamente por Célimène, uma jovem espirituosa, irônica e... totalmente inserida no jogo social que ele despreza. Ela representa tudo o que ele diz odiar, mas também tudo o que ele deseja e não consegue ser. Essa tensão amorosa entre dois modos opostos de estar no mundo revela a profundidade do texto de Molière: não se trata apenas de um moralismo sobre ser sincero ou falso, mas sobre a dificuldade de viver entre os outros.

Molière, como bom comediógrafo, faz graça da tragédia humana. Mas por trás das risadas está a pergunta: é possível viver em sociedade sem ceder, sem fingir, sem fazer concessões? E mais — vale a pena?

Alceste diria que não. Que é melhor ir embora, viver longe do mundo. Mas a peça não o recompensa por isso. Ele termina só, talvez fiel a si mesmo, mas vencido pela sua própria intransigência. E Célimène? Fica, leve, entre as palavras, os risos, as máscaras — talvez mais livre do que ele.

O Misantropo continua atual porque todos, em algum momento, somos um pouco Alceste: cansados do fingimento, desejando um mundo mais autêntico. Mas também somos, às vezes, Célimène: rindo, jogando, tentando sobreviver no teatro da vida. E talvez seja aí, entre a honestidade e a performance, que se esconda a arte de conviver.


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