E se tudo tivesse mesmo começado por Alguém?
Já
teve aquele momento de insônia em que você fica olhando para o teto e se
perguntando: "Por que existe algo e não o nada?" Não é só coisa de
quem tomou café demais. Essa pergunta atravessa os séculos. E lá na Idade
Média, São Tomás de Aquino, um pensador que juntava fé e razão como quem
costura céu e chão, tentou dar uma resposta com o que chamamos hoje de argumento
cosmológico.
Mas
calma. Não precisa vestir túnica nem aprender latim. Vamos tentar entender o
que ele disse — e repensar com olhos de hoje, num mundo que fala de Big Bang,
simulações de computador e multiversos.
Nada
se move sozinho: a Primeira Via
Tomás
de Aquino parte de algo bem cotidiano: tudo se move, mas nada se move por si
mesmo. Um cachorro corre porque quis, mas esse querer é uma cadeia de
vontades, desejos, impulsos... E mesmo o vento que bate na janela não se move
por mágica. Ele também vem de algo — e esse algo, de outro algo.
É
a tal da cadeia de movimentos, ou de causas. E ele diz: essa cadeia não pode
ser infinita para trás, senão nunca teria começado. Logo, deve haver um
primeiro motor imóvel, que move tudo, mas não é movido por nada. Tomás dá a
esse motor o nome que já era conhecido: Deus.
O
Big Bang... ou o Big Alguém?
Aí
você pode dizer: "Ah, mas hoje a ciência já explicou o começo de tudo com
o Big Bang." Sim, e é fascinante. Mas mesmo essa teoria parte de uma
explosão inicial. E aí vem a pergunta inevitável de Aquino, ecoando pelos
séculos: quem ou o que causou isso?
O
argumento cosmológico não é tanto sobre "como as coisas começaram",
mas por que elas começaram, ou melhor, por que elas existem. A
ciência explica o mecanismo, mas não responde ao porquê último da existência.
Nesse espaço entre o que se vê e o que se pergunta, entra a filosofia.
Inovando:
e se o motor fosse uma ideia?
Agora,
vamos ousar: e se atualizássemos o argumento cosmológico para o século XXI? Em
vez de pensar Deus como uma entidade separada, com barba e trono, e se
pensássemos o "primeiro motor" como a ideia que sustenta o ser?
Como uma lógica fundante, uma consciência cósmica, ou um campo
de informação primordial?
Afinal,
no mundo da física quântica e da informação, o que move pode ser menos matéria
e mais inteligência subjacente — como se tudo fosse código de um
programa, e o motor fosse o próprio algoritmo invisível que sustenta o real.
Aí,
o "Deus de Aquino" ganha uma nova roupa. Não mais o arquiteto com
compasso, mas o princípio racional do universo, o porquê silencioso de
tudo existir em vez de nada. Um Deus talvez mais próximo de Spinoza, ou
até da física teórica.
O
argumento ainda respira?
Sim,
e talvez mais do que nunca. O argumento cosmológico não tenta provar um Deus
pessoal com nome e endereço. Ele tenta dizer: não faz sentido que o ser
venha do nada. Alguma coisa sempre existiu — e essa coisa deve ser
necessária, não contingente. Não pode depender de outra.
Se
antes isso parecia teologia pura, hoje volta a surgir, disfarçado nas conversas
sobre consciência cósmica, origem do tempo, campos unificados. Não provamos
Deus, mas sentimos que há algo que precisa estar lá para que tudo mais seja
possível.
Um
início sem começo
O
argumento cosmológico de São Tomás continua relevante não porque dá uma
resposta fechada, mas porque abre a maior das perguntas: de onde vem tudo
isso? Num mundo acostumado a causas, algoritmos e impulsos, a ideia de que
há algo sem causa, que causa tudo, ainda intriga, desafia, instiga.
E
talvez, quando olhamos para o teto à noite e sentimos que há mais do que o
vazio, estamos justamente vivendo essa experiência filosófica — uma intuição
silenciosa de que, no fundo de tudo, há um motivo para o ser.
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