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quinta-feira, 5 de junho de 2025

Sujeito Normativo

 


O que há por trás de quem obedece (ou não)!

A gente passa a vida achando que está escolhendo. Desde cedo nos perguntam o que queremos ser quando crescer, como se a escolha fosse uma estrada aberta. Mas, se olharmos com mais atenção, muitas das nossas decisões já vieram meio prontas: o modo como nos vestimos, o jeito de falar, até a forma de amar — tudo parece já ter uma receita, mesmo antes de perguntarmos qual é o gosto.

Nesse cenário, surge uma figura discreta, mas poderosa: o sujeito normativo. Ele não é alguém específico, mas um tipo de presença que habita todos nós. É aquele que atua conforme as normas, internaliza as regras, se identifica com o que é esperado. Mas quem é esse sujeito, afinal? E, mais importante, ele é livre?

A construção do sujeito que se adapta

O sujeito normativo nasce de uma rede invisível de expectativas. Desde a infância, aprendemos o que é "certo", o que "pega bem", o que "deve ser feito". Somos guiados não por ordens diretas, mas por uma malha de sugestões sutis, recompensas emocionais e castigos simbólicos. A norma não grita, ela sussurra — e é exatamente aí que está sua força.

Michel Foucault nos ajuda a entender essa dimensão quando fala do poder disciplinar: o sujeito é produzido, ele não preexiste à norma. Ao se alinhar com os padrões, o sujeito normativo se realiza — e ao mesmo tempo, se limita. O curioso é que esse processo é quase sempre inconsciente: obedecemos sem saber que estamos obedecendo.

Louis Dumont: o sujeito entre o todo e o indivíduo

O antropólogo francês Louis Dumont nos ajuda a entender como as normas sociais moldam o próprio valor que damos ao sujeito. Em sua análise das culturas ocidentais e orientais, Dumont destaca a diferença entre duas formas de organização social: holismo e individualismo.

No holismo (mais comum em sociedades tradicionais, como na Índia), o indivíduo existe em função do todo — a coletividade, o grupo, a ordem social. Já no individualismo (mais típico do Ocidente moderno), o sujeito é concebido como autônomo, separado, dotado de direitos próprios.

Mas Dumont chama atenção para um paradoxo: mesmo onde o individualismo parece reinar, como nas democracias liberais, ele depende de um conjunto de normas culturais que moldam esse sujeito autônomo. Ou seja, até a ideia de “ser livre” já vem normatizada. O sujeito normativo moderno, portanto, não é menos normativo do que o tradicional — ele apenas internalizou novas formas de obediência, como a busca pela autenticidade, pela autorrealização, pelo sucesso pessoal.

Esse olhar antropológico revela que a norma muda de forma, mas nunca desaparece. O que chamamos de “escolha pessoal” frequentemente é apenas uma forma moderna de cumprir o que o grupo espera de nós.

O dilema entre pertencimento e autenticidade

Ser um sujeito normativo tem vantagens claras: ele se encaixa, circula com fluidez, é bem-visto. Mas há um preço. À medida que nos tornamos aquilo que esperam de nós, deixamos de escutar o que poderíamos ter sido. A norma, quando muito apertada, sufoca a singularidade. Quando vivemos apenas para cumprir o papel social que nos foi oferecido, nos tornamos personagens no teatro do previsível.

A filósofa Judith Butler acrescenta que as normas não apenas regulam o comportamento, mas criam a própria possibilidade de existência reconhecida. Só somos "alguém" se nos alinhamos minimamente ao que é considerado um "alguém possível". É um jogo de reconhecimento. E, às vezes, a margem entre ser reconhecido e ser livre é estreita.

A potência de desviar

Mas nem tudo está perdido. Há momentos em que o sujeito normativo tropeça — e é nesse tropeço que ele pode se reinventar. Quando uma pessoa diz “não” a um padrão que a oprime, não é apenas um ato de negação; é também uma criação. A transgressão, quando lúcida, abre espaço para novas formas de ser.

O filósofo brasileiro Vladimir Safatle nos convida a pensar que a transformação social exige esse gesto de ruptura, de recusa à normalização. O sujeito crítico, que tensiona as normas em vez de simplesmente segui-las, torna-se agente de mudança. Não para viver à margem por vaidade, mas para alargar as bordas do possível.

Entre a norma e o desejo

No fundo, todos nós vivemos esse equilíbrio instável entre seguir e reinventar. O sujeito normativo não é nosso inimigo — ele é parte de nós, aquela parte que busca acolhimento, sentido, pertencimento. Mas é preciso não esquecer da outra metade: o sujeito desejante, que sonha com o que ainda não tem nome.

Louis Dumont nos ajuda a entender que até o desejo de ser único pode ser, paradoxalmente, uma norma social. Talvez o desafio não seja abandonar a norma, mas dançar com ela. Saber quando ela nos serve e quando nos aprisiona. E, sobretudo, lembrar que viver de verdade é também inventar novas normas, feitas sob medida para aquilo que ainda não fomos — mas podemos vir a ser.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Sujeito Original

Hoje acordei pensando na palavra "original". No meio da correria do dia, entre tomar o café da manhã e me organizar para as tarefas, fui até a padaria e na rua vi um cara com uma camiseta estampada com algo provocador: "Seja você mesmo, os outros já existem". A frase é repetida por aí, como um bordão moderno, mas algo nela me incomodou. Será que ser "original" é só sobre ser diferente? Ou será que é mais profundo, sobre ser fiel a algo interno, uma espécie de autenticidade que não depende do que os outros são, mas do que nós, verdadeiramente, somos? O que é um sujeito original?

Ser original é uma das metas mais exaltadas nos dias de hoje. Parece que todos queremos ser reconhecidos como únicos, uma peça rara num oceano de repetição. Mas o que faz um sujeito verdadeiramente original? Ser original não é simplesmente se vestir de maneira excêntrica ou ter opiniões contrárias à maioria. Originalidade é, antes de mais nada, uma questão de postura interna, de estar em sintonia com o que somos na essência.

Um sujeito original é aquele que tem a coragem de não se moldar às expectativas externas de forma acrítica. Ele ou ela pode até participar das mesmas convenções sociais, trabalhar nos mesmos empregos e conviver nas mesmas relações, mas não permite que essas camadas de rotina diluam sua essência. Para isso, muitas vezes, é necessário um grau de isolamento, não no sentido físico, mas mental. É um silêncio interior que permite escutar a própria voz.

A imitação inevitável

Viver em sociedade nos condiciona a imitar os outros, de formas sutis ou evidentes. Desde o modo como falamos até os nossos gestos, tudo é aprendido de outros seres humanos. Maurice Merleau-Ponty, um filósofo francês, disse que o corpo é nossa primeira linguagem, e boa parte dessa linguagem vem da imitação do que vemos ao nosso redor. Então, a pergunta que surge é: se imitamos tanto, como ser original?

A resposta, talvez, esteja em como transformamos o que recebemos do mundo. Um sujeito original não nega suas influências, mas consegue dar a elas uma nova forma, um novo sentido. Como um pintor que usa as mesmas cores disponíveis para todos, mas cria algo que ninguém mais seria capaz de pintar. Assim, a originalidade não está na rejeição pura e simples da tradição ou do que os outros fazem, mas no modo como aquilo passa pelo crivo da própria personalidade.

O risco de ser original

Ser original tem um preço, e não é pequeno. Numa sociedade que valoriza a conformidade e a repetição de padrões, o sujeito original pode ser visto como excêntrico, difícil ou até perigoso. A história está cheia de exemplos de pessoas que foram marginalizadas por suas ideias e atitudes fora do comum. Pense em Sócrates, por exemplo. Sua busca incessante pela verdade e pelo questionamento do que se considerava "normal" acabou levando à sua condenação à morte.

Nos dias de hoje, o risco talvez não seja tão extremo, mas a pressão por ser como todo mundo continua forte. Redes sociais, modas e tendências nos bombardeiam com padrões a seguir. Em muitos ambientes de trabalho, ser diferente pode ser um caminho para o isolamento. Mas o sujeito original sabe que esse é o preço a pagar pela integridade.

A originalidade no cotidiano

Ser original no dia a dia não significa romper com tudo e todos o tempo todo. Pode ser algo sutil, como tomar decisões baseadas no que realmente acreditamos, e não no que a maioria espera de nós. Pode ser na maneira como tratamos os outros, fugindo de fórmulas prontas e buscando uma interação mais genuína. Pode ser até na maneira como lidamos com os pequenos prazeres ou contratempos da vida. A originalidade pode aparecer no modo como lidamos com uma dificuldade, sem recorrer aos clichês da autopiedade ou do conformismo.

No fim das contas, o sujeito original não busca ser diferente só por ser. Ele é, antes de tudo, alguém que está em paz com o que é, sem se preocupar tanto com o que o resto do mundo espera. Ele é fiel à sua própria natureza, e é essa fidelidade que o torna, de fato, original.

Um toque filosófico

Mário Ferreira dos Santos, um filósofo brasileiro autodidata, dizia que o ser humano deve aprender a ser "de si mesmo", isto é, a construir uma vida baseada em seu próprio entendimento do mundo. Isso não significa se fechar ao novo ou às ideias alheias, mas sim filtrar aquilo que recebemos, transformando as influências externas em algo que reflita nossa própria visão e sentido de vida. Segundo ele, é na individualidade pensante, na reflexão crítica sobre quem somos e o que queremos ser, que reside a chave da originalidade.

Portanto, ser original é um desafio constante. Não é uma posição confortável, nem fácil. Mas é, sem dúvida, uma das formas mais profundas de liberdade que podemos alcançar. E, no meio de um mundo de cópias, um sujeito original é como uma luz única que ilumina o caminho.