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sábado, 12 de abril de 2025

Amanhã Como Ontem

Um ensaio sobre a fidelidade ao tempo antigo em tempos de ditadura do novo, sabem como é, coisas da nostalgia...

Tem gente que acorda todos os dias querendo o mesmo café, no mesmo copo, na mesma cadeira da cozinha, com o mesmo silêncio das sete e meia da manhã. E não é por preguiça, tampouco por falta de criatividade. É por devoção. Por fidelidade. Por acreditar que aquilo que foi bom não precisa ser enterrado só porque alguém inventou um aplicativo novo.

Vivemos na era da “ditadura do progresso” — um regime disfarçado de inovação, que impõe a constante necessidade de mudar, atualizar, melhorar, superar. As palavras “antigo”, “velho” e “repetido” tornaram-se quase palavrões no vocabulário moderno. E, no entanto, há quem resista. Há quem sustente que o amanhã pode — e deve — ser como o ontem. Que a repetição não é atraso, mas ritual. Que manter algo como está não é preguiça de pensar, mas uma forma sofisticada de pensar com o coração.

Contra o culto do novo

A modernidade vende uma ideia perigosa: a de que tudo o que é novo é melhor. Como se o simples fato de algo ter vindo depois já o tornasse superior. Mas o que é esse novo que todos perseguem com tanto fervor? Muitas vezes, nada mais que uma variação cosmética do que já existe. Um amanhã ansioso, que não tem tempo de amadurecer porque já quer ser substituído por um próximo amanhã ainda mais “eficiente”.

Quem resiste a isso, quem deseja um amanhã com o cheiro do pão de ontem, é visto como anacrônico. Mas talvez seja apenas alguém que não se ilude. Alguém que, ao invés de correr atrás do tempo como quem persegue um trem desgovernado, escolhe caminhar lado a lado com ele, com passo firme e memória viva.

O valor do eterno retorno

Nietzsche falava do “eterno retorno”, não como uma maldição, mas como um teste de força interior. Seria você capaz de viver a mesma vida, com as mesmas dores e as mesmas alegrias, repetidamente? Muitos recuam diante da ideia. Mas há um tipo de alma — talvez mais sábia, talvez mais amorosa — que responde: sim, eu viveria. Porque o que me aconteceu não foi pouco, não foi banal. Foi verdadeiro.

Para essas pessoas, repetir não é estar preso: é estar em aliança com o que importa. É confiar que certos gestos, mesmo que repetidos mil vezes, não perdem valor. O beijo na testa do filho. A oração da avó. O mesmo caminho até o trabalho com o sol nas costas. Esses momentos não envelhecem — eles se consolidam.

No bairro os domingos são quase imóveis. Cheiro de churrasco, rádio FM no fundo. Ali, ninguém corre. Ninguém quer mudar nada. E quando alguém novo chega, querendo agitar, alguém sempre diz: “Calma. Aqui o tempo é outro.” Não é atraso — é escolha. O amanhã ali já tem dono: é o mesmo de ontem, e ninguém quer despejá-lo.

A fidelidade ao que já foi

Há uma beleza teimosa em manter certas coisas como estão. Cuidar da casa da infância. Usar o mesmo perfume do primeiro encontro. Contar histórias antigas com as mesmas palavras. Trata-se de uma fidelidade rara: não à novidade, mas ao que já mostrou ser digno de permanecer. É quase um ato político — dizer não ao descarte fácil, ao modismo, à velocidade que esmaga o significado.

Como bem dizia o filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva, a verdadeira tradição não é repetir por repetir, mas manter viva uma centelha que merece atravessar os tempos. O amanhã como ontem não é nostalgia, é compromisso. Não é regressão, é continuidade.

Finalizando com um toque de silêncio

O progresso grita, mas há quem escute o sussurro do tempo com reverência. Que o amanhã seja como o ontem — não por medo de mudar, mas por amor ao que já foi verdadeiro. E talvez essa escolha, tão silenciosa quanto radical, seja a única forma de resistir a um mundo que confunde velocidade com sentido.

 


sábado, 11 de janeiro de 2025

Confinada Infinitude

Há um paradoxo fascinante na ideia de "confinada infinitude": algo vasto, ilimitado e eterno sendo contido dentro de fronteiras, sejam elas físicas, mentais ou emocionais. Esse tema nos conduz a reflexões profundas sobre a condição humana, pois vivemos como seres infinitos em potencial, mas confinados pelas limitações do corpo, do tempo e da cultura.

Pensemos no céu noturno, um vasto campo de estrelas que parece se estender para sempre. No entanto, ao olhá-lo através da janela, vemos apenas uma moldura limitada por paredes, prédios e horizontes. Essa é a metáfora perfeita para a existência humana: carregamos dentro de nós o desejo de transcendência, de tocar o eterno, mas estamos restritos ao espaço e ao momento em que nos encontramos.

O Paradoxo da Consciência

Jean-Paul Sartre dizia que a consciência é liberdade, mas também um fardo. Somos capazes de imaginar infinitas possibilidades, mas constantemente nos deparamos com os limites impostos pela nossa situação concreta. Quero viajar pelo mundo inteiro, mas estou preso ao emprego, às contas e às minhas próprias inseguranças. Quero escrever um livro que transcenda eras, mas sou escravo do tempo e da mortalidade.

Essa dualidade é refletida no mito de Sísifo, tão bem explorado por Albert Camus. Sísifo, condenado a empurrar uma pedra eternamente, é a imagem da infinitude confinada. O esforço repetitivo, porém, não nega a liberdade de Sísifo; pelo contrário, é na aceitação dessa condição que ele encontra significado.

No Cotidiano, a Infinitude Esconde-se no Ordinário

No dia a dia, nossa infinitude aparece em gestos pequenos. É no sorriso que damos a um estranho ou na profundidade de um pensamento aparentemente fugaz. É o instante em que a música nos transporta para outro lugar, mesmo que estejamos sentados em um ônibus lotado.

Mas, ao mesmo tempo, somos confinados por rotinas que parecem sufocar essa grandeza. Acordamos, trabalhamos, voltamos para casa. Repetimos. Há dias em que tudo parece uma gaiola, mas, talvez, as asas da infinitude não estejam na fuga, e sim na forma como percebemos o que já está ao nosso alcance.

Filosofia e Confinamento

Martin Heidegger explorou como o ser humano é "lançado" no mundo, forçado a viver dentro de um contexto que não escolheu. Estamos confinados por circunstâncias, mas somos capazes de encontrar significado no ser, no agora. Essa infinitude confinada é um convite para a autenticidade: não é o tamanho do espaço que importa, mas a profundidade com que o habitamos.

Link de Musicas Clássicas:

https://www.youtube.com/watch?v=nPffL3cNGrs

Outro exemplo pode ser encontrado no poeta Fernando Pessoa, que em seu heterônimo Alberto Caeiro disse:

"O que vejo cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Repara que nasceu deveras..."

Aqui, a infinitude está contida no ato de ver, de sentir, de reconhecer o momento presente como único e absoluto.

O Que Fazemos com a Confinada Infinitude?

Talvez a resposta não esteja em escapar do confinamento, mas em aceitá-lo como parte do que somos. O poeta Rainer Maria Rilke escreveu que é dentro dos limites que a vida encontra sua intensidade:

"Eis que viver é ser intenso."

Nossa infinitude se revela nos limites: no amor que sentimos por alguém que não pode durar para sempre, na arte que criamos para desafiar o tempo, nos sonhos que alimentamos mesmo sabendo que alguns nunca serão realizados.

Assim, a confinada infinitude não é um fardo, mas uma dança. O finito e o infinito, o temporal e o eterno, movem-se juntos, criando a beleza singular da existência humana. Abraçá-los é viver plenamente.