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sábado, 1 de março de 2025

Crise das Ideologias

Outro dia, no final da tarde, vi um senhor sentado na praça mexendo lentamente nas peças de um tabuleiro de xadrez solitário. Ele não estava jogando com ninguém, apenas reordenando as peças, talvez perdido em pensamentos. A cena parecia uma metáfora viva da nossa época: peças espalhadas, sem jogo, sem adversário, sem propósito claro. Vivemos um tempo em que as grandes ideologias, que antes davam uma narrativa ao tabuleiro da história, parecem ter perdido o fôlego.

A crise das ideologias não é apenas um fenômeno político, mas um estado de espírito. Antes, as grandes doutrinas – socialismo, liberalismo, nacionalismo – prometiam caminhos claros para o futuro. Cada uma oferecia uma explicação sobre o que é justo, sobre como o mundo deveria ser e sobre o lugar de cada indivíduo na sociedade. Hoje, essas promessas soam gastas, como slogans publicitários antigos.

A desilusão não veio de repente. Foi um desgaste lento, como uma parede que vai perdendo a tinta com o tempo. Os horrores do século XX, a globalização e a fragmentação cultural foram minando as certezas. O capitalismo venceu, mas sem festa de comemoração – apenas uma rotina cinzenta de consumo e desigualdade. O socialismo, por outro lado, sobrevive em nichos, mais como nostalgia do que como projeto viável. O nacionalismo ressurgiu, mas com uma máscara ressentida, mais preocupado em excluir do que em unir.

Mas o que acontece quando as ideologias desmoronam? O filósofo Zygmunt Bauman falava da modernidade líquida, uma época em que nada permanece sólido por muito tempo. Sem grandes narrativas para organizar o mundo, nos agarramos a causas fragmentadas, a identidades voláteis. As ideologias se transformaram em hashtags, em campanhas de curto prazo, em pequenas revoluções sem continuidade. A indignação ainda existe, mas é instantânea e volátil, como o conteúdo de um story no Instagram.

Talvez estejamos vivendo um momento de transição, uma pausa entre o que foi e o que ainda não sabemos nomear. A crise das ideologias não significa o fim das ideias, mas o fim das certezas dogmáticas. Pode ser um tempo de liberdade, mas também de angústia. O tabuleiro não está vazio porque o jogo acabou, mas porque estamos aprendendo novas regras, ou até mesmo inventando outro jogo.

N. Sri Ram, em A Aproximação Teosófica à Vida, falava sobre a necessidade de uma consciência mais ampla, capaz de unir o espírito crítico com a intuição profunda. Talvez essa seja a saída para a crise: não buscar uma nova ideologia para substituir as antigas, mas aprender a habitar o vazio, a conviver com a incerteza e a tecer novas visões que brotam mais da experiência do que de doutrinas prontas.

O senhor da praça continuava ali, mexendo nas peças, sem se importar se havia ou não regras definidas. Talvez o jogo agora seja justamente esse: mover as peças pelo puro prazer de pensar, sem esperar que alguém declare xeque-mate.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Perda de Coesão Social

Estava sentado no banco da praça, observando o vai e vem das pessoas numa rua bem movimentada. De onde eu estava, era como assistir a uma dança silenciosa, onde cada um parecia ter sua própria coreografia, seguindo um ritmo que só eles conheciam. Mas algo me chamou a atenção: mesmo com toda aquela movimentação, ninguém realmente se olhava nos olhos, ninguém se cumprimentava. Era como se todos estivessem juntos, mas ao mesmo tempo profundamente sozinhos. Foi aí que me veio o insight: será que estamos perdendo a coesão social, aquela conexão que faz de um grupo de indivíduos uma comunidade de verdade? E foi assim que decidi escrever sobre isso.

A perda de coesão social é como um tecido que, aos poucos, vai se desfiando. Na vida cotidiana, isso pode ser visto em atitudes aparentemente pequenas, como o aumento da indiferença entre vizinhos, a falta de participação em atividades comunitárias ou até mesmo a dificuldade de encontrar um propósito comum em espaços onde antes havia união.

Vamos imaginar um bairro onde, décadas atrás, as pessoas se conheciam pelo nome, participavam de festas de rua e se ajudavam mutuamente. Com o tempo, novas tecnologias e estilos de vida transformaram essas interações. Os encontros na calçada foram substituídos por conversas rápidas no WhatsApp, e as crianças que antes jogavam bola na rua agora se isolam em jogos online. A sensação de pertencimento vai desaparecendo, e o bairro, antes uma comunidade viva, torna-se um aglomerado de pessoas que compartilham apenas o espaço físico, mas não a vida.

Essa fragmentação social pode levar a consequências graves, como o aumento da intolerância, do preconceito e da desconfiança entre as pessoas. Sem uma base sólida de coesão, os laços que sustentam a sociedade ficam frágeis, e isso se reflete em todos os aspectos da vida social, desde a política até as relações pessoais.

Para o sociólogo francês Émile Durkheim, a coesão social é essencial para o funcionamento de qualquer sociedade. Ele acreditava que a solidariedade entre indivíduos é o que mantém a sociedade unida e que, sem essa solidariedade, a sociedade corre o risco de entrar em um estado de anomia, onde as normas e valores que regem a convivência perdem sua força.

No contexto atual, onde as relações estão cada vez mais mediadas pela tecnologia e pelo consumo, é crucial refletir sobre como podemos reforçar os laços sociais. Talvez seja hora de resgatar práticas antigas, como encontros comunitários e conversas cara a cara, ou até mesmo de encontrar novas formas de conexão que façam sentido no mundo contemporâneo.

A perda de coesão social não é um problema individual, mas coletivo. Todos nós temos um papel na construção e manutenção dos laços que nos unem, e, sem essa responsabilidade compartilhada, a sociedade como a conhecemos pode se desintegrar lentamente, como aquele tecido que, aos poucos, vai se desfiando.