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terça-feira, 10 de junho de 2025

Tirania da Exposição

Quando ser visto se torna uma prisão

Há quem diga que a maior liberdade do nosso tempo é poder ser quem somos, do jeito que quisermos, para quem quiser ver. Mas por trás desse ideal de autenticidade, há um cansaço crescente. A socióloga Eva Illouz nos ajuda a entender por quê: vivemos uma era em que mostrar-se não é mais opção, é exigência. A exposição virou regra. E isso, longe de libertar, aprisiona.

Pense em situações banais do dia a dia. Você sai com os amigos, tira uma foto e hesita: posta ou não posta? Se posta, precisa parecer feliz, espontâneo, bonito. Se não posta, parece que não viveu. O momento só vale se for mostrado. Já não se trata de guardar lembranças, mas de fabricar provas públicas de existência.

Illouz, socióloga que se dedica a estudar as emoções no mundo contemporâneo, chama atenção para esse paradoxo. Em O Amor nos Tempos do Capitalismo, ela mostra como a intimidade deixou de ser sagrada e virou mercadoria emocional. Falamos de sentimentos em público, nos expomos em redes, e aprendemos que isso é sinal de maturidade emocional. Mas, como ela mesma diz, “essa fala virou norma, e não mais escolha”. Não expor-se hoje parece um ato de resistência – ou de estranhamento social.

Isso se reflete também nas dores do amor. Em Por que o amor dói, Illouz afirma que a dor afetiva contemporânea é agravada por um mercado de relações onde tudo é substituível e comparável. As redes sociais funcionam como vitrines de vidas emocionais idealizadas. A exposição do outro – o ex, a ex – nos obriga a confrontar nossa insuficiência. Não se trata apenas de perder alguém, mas de ver esse alguém seguir com outro – e sorrindo em fotos com filtro.

Byung-Chul Han, filósofo coreano radicado na Alemanha, chama isso de “sociedade da transparência”. Tudo precisa ser mostrado, compartilhado, comentado. A privacidade passou a ser quase uma suspeita: quem não se mostra está escondendo algo. Mas essa lógica elimina o mistério, o silêncio, o tempo de elaboração interior. Para Han, a transparência, que parecia ética, virou forma de controle.

A psicóloga americana Sherry Turkle acrescenta mais um ponto: estamos “sozinhos, juntos”. Ou seja, cercados de contatos, mas desconectados da profundidade. A exposição digital simula intimidade, mas nos rouba a presença real. A todo instante, projetamos uma imagem, uma versão de nós mesmos. Sentimos, como diz Eva Illouz, para os outros. A dor, o amor, a alegria, tudo precisa passar por um enquadramento visual, uma legenda que diga: “olha quem eu sou”.

E se não quisermos ser vistos? E se o momento pede recolhimento, silêncio, desordem? Aí mora a tirania: não se trata de sermos impedidos de falar, mas de sermos obrigados a mostrar. O direito ao anonimato emocional, à privacidade afetiva, ao sofrimento mudo – esse direito está em extinção.

Nas filas de espera, nos velórios, nos primeiros encontros, tudo parece pedir um registro. Já não se vive apenas com os outros, mas para os outros. E quando se vive assim, resta pouco espaço para a verdade íntima, aquela que não cabe em legenda, nem em filtro.

Talvez o desafio do nosso tempo seja reaprender a desaparecer. A permitir-se viver algo sem publicar. A sentir sem moldar o sentimento para o olhar externo. A recuperar o silêncio como uma forma de linguagem.

Eva Illouz não diz que devemos abandonar as redes, mas nos convida a pensar: o que ainda resta de nós quando ninguém está olhando?

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Labiríntico

Estava passeando em Nova Petrópolis quando resolvi entrar no labirinto, inicialmente o visualizei de cima e em seguida resolvi caminhar em seu interior, foi uma experiência muito interessante. Sempre que vou a Nova Petrópolis procuro renovar esta experiência e isto me leva a reflexões.

Agora imagine-se caminhando por um labirinto, onde cada esquina revela novos caminhos, mas também te força a encarar uma verdade incômoda: a complexidade e a crueza da vida. Essa metáfora do labirinto, ao mesmo tempo enigmática e opressiva, reflete o que muitos de nós enfrentamos nas experiências cotidianas. É um percurso que exige escolhas rápidas, decisões que nem sempre oferecem a possibilidade de recuo, tudo isso em um ambiente desprovido de sutilezas ou meios-tons.

A vida, em sua natureza labiríntica, parece ser feita para nos desafiar a encontrar significados em meio ao caos. Não é à toa que Jorge Luis Borges, escritor argentino fascinado por labirintos, afirmou que eles são metáforas da condição humana: "O labirinto é um símbolo da perplexidade". É a ausência de linearidade, de clareza, que nos força a lidar com a brutalidade da existência. Aqui não há lugar para o conforto do sutil; o mundo nos joga verdades cruas como um pintor que apenas trabalha com cores primárias, ignorando nuances.

O Labirinto da Modernidade

Se pensarmos em nosso tempo, a modernidade é, ela mesma, um labirinto sem sutileza. Redes sociais, sistemas burocráticos, tecnologias que prometem simplicidade mas entregam complexidade: tudo isso cria uma experiência de vida marcada pela sobrecarga de informações e pela sensação de que, para cada passo dado, há um novo obstáculo que exige ser enfrentado.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nos ajuda a refletir sobre essa dinâmica. Em seu livro A Sociedade do Cansaço, Han descreve como vivemos em uma era onde a exaustão se tornou norma. O labirinto aqui não é apenas físico, mas psicológico e emocional. O excesso de tarefas, de escolhas, de performances exigidas nos prende em um emaranhado de expectativas inalcançáveis. Não há espaço para a sutileza porque tudo grita: seja mais, faça mais, supere mais.

O Impasse do Eu

Dentro desse labirinto, quem somos nós? É fácil perder-se quando cada decisão parece nos afastar ainda mais de um suposto centro. Friedrich Nietzsche, sempre provocador, sugeria que é no confronto com a falta de sentido que encontramos nossa verdadeira essência. Ao olharmos para o abismo – ou, nesse caso, para os corredores labirínticos – somos forçados a nos reinventar.

Mas isso não significa que o labirinto seja um castigo sem saída. Talvez ele seja uma metáfora para o processo de descoberta. A falta de sutileza, longe de ser um problema, pode ser vista como uma forma de sinceridade brutal da vida, uma tentativa de nos ensinar que não há atalhos para a compreensão do que realmente importa.

A Beleza na Brutalidade

Curiosamente, é possível encontrar uma espécie de beleza nesse caos. Pense nos mosaicos de um labirinto antigo: de cima, eles revelam padrões, formas, uma estrutura que só é perceptível ao observar o todo. No dia a dia, somos como formigas presas na confusão de um só corredor, mas, com o tempo e a reflexão, conseguimos enxergar o padrão maior.

A falta de sutileza é, nesse sentido, um convite à percepção mais ampla. Ao invés de lamentar o choque das verdades nuas e cruas, podemos abraçá-las como pontos de aprendizado. Não é uma tarefa fácil, mas é um caminho para dar sentido ao labirinto.

Ser labiríntico e sem sutileza não é uma falha da existência; é sua assinatura. A vida nos empurra para corredores estreitos, nos desafia com encruzilhadas inesperadas e raramente nos dá pistas claras. No entanto, ao aceitar a brutalidade do trajeto, podemos começar a compreender que a verdadeira sutileza não está na suavidade dos caminhos, mas na habilidade de enxergar além da confusão imediata.

Em última análise, o labirinto é tanto uma prisão quanto uma possibilidade de libertação. O desafio está em encontrar, em meio ao caos, a poesia que só a complexidade pode oferecer.