Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador proteger. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador proteger. Mostrar todas as postagens

sábado, 29 de março de 2025

Criando os Filhos

Outro dia, observei um pai apressando o filho no parquinho. “Vamos logo! Mais uma vez no escorregador e acabou!” O menino nem teve tempo de protestar – só deslizou resignado, como se já soubesse que a vida adulta começa cedo demais. Essa cena me fez lembrar das ideias de Carl Honoré, autor do livro Under Pressure, onde ele critica a obsessão contemporânea por acelerar a infância. Será que estamos criando nossos filhos ou apenas gerenciando pequenas carreiras em desenvolvimento?

Honoré defende um conceito que deveria ser óbvio, mas que soa quase subversivo hoje em dia: criar filhos sem pressa. Em um mundo onde os pequenos são matriculados em cursos de mandarim antes de conseguirem amarrar os próprios sapatos e participam de agendas dignas de executivos de alto escalão, desacelerar parece um ato de resistência. Mas e se, em vez de tratarmos a infância como uma corrida, a víssemos como uma experiência em si mesma?

O paradoxo da superpreparação

Vivemos a era do “superfilho”: aquele que toca violino aos cinco anos, domina programação aos sete e já pensa em bolsa de estudos para Harvard antes mesmo da adolescência. Pais bem-intencionados tentam “otimizar” o tempo dos filhos, evitando qualquer desperdício de potencial. No entanto, será que essa busca incessante por prepará-los para o futuro não os impede de viver plenamente o presente?

O filósofo Byung-Chul Han aponta que a sociedade contemporânea vive no que ele chama de “sociedade do desempenho”, onde tudo precisa ser produtivo, até o lazer. Assim, a infância se torna uma fase de preparação, não um momento com valor próprio. O brincar livre, a conversa sem rumo e até o tédio são vistos como inimigos da eficiência, quando na verdade são essenciais para o desenvolvimento emocional e criativo.

Pais ansiosos, filhos ansiosos

Honoré sugere que o excesso de controle sobre a infância vem, em grande parte, da ansiedade dos próprios pais. Queremos protegê-los de frustrações, preparar o terreno para que tenham sucesso e evitar qualquer erro que possa comprometer suas futuras oportunidades. Mas, paradoxalmente, essa tentativa de blindagem pode torná-los menos resilientes e mais inseguros.

Aqui entra um conceito interessante do filósofo brasileiro Rubem Alves: ele dizia que educar é como ensinar a voar, e não construir gaiolas douradas. Se queremos que nossos filhos sejam independentes, precisamos deixá-los experimentar, errar, cair e levantar. A pressa em moldá-los para um futuro idealizado pode acabar roubando-lhes a chance de se descobrirem por si mesmos.

O tempo da infância

Se há algo que Honoré nos ensina, é que desacelerar não significa ser negligente, mas sim permitir que os filhos vivam a infância com plenitude. Deixá-los explorar o mundo sem um cronômetro na mão, aprender no seu próprio ritmo e se entediar de vez em quando pode ser mais educativo do que qualquer aula extracurricular.

Talvez o maior presente que podemos dar a eles não seja um futuro brilhante, mas um presente vivido com significado. Afinal, quando foi que decidimos que crescer deveria ser uma maratona e não uma dança?


segunda-feira, 10 de março de 2025

Sósias de César

Quando Vivemos no Lugar de Nós Mesmos

Às vezes, me pergunto se todas as pessoas que encontro por aí são realmente quem parecem ser — ou se são apenas versões cuidadosamente ensaiadas de si mesmas. É uma sensação estranha, quase paranoica, mas que se infiltra nas conversas de elevador, nos sorrisos educados do escritório, até nas fotos compartilhadas nas redes sociais. A impressão é que há muita gente interpretando um papel, como se a vida fosse uma peça onde cada um recebe um roteiro invisível.

A história diz que Júlio César usava sósias para confundir inimigos e proteger sua vida. O sósia não precisava ser César — só precisava parecer o suficiente para que ninguém notasse a diferença. E essa pequena diferença, quase imperceptível, talvez seja o ponto mais filosófico da questão. Quantas vezes passamos pelos dias como sósias de nós mesmos, sem que ninguém perceba?

O Teatro da Aparência

A vida cotidiana exige um certo grau de atuação. Quando atendemos o telefone com a voz mais simpática que conseguimos forçar ou quando sorrimos para alguém mesmo sem vontade, já estamos assumindo um papel. Isso faz parte do jogo social e não há nada de errado nisso — desde que a máscara não se cole ao rosto.

O problema começa quando essa atuação deixa de ser uma escolha consciente e se transforma na única forma de existir. O sujeito que sempre concorda com os outros para evitar conflitos, a colega que só reproduz frases prontas para parecer interessante, o amigo que faz piadas que não acha engraçadas para se encaixar — todos são sósias de si mesmos. Eles desempenham versões adaptadas ao gosto do público, mas perdem a centelha de algo genuíno.

Georg Simmel, sociólogo alemão, escreveu sobre como a vida moderna fragmenta a personalidade. Ele dizia que a pressão das convenções sociais cria uma espécie de casca, onde cada um mostra apenas o que é esperado para cada ocasião. O verdadeiro "eu" se esconde por trás dessa casca, protegido, mas também sufocado.

O Risco de Esquecer Quem Somos

O que acontece com o sósia que passa muito tempo no lugar do original? Talvez ele comece a acreditar que é o verdadeiro. O risco mais sutil da vida contemporânea é justamente esse: viver tão preso aos papéis sociais que acabamos esquecendo que, em algum momento, já fomos outra coisa.

Esse processo não acontece de uma hora para outra. Primeiro, deixamos de dizer o que realmente pensamos para evitar atritos. Depois, escolhemos roupas, músicas ou até mesmo opiniões que se encaixam melhor no ambiente ao redor. Quando nos damos conta, há apenas um eco — uma cópia bem treinada, mas vazia.

N. Sri Ram, em Pensamentos para Aspirantes, fala sobre a diferença entre ser verdadeiro e parecer verdadeiro. Ele sugere que muitas pessoas se apegam à imagem da bondade ou da sabedoria sem nunca tocar na essência dessas coisas. A verdade, segundo ele, é sempre uma força viva — nunca uma imitação morta.

Recuperar o Original

Talvez a pergunta mais difícil que podemos nos fazer seja: quem eu sou quando ninguém está olhando? Não quando estou tentando agradar ou corresponder expectativas, mas quando fico sozinho, sem espelhos nem testemunhas.

Voltar ao original pode ser um trabalho longo e delicado. Não se trata de rejeitar todas as máscaras — porque algumas são necessárias —, mas de lembrar que existe algo por trás delas.

Talvez baste começar com pequenos gestos: dizer não quando sentimos que é não, mesmo que pareça grosseiro. Rir só quando realmente achamos graça. Permitir silêncios em vez de preencher o vazio com frases sem importância.

A Vida Não Se Lembra dos Sósias

No fim das contas, ninguém sabe o nome dos sósias de César. Eles cumpriram um papel importante, mas a história só guarda a lembrança daqueles que tiveram a coragem de ser quem eram, para o bem ou para o mal.

Talvez a vida funcione da mesma maneira. Podemos passar os dias como cópias bem-feitas, protegidos e discretos — ou podemos correr o risco de ser originais, ainda que isso signifique desagradar, tropeçar ou ficar um pouco fora do lugar.

A escolha parece óbvia, mas não é. Afinal, viver como sósia pode ser confortável. Ser o original, por outro lado, é sempre um salto no escuro.


sábado, 8 de fevereiro de 2025

Infantilizar os Filhos

Um Cuidado que Aprisiona

Outro dia, vi uma cena curiosa em um restaurante. Um garoto de uns doze anos tentava cortar sua própria carne, enquanto sua mãe, impaciente, pegava a faca e fazia o serviço por ele. "Deixa que eu faço, senão você se machuca!", dizia ela, sem notar o olhar frustrado do filho. A cena pode parecer trivial, mas revela um fenômeno muito presente na sociedade contemporânea: a infantilização dos filhos.

Infantilizar os filhos não significa apenas tratá-los com carinho e atenção, mas sim priva-los de autonomia, impedindo que desenvolvam habilidades essenciais para a vida adulta. O filósofo Jean Piaget já destacava que o desenvolvimento cognitivo das crianças depende da exploração e da tentativa e erro. Ao interferir constantemente, os pais criam um ciclo no qual os filhos são mantidos em um estágio de dependência, sem a oportunidade de experimentar a responsabilidade e as consequências de suas ações.

O desejo de proteger os filhos é compreensível. No entanto, ao impedir que eles enfrentem desafios compatíveis com sua idade, corre-se o risco de criar adultos inseguros e incapazes de tomar decisões. O pensador sul-coreano Byung-Chul Han sugere que vivemos em uma sociedade onde o excesso de cuidado leva a uma forma de fragilidade psíquica. Os indivíduos tornam-se cada vez mais sensíveis à frustração e menos preparados para a dureza da vida.

A infantilização também se reflete na educação e no mercado de trabalho. Jovens que cresceram sem tomar decisões ou lidar com pequenos fracassos têm dificuldades em assumir responsabilidades e encarar a vida adulta. É o paradoxo de uma geração que, ao mesmo tempo em que é altamente qualificada, apresenta altos índices de ansiedade e depressão.

Portanto, ser um bom pai ou mãe não é apenas proteger, mas também permitir que os filhos experimentem a independência de maneira gradual. Pequenos gestos, como deixar que uma criança amarre os próprios sapatos ou um adolescente resolva seus problemas escolares sem intervenção imediata, podem fazer toda a diferença. Afinal, amadurecer é um processo que exige enfrentamento e aprendizado, e os pais, ao invés de serem muletas permanentes, deveriam ser guias que ensinam o caminho, mas permitem que os filhos andem com próprias pernas.