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terça-feira, 3 de junho de 2025

Niilismo e Experiência do Vazio


 Ensaio Filosófico sobre o livro "Religião e o Nada" de Keiji Nishitani

"Religião e o Nada" (Shūkyō to wa nanika, no original japonês) é um livro escrito por Keiji Nishitani, publicado pela primeira vez em 1945. Trata-se de sua obra principal, reconhecida como uma das mais importantes produções da Escola de Quioto, que busca dialogar a filosofia ocidental com o pensamento budista, especialmente o zen e o Mahayana.

Breve resumo: Religião e o Nada, de Keiji Nishitani, é uma obra fundamental da Escola de Quioto que propõe uma reflexão profunda sobre o niilismo e a crise espiritual do homem moderno. Influenciado por Nietzsche, Heidegger e o budismo Mahayana, especialmente a noção de śūnyatā (vazio), Nishitani argumenta que o niilismo não deve ser evitado, mas vivido como caminho para um despertar espiritual, onde a religião não é um sistema de crenças, mas uma experiência existencial que nos conduz ao “nada do fundo do ser”. Esse “nada”, diferente da aniquilação, é uma abertura radical para uma realidade além do ser e do não-ser, na qual o ego é superado e o sentido da existência se revela. Ao fundir filosofia ocidental com sabedoria oriental, Nishitani apresenta uma nova forma de religiosidade que se realiza no coração do vazio — não como ausência, mas como plenitude.

Keiji Nishitani, um dos principais pensadores da Escola de Quioto, aborda em "Religião e o Nada" um tema central da condição humana: a relação entre a religião, o niilismo e o significado existencial. Neste ensaio, explorarei as ideias-chave da obra, ligando-as às experiências cotidianas e ao contexto contemporâneo, em que a busca pelo sentido da vida se torna cada vez mais urgente.

O Niilismo e a Experiência do Vazio

Nishitani inicia sua reflexão reconhecendo a crise espiritual que marca o mundo moderno, especialmente no Ocidente. O niilismo — caracterizado pela perda de valores e pela sensação de vazio existencial — é um sintoma de um afastamento profundo entre o homem e sua própria existência. Para ele, essa condição não é apenas um obstáculo a ser superado, mas também uma oportunidade. O vazio, ou "nada", pode ser compreendido não como um estado de destruição, mas como um solo fértil para um novo tipo de compreensão do ser.

Na experiência cotidiana, o vazio se manifesta de maneiras diversas: o sentimento de alienação no trabalho, a superficialidade das relações ou a busca incessante por prazeres efêmeros que não preenchem verdadeiramente. Nishitani propõe que encaremos o vazio de frente, sem medo, como uma possibilidade de transcender nossa perspectiva limitada e fragmentária do mundo.

O Nada como Campo de Possibilidades

Um dos conceitos mais profundos de Nishitani é o "nada" entendido como "vacuidade" (šūnyatā, no budismo). Diferente da ideia ocidental de vazio como ausência absoluta, a vacuidade é um estado dinâmico de interconexão. Quando nos libertamos do apego à ideia de um "eu" separado e fixo, podemos perceber que o nada é o espaço onde tudo se manifesta.

Um exemplo prático pode ser encontrado em uma conversa profunda com um amigo. Em momentos assim, quando não estamos presos à preocupação com nossa própria imagem ou ao desejo de impressionar, emerge uma conexão genuína. Esse "nada" — a ausência de egoísmo e expectativas — cria o espaço para que a relação floresça.

Religião como Realização Existencial

Para Nishitani, a religião é mais do que um sistema de crenças; é uma experiência existencial que nos coloca em contato com a dimensão mais profunda do ser. Ele desafia a distinção tradicional entre o sagrado e o profano, argumentando que a iluminação ocorre precisamente no âmbito da vida cotidiana. A verdadeira religião, segundo Nishitani, não nos afasta do mundo, mas nos reconcilia com ele, revelando que o "eu" e o "mundo" são inseparáveis.

Esse ponto é especialmente relevante em um mundo onde a espiritualidade é frequentemente tratada como algo à parte da "vida real". Por exemplo, ao lavar a louça, podemos considerar a tarefa como uma obrigação mundana ou como uma oportunidade para estar plenamente presentes no momento. Nishitani sugere que, ao enxergarmos a sacralidade em tais momentos simples, descobrimos a verdadeira dimensão da religião.

A Resposta ao Niilismo

A solução de Nishitani para o niilismo não está em rejeitá-lo, mas em atravessá-lo. Ele propõe um movimento para "além do niilismo", onde o vazio é transformado em plenitude. Esse processo requer um desapego radical — não apenas dos bens materiais, mas também das nossas ideias preconcebidas e do desejo de controle.

Imagine uma situação em que um plano cuidadosamente elaborado fracassa. Inicialmente, o sentimento de frustração e inutilidade pode parecer avassalador. No entanto, ao abandonar a fixação no resultado e abrir-se à experiência, pode-se descobrir uma nova perspectiva ou oportunidade. Para Nishitani, essa capacidade de abraçar o inesperado é o que transforma o niilismo em um caminho para a sabedoria.

"Religião e o Nada" nos desafia a repensar nossa relação com o vazio e com o mundo. Nishitani não oferece respostas fáceis ou soluções rápidas, mas convida a uma jornada de autodescoberta que envolve tanto a aceitação do nada quanto a superação do niilismo. Em um momento histórico em que a humanidade busca sentido em meio à fragmentação e à incerteza, sua filosofia se torna mais relevante do que nunca.

Ao nos reconectarmos com a dimensão profunda do ser — no ato de lavar a louça, em uma conversa significativa ou em qualquer outro momento do cotidiano — podemos transformar o nada em uma fonte inesgotável de significado e liberdade.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Origem Inquieta

De onde vem o mundo?

Estava outro dia na fila do pão, dessas que misturam cheiro de fermento com conversa fiada, quando ouvi uma senhora dizer ao neto: “Tudo isso foi Deus que fez, meu filho.” O menino respondeu: “Mas e antes de Deus?” Eu sorri com o canto da boca. Ali, entre o pão francês e o troco contado, surgiu de novo a pergunta mais antiga e mais angustiante: de onde vem o mundo?

Não se trata apenas de uma curiosidade cósmica. Essa questão tem unhas que arranham nossa paz, principalmente nas madrugadas insones ou nas tardes em que o sentido escorre como areia entre os dedos. Recordo de momentos de admiração ao olhar as ondas do mar beijando a areia branca, o pensamento naquele embalinho instigaram a me fazer a pergunta angustiante: De onde vem o mundo? O que havia antes do tempo, antes do espaço, antes da primeira ideia? Havia algo ou havia o nada? E, se havia o nada, como é que o nada virou alguma coisa?

A origem: entre mitos e equações

Desde os antigos, inventamos narrativas para acalmar esse abismo. Os gregos criaram o Caos, uma espécie de mistura primitiva sem forma, da qual emergiram os deuses e o mundo. Já os hindus falam de um ciclo eterno de criação, conservação e destruição — o universo como um respirar cósmico, sem começo fixo. A Bíblia começa com “No princípio”, mas nunca explica de onde veio o “princípio”. Os cientistas modernos trocam os deuses por o Big Bang, mas também tropeçam: de onde veio a singularidade inicial?

É curioso que, mesmo com telescópios que captam luz de bilhões de anos atrás, a pergunta permanece tão inquietante quanto nas cavernas. O mistério não diminuiu. Apenas sofisticamos o vocabulário da dúvida.

A metafísica do espanto

O filósofo alemão Martin Heidegger formulou a questão de forma ainda mais radical: “Por que há o ente e não antes o nada?” O que ele quer dizer é: a existência em si é um espanto. O fato de que algo, qualquer coisa — uma pedra, uma formiga, um pensamento — exista, já é mais difícil de explicar do que qualquer fórmula sobre a origem.

Porque, veja: o nada seria mais simples. O nada não precisa de explicação. Mas o mundo está aqui, insistente. Então, por que algo existe?

Alguns tentaram resolver isso dizendo que o mundo “sempre existiu”. Outros apelam a um criador eterno. Há os que dizem que é tudo ilusão — como os budistas, que falam de Maya, a aparência das coisas. Mas todas essas respostas, quando examinadas com calma, escorregam da mão como sabão molhado. Talvez o erro seja esse: querer que o mundo se explique como um enigma com solução única.

Você ainda está aí lendo este ensaio? Angustiado em saber as respostas?

Uma proposta inusitada: o mundo como erro fecundo

E se, em vez de um plano divino ou de uma sequência causal lógica, o mundo fosse fruto de um erro criativo? Como uma frase dita sem querer que muda o rumo da conversa. Como aquele gole de café que cai da mão e, ao pingar, revela a forma de um rosto no chão. Talvez o mundo tenha surgido como um acidente cósmico fecundo, um tropeço que gerou a dança.

O pensador brasileiro Rubem Alves dizia que talvez Deus tenha criado o mundo como quem escreve um poema, sem saber exatamente o final — apenas impelido por uma necessidade de beleza. Nesse sentido, o mundo não veio de um lugar, mas de um desejo. Não nasceu de uma origem definida, mas de uma ânsia de manifestação. Como um grito no escuro, como um riso sem motivo.

O mundo como pergunta, não como resposta

No fim das contas, talvez o mundo não tenha vindo de algum lugar porque ele é o próprio vir-a-ser. Ele não tem um ponto de partida fixo, mas é um fluxo, uma pergunta encarnada. A cada manhã que nasce, o mundo está se originando de novo. Cada olhar que se espanta é uma nova criação.

Talvez devêssemos parar de perguntar “de onde vem o mundo?” e começar a viver como se o mundo fosse um convite a criar sentidos. Um convite feito sem explicação, mas com infinita abertura.

Afinal, como dizia o poeta Rilke, “Viver as perguntas” talvez seja mais sábio do que querer todas as respostas.

E a pergunta ecoa de novo — talvez no fundo da xícara de café, talvez no silêncio entre dois olhares:

De onde vem o mundo?

Talvez ele venha exatamente daqui — do lugar onde essa pergunta pulsa.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Zero e Nada

 


O valor secreto do zero e do nada

Outro dia, enquanto esperava o sinal abrir, reparei num grafite na parede: um enorme “0” rabiscado, quase como um protesto. Curioso como um simples círculo pode carregar tanto silêncio e, ao mesmo tempo, tanto significado. Ali, parado entre buzinas e mensagens não lidas, me dei conta: o zero e o nada, esses personagens invisíveis da existência, têm mais valor do que costumamos perceber.

Estamos acostumados a valorizar o cheio: uma conta bancária recheada, uma agenda lotada, uma casa com todos os cômodos ocupados. O nada, por outro lado, parece assustar. Zero parece fracasso. E, no entanto, o zero é condição de possibilidade. Como nos lembra o filósofo francês Gaston Bachelard, em A Intuição do Instantâneo, é no intervalo vazio que a mudança acontece. O nada não é ausência absoluta, mas espaço para o vir-a-ser.

Na matemática, o zero não representa apenas o “nenhum”; ele é marco de origem, ponto de referência, equilíbrio entre positivos e negativos. Sem ele, as contas se perderiam. No tempo, o zero é a aurora de todas as possibilidades. E no pensamento, o nada é o repouso necessário para o surgimento de uma nova ideia. Quem nunca teve um “branco” antes de uma inspiração súbita?

Bachelard nos ensina que o instante criador nasce da ruptura, não da continuidade. O nada, então, é ruptura fecunda. Quando dizemos “não sei”, estamos abrindo uma clareira para o saber. Quando dizemos “não tenho nada a perder”, abrimos espaço para agir sem medo. O zero é coragem de começar do começo.

Nas relações, também é assim. Às vezes, precisamos zerar as expectativas, silenciar os ruídos, aceitar o “nada acontecendo” para que algo novo possa surgir. O afeto verdadeiro não é barulhento — ele se acomoda no intervalo das palavras, no gesto não dito, no tempo que se dá sem pressa.

Na correria do dia a dia, esquecemos que o valor não está só no acúmulo. Uma sala vazia pode ser mais acolhedora que uma abarrotada. Uma pausa no meio do caos pode valer mais que um dia inteiro preenchido por obrigações. O nada tem peso, tem densidade. O zero é um tipo de presença discreta — como uma vírgula no texto da vida, indicando que algo ainda está por vir.

Talvez o grafite na parede estivesse dizendo isso. Que às vezes, tudo começa com o zero. Com o nada que ainda não foi contaminado pelo excesso. Com o espaço limpo de expectativas, onde a existência pode, enfim, respirar.

Você já parou para valorizar o que não está lá?

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Balela

O Eco do Nada no Cotidiano

Ah, a balela... essa palavra que soa como o balançar de folhas ao vento, mas que ao mesmo tempo carrega a leveza de algo que não se sustenta. No fundo, é a essência daquilo que parece ser, mas não é; do que promete sentido, mas entrega o vazio.

Imagine a cena: você está no trabalho, rodeado por colegas que discutem animadamente sobre as buzzwords do mês. “Precisamos pivotar a estratégia”, alguém anuncia com um olhar triunfante. Outro emenda: “Mas sem perder o foco no core business”. Você ouve, acena, mas, por dentro, já sabe que nada de concreto sairá dali. Balela pura. Um espetáculo de palavras que giram em torno de si mesmas, mas que no fim só ocupam espaço.

Mas não precisamos ir tão longe. Pense naquele grupo de WhatsApp da família, onde surgem correntes que prometem milagres. “Passe limão no pé e cure sua ansiedade em 24 horas.” É balela em estado bruto, mas, curiosamente, encontra solo fértil. Talvez porque em meio ao caos da modernidade, até o absurdo reconforta.

O Cotidiano da Balela

A balela vive nos detalhes:

No chefe que diz “a empresa é uma família” enquanto corta benefícios.

No amigo que jura “qualquer coisa, estou aqui” e some quando você precisa de ajuda.

Na política, onde slogans vazios prometem mudanças impossíveis.

O mais curioso é que a balela não só sobrevive, mas prospera. Ela seduz, porque entrega um simulacro de verdade sem exigir esforço. A realidade é complexa e árdua; a balela, por outro lado, oferece atalhos fáceis para a mente cansada.

Filosofando Sobre a Balela

Quem melhor para nos guiar aqui do que Sócrates, o homem que foi condenado por desmascarar balelas da sua época? Ele andava pelas ruas de Atenas fazendo perguntas incômodas, desnudando certezas alheias até que o interlocutor admitisse: “Afinal, não sei de nada.” Sócrates entendia que a balela é um escudo contra o desconforto da ignorância.

Mas e hoje? Vivemos na era da informação, onde o acesso ao conhecimento nunca foi tão amplo. Ainda assim, a balela prospera. Talvez porque, como apontou o filósofo Zygmunt Bauman, vivemos tempos líquidos: tudo é rápido, efêmero e sem profundidade. A balela é o reflexo perfeito dessa liquidez, pois se molda às expectativas momentâneas sem nunca se fixar em algo sólido.

Resistindo à Balela

O antídoto para a balela não é ignorá-la, mas confrontá-la. No trabalho, pergunte: “Como isso se traduz em ações práticas?” No grupo do WhatsApp, envie um link confiável que desmascare a corrente. Na política, exija transparência e coerência.

Mas, acima de tudo, observe-se. Quantas vezes nos rendemos à balela para evitar conflitos ou alimentar ilusões? Reconhecer isso é o primeiro passo para não apenas resistir à balela alheia, mas também à nossa própria. Afinal, como diria Nietzsche, “Não são as dúvidas que nos enlouquecem, mas as certezas.” E muitas dessas certezas, quando olhadas de perto, não passam de balelas bem embrulhadas.