Outro dia, durante uma conversa despretensiosa, alguém perguntou: "Mas, afinal, o que é realmente bom ou ruim?" Parecia uma questão simples, daquelas que você responde sem pensar muito. Só que, quanto mais tentávamos responder, mais nos enredávamos. Uma comida que eu achava deliciosa era apenas "ok" para o outro. Um filme que um amigo adorava, outro considerava uma perda de tempo. E, de repente, me peguei pensando: será que "bom" e "ruim" são mesmo coisas concretas? Ou será que são palavras que usamos para nos orientar, mesmo sem saber ao certo o que significam?
O que é bom? O que é ruim? As perguntas parecem
simples, mas basta um instante de reflexão para percebermos que essas palavras,
tão presentes no nosso vocabulário diário, carregam uma indefinição essencial.
No fundo, "bom" e "ruim" são conceitos metafisicamente
vagos, atravessados por subjetividades, circunstâncias e contextos históricos.
Mais do que categorias fixas, eles são prismas pelos quais filtramos nossas
experiências no mundo.
A Raiz Metafísica do Problema
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche já apontava
que as noções de "bom" e "ruim" não são universais, mas
construções culturais. Em A Genealogia da Moral, ele descreve como a moralidade
nasce de relações de poder e da imposição de valores por certos grupos sobre
outros. O que chamamos de "bom" e "ruim" não é, portanto,
um reflexo de uma essência universal, mas um jogo de forças históricas.
Por outro lado, na tradição aristotélica,
"bom" é aquilo que realiza a finalidade de uma coisa. Um martelo
"bom" é aquele que preenche bem sua função de martelar. No entanto,
essa visão teleológica não escapa da indefinição quando aplicada ao ser humano.
Qual é a nossa função essencial? Buscar a felicidade, como Aristóteles sugeriu?
Mas a felicidade, por si só, é um conceito ainda mais fluido, variando entre
indivíduos e culturas.
A Vaguidão e o Cotidiano
No dia a dia, usamos "bom" e
"ruim" de forma quase automática. Dizemos que uma comida está
"boa", que um filme é "ruim", que uma pessoa é
"boa". Mas o que exatamente queremos dizer com isso? O gosto de uma
comida é "bom" para quem? O filme é "ruim" porque não nos
emocionou, ou porque desafia nossas expectativas? Quando chamamos alguém de
"bom", estamos nos referindo a sua moralidade, à sua generosidade, ou
simplesmente à sua capacidade de nos agradar?
Esses exemplos triviais revelam o quão dependentes
de contexto estão os conceitos de bom e ruim. Algo "bom" em um
momento pode ser "ruim" em outro, dependendo de quem observa e da
situação envolvida. Imagine uma chuva repentina: é "boa" para o
agricultor que precisa de água para as plantas, mas "ruim" para quem
planejava um piquenique ao ar livre.
A Subjetividade e a Ética
A subjetividade complica ainda mais a questão. Para
o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, os valores não estão dados; somos
nós que os criamos. Em sua visão, o ser humano é condenado à liberdade, forçado
a fazer escolhas e atribuir significados em um mundo sem essências
pré-determinadas. "Bom" e "ruim" tornam-se, assim,
expressões de nossa liberdade, mas também de nossa angústia diante da
responsabilidade de decidir.
Por outro lado, filósofos como Emmanuel Levinas
sugerem que a ética não pode ser reduzida à subjetividade. Para Levinas, a
relação com o outro é o fundamento do ético: o "bom" é aquilo que
reconhece e respeita a alteridade do outro. Aqui, "bom" e
"ruim" adquirem um sentido que ultrapassa o indivíduo, mas ainda
assim permanecem indefinidos, já que cada encontro humano é singular.
A Incerteza Como Condição Humana
Talvez a maior lição filosófica que podemos tirar
da análise de "bom" e "ruim" seja a aceitação da incerteza.
Como apontou o filósofo brasileiro Vilém Flusser, a linguagem é sempre uma
aproximação da realidade, nunca sua captura definitiva. Assim, as palavras
"bom" e "ruim" são ferramentas imperfeitas, metáforas que
usamos para tentar ordenar um mundo essencialmente caótico e ambíguo.
Essa vaguidão não é um problema a ser resolvido,
mas uma característica fundamental da condição humana. Ao invés de buscar
definições absolutas, podemos encarar "bom" e "ruim" como
conceitos que nos convidam a dialogar, a refletir e a questionar. No fundo, é a
própria fluidez desses termos que nos mantém abertos à experiência e ao outro.
"Bons" e "ruins" são conceitos
tão antigos quanto a linguagem, mas permanecem sempre novos e incertos. Sua
força está justamente na sua indefinição, que nos obriga a pensar, a escolher e
a criar sentidos. Em última análise, talvez "bom" e "ruim"
não sejam categorias que descrevem o mundo, mas sim ferramentas que usamos para
navegar por ele. Afinal, o que seria da vida sem a ambiguidade que nos desafia
a interpretá-la continuamente?