Então chegou à segunda-feira. Tem dia que parece filme repetido: você senta no mesmo lugar, liga o mesmo computador, faz a mesma tarefa de ontem — e de anteontem — e de anteontem do anteontem. Dá aquela sensação de que a vida virou um looping sem fim, um "Déjà vu" corporativo. E aí bate a pergunta: tem como encontrar algum sentido nisso tudo? Já sentiu viver à moda Sísifo? Será que dá pra tirar algo de bom desse trabalho que parece sempre igual? Talvez sim. Talvez o segredo não esteja no que a gente faz, mas como a gente enxerga o que faz.
Muita
gente se vê presa nisso: tarefas repetitivas, dias parecidos, sensação de que
nada muda — e aí vem a dúvida: como encontrar significado nisso?
Primeiro,
é bom lembrar que o trabalho repetitivo não é algo novo. Monges medievais
copiavam manuscritos linha por linha. Trabalhadores em fábricas apertam o mesmo
parafuso o dia inteiro. Donas de casa lavam a mesma louça todo santo dia. E
mesmo assim, alguns encontraram sentido nisso.
Talvez
o primeiro passo seja mudar a lente com que se olha. A repetição permite
aperfeiçoamento. Quem faz a mesma coisa cem vezes ganha um domínio que ninguém
mais tem. É o que o filósofo japonês Kitarō Nishida chamaria de "ação
intuitiva" — quando a prática repetida permite ao corpo e à mente se
fundirem com o ato. O trabalho vira uma espécie de meditação em movimento.
Outro
ponto: o efeito que esse trabalho tem nos outros. Uma atendente que repete
"bom dia" para cem pessoas talvez ache tudo automático — mas para o
cliente, pode ser o único sorriso do dia. Um balconista que empacota produtos
numa prateleira acha que empilha latas — mas alguém mais tarde vai comer aquele
alimento porque ele estava lá. Mesmo o menor dos gestos serve a algo maior.
Também
há quem transforme o próprio trabalho em jogo: cronometrar quanto tempo leva,
bater o próprio recorde, inventar uma micro-arte no modo de organizar papéis,
dobrar roupas ou resolver planilhas. Essa brincadeira secreta quebra a rigidez
do repetitivo.
Há
quem encontre sentido fora do trabalho, mas leve o fruto dele para o
trabalho: quem escreve um romance à noite e usa o emprego repetitivo como
sustento; quem sonha com um projeto e vê no trabalho atual uma ponte para lá;
quem guarda energia mental enquanto repete tarefas para sonhar acordado.
O
filósofo Viktor Frankl dizia que sentido não se acha, se dá. O próprio
trabalhador injeta sentido no ato — ao vê-lo como arte, serviço, treino de
alma, trampolim ou disciplina espiritual.
Mesmo
o trabalho mais repetitivo pode ser um terreno secreto de cultivo interior.
Penso
que antes de procurar sentido no trabalho, na rotina, no chefe, no salário...
talvez a pergunta mais honesta seja: eu tenho dentro de mim um motivo para
viver?
Porque
quem carrega uma motivação interior — um desejo, uma paixão, uma esperança, um
propósito pessoal — dá sentido até ao gesto mais pequeno. Mesmo um trabalho
repetitivo vira parte de uma caminhada maior.
Nietzsche
dizia: “Quem tem um porquê suporta quase qualquer como.” Ou seja, se o
motivo está claro por dentro, o resto — o cansaço, a monotonia, o tédio — vira
detalhe do cenário.
O
risco é inverter a ordem: querer que o trabalho ou o mundo preencham um vazio
que é só nosso resolver. Buscar sentido lá fora quando o que falta é fogo aqui
dentro.
Talvez
o primeiro movimento, antes de achar graça no trabalho repetitivo, seja esse:
descobrir o que faz a própria alma acordar de manhã. O que nos move de verdade
— mesmo em silêncio, mesmo em segredo.