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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Significado no Repetitivo

Então chegou à segunda-feira. Tem dia que parece filme repetido: você senta no mesmo lugar, liga o mesmo computador, faz a mesma tarefa de ontem — e de anteontem — e de anteontem do anteontem. Dá aquela sensação de que a vida virou um looping sem fim, um "Déjà vu" corporativo. E aí bate a pergunta: tem como encontrar algum sentido nisso tudo? Já sentiu viver à moda Sísifo? Será que dá pra tirar algo de bom desse trabalho que parece sempre igual? Talvez sim. Talvez o segredo não esteja no que a gente faz, mas como a gente enxerga o que faz.

Muita gente se vê presa nisso: tarefas repetitivas, dias parecidos, sensação de que nada muda — e aí vem a dúvida: como encontrar significado nisso?

Primeiro, é bom lembrar que o trabalho repetitivo não é algo novo. Monges medievais copiavam manuscritos linha por linha. Trabalhadores em fábricas apertam o mesmo parafuso o dia inteiro. Donas de casa lavam a mesma louça todo santo dia. E mesmo assim, alguns encontraram sentido nisso.

Talvez o primeiro passo seja mudar a lente com que se olha. A repetição permite aperfeiçoamento. Quem faz a mesma coisa cem vezes ganha um domínio que ninguém mais tem. É o que o filósofo japonês Kitarō Nishida chamaria de "ação intuitiva" — quando a prática repetida permite ao corpo e à mente se fundirem com o ato. O trabalho vira uma espécie de meditação em movimento.

Outro ponto: o efeito que esse trabalho tem nos outros. Uma atendente que repete "bom dia" para cem pessoas talvez ache tudo automático — mas para o cliente, pode ser o único sorriso do dia. Um balconista que empacota produtos numa prateleira acha que empilha latas — mas alguém mais tarde vai comer aquele alimento porque ele estava lá. Mesmo o menor dos gestos serve a algo maior.

Também há quem transforme o próprio trabalho em jogo: cronometrar quanto tempo leva, bater o próprio recorde, inventar uma micro-arte no modo de organizar papéis, dobrar roupas ou resolver planilhas. Essa brincadeira secreta quebra a rigidez do repetitivo.

Há quem encontre sentido fora do trabalho, mas leve o fruto dele para o trabalho: quem escreve um romance à noite e usa o emprego repetitivo como sustento; quem sonha com um projeto e vê no trabalho atual uma ponte para lá; quem guarda energia mental enquanto repete tarefas para sonhar acordado.

O filósofo Viktor Frankl dizia que sentido não se acha, se dá. O próprio trabalhador injeta sentido no ato — ao vê-lo como arte, serviço, treino de alma, trampolim ou disciplina espiritual.

Mesmo o trabalho mais repetitivo pode ser um terreno secreto de cultivo interior.

Penso que antes de procurar sentido no trabalho, na rotina, no chefe, no salário... talvez a pergunta mais honesta seja: eu tenho dentro de mim um motivo para viver?

Porque quem carrega uma motivação interior — um desejo, uma paixão, uma esperança, um propósito pessoal — dá sentido até ao gesto mais pequeno. Mesmo um trabalho repetitivo vira parte de uma caminhada maior.

Nietzsche dizia: “Quem tem um porquê suporta quase qualquer como.” Ou seja, se o motivo está claro por dentro, o resto — o cansaço, a monotonia, o tédio — vira detalhe do cenário.

O risco é inverter a ordem: querer que o trabalho ou o mundo preencham um vazio que é só nosso resolver. Buscar sentido lá fora quando o que falta é fogo aqui dentro.

Talvez o primeiro movimento, antes de achar graça no trabalho repetitivo, seja esse: descobrir o que faz a própria alma acordar de manhã. O que nos move de verdade — mesmo em silêncio, mesmo em segredo.


terça-feira, 15 de abril de 2025

Filosofia da Gamificação

Outro dia, percebi que estava ganhando pontos por escovar os dentes. Sim, pontos. O aplicativo me dizia que eu tinha conquistado um “troféu” por manter uma rotina de higiene bucal durante sete dias seguidos. Fiquei meio envergonhado por me sentir orgulhoso disso. Mas ali estava eu, com um sorriso infantil, feliz por um troféu virtual que ninguém mais veria.

Comecei a observar o quanto minha vida estava se parecendo com um jogo. O relógio me diz quando descansar. O celular vibra para que eu me levante. O app de caminhada me dá estrelas. O site de estudos me dá selos. Trabalho com metas, ganho bônus. E o Instagram? Um grande tabuleiro de reconhecimento instantâneo.

A vida virou um game?

A ilusão do controle lúdico

A gamificação vende a ideia de que podemos transformar qualquer tarefa em algo divertido, envolvente, até heroico. É como se a vida real fosse chata demais — e só um verniz de jogo pudesse nos dar sentido. Mas o que isso revela é uma verdade incômoda: estamos cada vez mais precisando de estruturas externas para nos sentirmos motivados.

Nietzsche, que desconfiava de qualquer moral de rebanho, provavelmente sorriria com ironia diante disso. Para ele, o homem deveria ser o criador de seus próprios valores, o “espírito livre”. Mas em vez disso, estamos terceirizando até nosso impulso vital. Não fazemos mais algo porque queremos — fazemos porque ganharemos uma medalhinha.

A pergunta que Nietzsche nos jogaria como uma granada:

Você vive por convicção ou por recompensa?

O jogo como simulacro

Jean Baudrillard também daria sua cartada filosófica aqui. Para ele, vivemos na era dos simulacros — representações que substituem a realidade a ponto de a realidade se tornar irreconhecível. Na gamificação, isso é evidente: você não planta uma horta porque gosta de ver algo crescer, mas porque o app de jardinagem te deu 300 moedas douradas.

A consequência disso? A realidade fica secundária. Os afetos se deslocam. A experiência concreta da vida se esvazia, substituída por efeitos sonoros e recompensas digitais. Como se o que importa fosse o “nível 10 da vida saudável” e não o fato de você ter caminhado num parque e sentido o cheiro da grama molhada.

Lembram quando falamos sobre “simulacro” em vários artigos anteriores? A repetição nos faz reforçar nossos cuidados com o que acontece em nosso entorno, pois queremos viver momento a momento conscientemente.

A estética do progresso

Mas há também algo de belo nisso tudo — e perigoso. A gamificação resgata a estética do progresso. Cada barra que sobe, cada conquista desbloqueada, cada troféu reluzente, tudo isso dá à existência um ritmo quase épico. Mesmo que seja um épico de lavar a louça.

O problema é quando confundimos esse progresso estético com crescimento real. Um nível a mais não significa maturidade emocional. Um selo de “leitor voraz” não garante reflexão profunda. A vida pode estar cheia de conquistas simbólicas e, ainda assim, ser vazia de significado.

Jogar ou ser jogado?

A gamificação, então, nos coloca num dilema existencial curioso: jogar o jogo ou ser jogado por ele? Se somos conscientes do processo, podemos usar os elementos lúdicos a nosso favor. Transformar o cotidiano em algo mais leve, mais criativo. Mas se deixamos que a lógica do jogo invada todos os espaços, perdemos o pulso da vida espontânea — aquela que não precisa de pontos para valer a pena.

É como disse o pensador brasileiro N. Sri Ram, em O Caminho do Discípulo:

Que a vida verdadeira é aquela que flui de dentro, e não aquela que é moldada apenas por estímulos exteriores.

A alma não joga por troféus

Na visão espiritual — não religiosa, mas interior — a vida é compreendida como um processo de desenvolvimento do ser, e não apenas de metas externas. O jogo, nesse sentido, só faz sentido quando nos aproxima da escuta interior. Se nos afastamos de nós mesmos, buscando gratificações instantâneas como se fossem alimento para a alma, corremos o risco de perder o fio sutil que conecta o cotidiano ao sagrado. A espiritualidade lembra que o gesto simples pode ser um rito, a rotina pode ser meditação, e o progresso não se mede em pontos, mas em presença. Talvez a pergunta verdadeira não seja “quantos níveis subi hoje?”, mas sim: “em que medida fui inteiro no que fiz?”

Em busca de sentido além do tabuleiro

Talvez o desafio não seja abandonar a gamificação, mas transcendê-la. Fazer de cada ato um jogo sim, mas um jogo com regras próprias. Não porque um aplicativo mandou, mas porque há algo em nós que desperta com isso: o prazer de agir, o gosto pelo gesto, a beleza do processo em si.

No fim das contas, o jogo da vida não tem placar visível. Os melhores momentos não rendem medalhas. E as missões mais profundas são aquelas que só nós mesmos podemos reconhecer que cumprimos.