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domingo, 20 de julho de 2025

Lembrar Não Dói

Quando há ausência de emoção como proteção, escolha ou superação

Há quem chore ao lembrar do passado. Há quem sorria. E há quem se cale — não por escolha, mas porque, mesmo lembrando, não sente nada. Esse silêncio emocional diante da memória pode parecer estranho, frio ou até inquietante. Mas nem sempre é sinal de indiferença. Pode ser um mecanismo de defesa, uma estratégia de sobrevivência ou até um sinal de que algo foi resolvido em profundidade.

A pergunta que nos guia aqui é: por que algumas pessoas lembram, mas não sentem?

 

Defesa: quando o corpo decide esquecer o sentir

Em situações de trauma ou dor profunda, o sistema psíquico humano pode adotar o que a psicologia chama de anestesia afetiva. A lembrança permanece, mas a emoção correspondente é suprimida — como se o corpo dissesse: "É melhor não sentir isso agora."

Esse distanciamento não é escolha consciente. É um tipo de desligamento interno. Muito comum em vítimas de violência, abusos, perdas ou situações de estresse extremo. Lembrar sem sentir, nesses casos, é uma forma de seguir em frente sem quebrar por dentro.

 

Congelamento emocional: viver com a torneira fechada

Para outros, a ausência de emoção tem raízes mais longas: infância sem afeto, educação que valoriza o controle emocional, ambientes onde chorar era fraqueza. O afeto foi secando aos poucos. A lembrança, então, vira um arquivo sem cheiro, sem calor, sem lágrimas.

Essas pessoas podem parecer “como máquinas”. Mas o que há nelas, na verdade, é uma torneira emocional travada. Algo que talvez nem saibam destravar — e às vezes nem queiram. Porque não sentir pode parecer mais seguro do que correr o risco de sofrer.

 

Intelectualização: quando a razão toma conta do coração

Alguns lidam com o passado como se fosse um livro de filosofia: analisam, explicam, contextualizam… mas não se emocionam.

É o que chamamos de intelectualização — um recurso comum entre pessoas muito racionais, estudiosas, ou que foram treinadas a confiar mais na mente do que nas entranhas.

Essa ausência de emoção não é vazio — é excesso de controle. É uma blindagem com aparência de lucidez.

 

Superação: quando o sentir se transforma

Há, no entanto, um outro tipo de ausência de dor: aquela que vem depois da aceitação. Quando a memória já foi atravessada, digerida, ressignificada. Não é que a pessoa não sente — ela sente de outra forma.

É como quem perdeu alguém e consegue falar disso com doçura, sem nó na garganta.
Ou como quem foi ferido e, anos depois, consegue olhar para o agressor sem ódio.
Aqui, a lembrança não dói porque já foi vivida até o fim. Já não é prisão, nem sombra. É parte do caminho.

 

Viktor Frankl: sofrimento como caminho para o sentido

O psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente de campos de concentração nazistas, desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem terapêutica baseada no sentido da vida. Ele observou que não é o sofrimento em si que destrói o ser humano, mas a ausência de sentido nele.

Frankl dizia:

“A dor deixa de ser sofrimento no momento em que encontramos um significado para ela.”

Com isso, ele nos ensina que a ausência de emoção diante da lembrança pode, sim, ser um sinal de que o sofrimento foi integrado e superado — transformado em aprendizado, em paz, ou em silêncio fecundo.

 

Afinal, o que essa ausência de emoção nos diz?

Ela pode ser:

  • Um grito silencioso de alguém que não sabe mais como sentir
  • Uma defesa antiga, ainda operando mesmo sem necessidade
  • Uma escolha inconsciente por evitar o contato com a dor
  • Um sinal de maturidade emocional, quando a ferida virou cicatriz

Por isso, a ausência de emoção nunca deve ser julgada às pressas. Cada silêncio carrega uma história. E nem sempre o choro é prova de sensibilidade — assim como a calma não é prova de frieza.

 

E as máquinas nisso tudo?

Talvez as máquinas lembrem sem sentir porque são feitas assim. Mas nós, humanos, às vezes também somos assim — não por natureza, mas por necessidade.

A verdadeira pergunta talvez seja: o que em mim precisou parar de sentir para poder continuar existindo?

E mais ainda: será que posso voltar a sentir com segurança?


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Significado no Repetitivo

Então chegou à segunda-feira. Tem dia que parece filme repetido: você senta no mesmo lugar, liga o mesmo computador, faz a mesma tarefa de ontem — e de anteontem — e de anteontem do anteontem. Dá aquela sensação de que a vida virou um looping sem fim, um "Déjà vu" corporativo. E aí bate a pergunta: tem como encontrar algum sentido nisso tudo? Já sentiu viver à moda Sísifo? Será que dá pra tirar algo de bom desse trabalho que parece sempre igual? Talvez sim. Talvez o segredo não esteja no que a gente faz, mas como a gente enxerga o que faz.

Muita gente se vê presa nisso: tarefas repetitivas, dias parecidos, sensação de que nada muda — e aí vem a dúvida: como encontrar significado nisso?

Primeiro, é bom lembrar que o trabalho repetitivo não é algo novo. Monges medievais copiavam manuscritos linha por linha. Trabalhadores em fábricas apertam o mesmo parafuso o dia inteiro. Donas de casa lavam a mesma louça todo santo dia. E mesmo assim, alguns encontraram sentido nisso.

Talvez o primeiro passo seja mudar a lente com que se olha. A repetição permite aperfeiçoamento. Quem faz a mesma coisa cem vezes ganha um domínio que ninguém mais tem. É o que o filósofo japonês Kitarō Nishida chamaria de "ação intuitiva" — quando a prática repetida permite ao corpo e à mente se fundirem com o ato. O trabalho vira uma espécie de meditação em movimento.

Outro ponto: o efeito que esse trabalho tem nos outros. Uma atendente que repete "bom dia" para cem pessoas talvez ache tudo automático — mas para o cliente, pode ser o único sorriso do dia. Um balconista que empacota produtos numa prateleira acha que empilha latas — mas alguém mais tarde vai comer aquele alimento porque ele estava lá. Mesmo o menor dos gestos serve a algo maior.

Também há quem transforme o próprio trabalho em jogo: cronometrar quanto tempo leva, bater o próprio recorde, inventar uma micro-arte no modo de organizar papéis, dobrar roupas ou resolver planilhas. Essa brincadeira secreta quebra a rigidez do repetitivo.

Há quem encontre sentido fora do trabalho, mas leve o fruto dele para o trabalho: quem escreve um romance à noite e usa o emprego repetitivo como sustento; quem sonha com um projeto e vê no trabalho atual uma ponte para lá; quem guarda energia mental enquanto repete tarefas para sonhar acordado.

O filósofo Viktor Frankl dizia que sentido não se acha, se dá. O próprio trabalhador injeta sentido no ato — ao vê-lo como arte, serviço, treino de alma, trampolim ou disciplina espiritual.

Mesmo o trabalho mais repetitivo pode ser um terreno secreto de cultivo interior.

Penso que antes de procurar sentido no trabalho, na rotina, no chefe, no salário... talvez a pergunta mais honesta seja: eu tenho dentro de mim um motivo para viver?

Porque quem carrega uma motivação interior — um desejo, uma paixão, uma esperança, um propósito pessoal — dá sentido até ao gesto mais pequeno. Mesmo um trabalho repetitivo vira parte de uma caminhada maior.

Nietzsche dizia: “Quem tem um porquê suporta quase qualquer como.” Ou seja, se o motivo está claro por dentro, o resto — o cansaço, a monotonia, o tédio — vira detalhe do cenário.

O risco é inverter a ordem: querer que o trabalho ou o mundo preencham um vazio que é só nosso resolver. Buscar sentido lá fora quando o que falta é fogo aqui dentro.

Talvez o primeiro movimento, antes de achar graça no trabalho repetitivo, seja esse: descobrir o que faz a própria alma acordar de manhã. O que nos move de verdade — mesmo em silêncio, mesmo em segredo.


quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Curar Estados Psicológicos

Diariamente lidamos com nossos estados psicológicos, já pensou nisto? E a cura psicológica é um tema que nos leva a pensar no processo interno de lidar com as emoções e situações difíceis que a vida nos apresenta. Imagine um dia comum: você acorda com a cabeça pesada, como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros. Lá fora, o sol brilha, mas dentro de você, tudo parece nublado. É como se cada pensamento fosse um nó emaranhado, difícil de desfazer.

Neste cenário, a ideia de curar estados psicológicos surge como uma necessidade. É um processo que não acontece de um dia para o outro, mas envolve uma série de práticas e mudanças de perspectiva. Pode começar com algo simples, como uma caminhada matinal. O movimento do corpo tem o poder de acalmar a mente, como se cada passo no asfalto fosse uma forma de desfazer aqueles nós. Durante a caminhada, você pode se pegar pensando em uma frase que leu recentemente, algo que ressoou profundamente. Talvez tenha sido uma citação de Viktor Frankl, um psiquiatra e filósofo que sobreviveu ao Holocausto. Ele disse: "Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos."

Essas palavras ecoam na mente enquanto você caminha, e de repente, percebe que o peso nos ombros está um pouco mais leve. É como se, ao internalizar essa ideia, você começasse a se curar, pouco a pouco. Frankl acreditava que, mesmo nas situações mais extremas, o ser humano tem a capacidade de encontrar sentido na dor, transformando o sofrimento em um impulso para seguir em frente.

Voltando à vida cotidiana, curar estados psicológicos também pode envolver a prática da meditação. Sentar-se em silêncio, observar os pensamentos sem julgá-los, é como dar à mente um espaço para respirar. Durante esses momentos de quietude, você pode se reconectar com o presente, afastando-se das preocupações que antes pareciam insuperáveis. É como abrir uma janela em um quarto abafado, deixando o ar fresco entrar e dissipar a opressão.

Mas a cura não é um caminho linear. Haverá dias em que você se sentirá perdido novamente, em que as velhas feridas parecerão se abrir. Nesses momentos, é importante lembrar que a cura é um processo contínuo. Requer paciência consigo mesmo, a capacidade de reconhecer que, assim como o corpo precisa de tempo para se recuperar de uma ferida, a mente também precisa de espaço e tempo para se curar.

Aristóteles, um dos grandes pensadores da antiguidade, nos lembra que "a excelência não é um ato, mas um hábito." Isso se aplica perfeitamente à cura psicológica. Não se trata de um único evento milagroso, mas de um compromisso constante com o próprio bem-estar. Cultivar hábitos saudáveis, como a prática da gratidão, o autocuidado e a busca por conexões significativas, são partes essenciais desse processo.

Portanto, curar estados psicológicos é uma jornada pessoal e intransferível. Envolve reconhecer a dor, permitir-se sentir, mas também encontrar forças para seguir adiante. E, como Aristóteles e Frankl sugerem, essa cura está nas pequenas escolhas do dia a dia, na maneira como decidimos responder aos desafios e na busca constante por um sentido que nos impulsione a viver plenamente, apesar das adversidades.

domingo, 23 de junho de 2024

Pandorgas sem Cauda

 

Quando olhamos para uma pandorga, ou pipa, voando alto no céu, ela parece ser a epítome da liberdade e da alegria. No entanto, essa alegria e liberdade só são possíveis graças ao controle proporcionado pela cauda da pandorga. Sem ele, a pandorga se torna instável, voando de forma errática e imprevisível, até eventualmente cair. Esta imagem pode servir como uma poderosa metáfora para a vida humana, onde a "cauda" simboliza direção e controle.

A Metáfora da Pandorga

Comparar uma pandorga sem cauda a uma pessoa que vive sem direção e controle é um exercício interessante. Assim como a pandorga precisa da cauda para manter-se estável e seguir uma trajetória, as pessoas também necessitam de objetivos claros e disciplina para navegar pela vida de maneira produtiva e satisfatória.

Uma pandorga sem cauda é, na melhor das hipóteses, uma curiosidade efêmera. Ela pode atrair olhares pelo seu comportamento imprevisível, mas sua trajetória caótica não dura muito. Eventualmente, ela perde altura e cai. Da mesma forma, uma pessoa sem propósito ou autocontrole pode atrair atenção por sua imprevisibilidade, mas é provável que enfrente dificuldades em manter um caminho sustentável e gratificante na vida.

A Perspectiva de Viktor Frankl

Para aprofundar essa discussão, podemos recorrer aos pensamentos de Viktor Frankl, um renomado psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, autor do livro "Em Busca de Sentido". Frankl argumenta que o ser humano é fundamentalmente impulsionado por uma busca de sentido. Ele acredita que a falta de um propósito claro pode levar ao desespero e ao vazio existencial.

Frankl desenvolveu a logoterapia, uma abordagem terapêutica que se baseia na premissa de que encontrar um sentido na vida é a principal força motivadora dos seres humanos. De acordo com Frankl, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, como as que ele próprio enfrentou nos campos de concentração nazistas, a capacidade de encontrar significado pode ser o que nos mantém vivos e nos dá força para seguir em frente.

A Importância da Cauda na Vida

Então, o que seria essa "cauda" na nossa vida cotidiana? Pode ser qualquer coisa que nos dê estabilidade e direção: nossos valores, nossos objetivos, nossos relacionamentos. Sem esses elementos, corremos o risco de nos tornarmos como pandorgas sem cauda, vagando sem rumo e à mercê dos ventos.

Para muitos, encontrar propósito pode envolver definir metas profissionais, construir e manter relações significativas, ou contribuir para algo maior que si mesmo, como uma causa social. A disciplina, por outro lado, é o que nos ajuda a seguir adiante, mesmo quando o caminho se torna difícil. É a força que nos mantém firmes e nos impede de desistir.

Viver sem direção e controle é como ser uma pandorga sem cauda – pode até ser interessante por um tempo, mas não é sustentável. Precisamos de propósito e disciplina para nos mantermos no ar e, assim, alcançar nossos objetivos. Como Viktor Frankl nos ensinou, o sentido da vida é o que nos dá força para enfrentar os desafios e continuar nossa jornada, mesmo nas circunstâncias mais adversas.

Recentemente enfrentamos as adversidades causadas pelas enchentes em nosso Estado. As enchentes podem ser e são devastadoras, arrancando das pessoas tudo o que elas construíram com tanto esforço. Nesses momentos, é natural sentir-se como uma pandorga sem cauda – sem direção, controle e estabilidade. Mas mesmo nas circunstâncias mais difíceis, é possível encontrar um caminho de volta ao sentido e à direção.

Acolhendo a Dor

A primeira coisa a reconhecer é que não há problema em se sentir perdido e sem esperança. A dor e a tristeza são reações humanas naturais diante de uma perda tão grande. Permita-se sentir essa dor sem pressa de superá-la. Buscar apoio emocional de amigos, familiares ou profissionais pode ser uma grande ajuda nesse processo.

Viktor Frankl e a Busca de Sentido

Inspirando-se novamente em Viktor Frankl, podemos encontrar luz mesmo nas trevas. Frankl, em seu livro "Em Busca de Sentido", fala sobre a importância de encontrar um propósito mesmo nas situações mais desesperadoras. Ele argumenta que, mesmo quando tudo parece perdido, ainda podemos encontrar um sentido para seguir em frente. Esse sentido pode ser encontrado em pequenas coisas do dia a dia, nas relações humanas ou em uma missão pessoal que nos impulsiona a reconstruir.

Reconstruindo a Cauda da Pandorga

Para quem perdeu tudo nas enchentes, a vida pode parecer sem rumo, como uma pandorga sem cauda. Mas é possível começar a reconstruir essa estabilidade e direção, passo a passo. Aqui estão algumas sugestões práticas:

Defina Pequenos Objetivos: Comece com objetivos pequenos e alcançáveis. Cada pequena conquista ajudará a construir a confiança e a sensação de controle sobre a sua vida.

Busque Apoio Comunitário: Participar de grupos de apoio ou de iniciativas comunitárias pode proporcionar um sentido de pertencimento e propósito, além de ajudar a dividir a carga emocional.

Cultive Resiliência: A resiliência é a capacidade de se recuperar das adversidades. Fortaleça sua resiliência focando nas suas forças, mantendo uma atitude positiva e sendo gentil consigo mesmo durante o processo de recuperação.

Encontre Significado nas Pequenas Coisas: Muitas vezes, o sentido da vida pode ser encontrado nas pequenas coisas – um ato de bondade, um momento de conexão com a natureza ou uma conversa significativa com um amigo.

Planeje o Futuro: Mesmo que pareça difícil, começar a planejar o futuro pode ajudar a restabelecer um senso de direção. Pense no que você quer construir daqui para frente e como pode começar a dar os primeiros passos nessa direção.

Mensagem de Esperança

Para aqueles que se sentem como pandorgas sem cauda após as enchentes, é importante lembrar que, mesmo nas situações mais difíceis, há sempre uma maneira de reencontrar a direção. A vida pode ser imprevisível e cheia de desafios, mas a capacidade humana de encontrar sentido e propósito é imensa.

Assim como uma pandorga pode ser consertada e ajustada para voar novamente, nós também podemos nos recuperar e encontrar novos caminhos para seguir em frente. O processo pode ser lento e árduo, mas cada pequeno passo em direção à reconstrução é um passo significativo para reencontrar a estabilidade e o propósito na vida.

Então, quando você vir uma pandorga voando alto no céu, lembre-se da importância da cauda. E talvez, reflita sobre quais são os elementos em sua vida que lhe proporcionam direção e controle, garantindo que você também possa voar alto, de maneira estável e significativa.