Não sei se você já parou para pensar sobre como algumas palavras têm o poder de mudar a vida. Talvez tenha sido em um momento crucial, como ao ouvir um “eu te amo” pela primeira vez ou ao dizer “sim” diante de uma proposta de casamento. São palavras que não só expressam sentimentos ou intenções, mas que, de fato, criam uma nova realidade.
Imagine
uma situação do dia a dia: você está em uma reunião de trabalho e alguém, de
repente, diz: “A reunião está encerrada”. Naquele instante, a reunião, que até
então estava em andamento, deixa de existir. A simples declaração não descreve
apenas o término do encontro, mas o realiza. É como se as palavras tivessem o
poder mágico de transformar a situação de forma quase instantânea.
Esse
fenômeno é o que chamamos de concepção performativa, um conceito introduzido
pelo filósofo J.L. Austin. Ele argumentava que algumas palavras não apenas
dizem algo sobre o mundo, mas fazem algo no mundo. Em termos simples, são
palavras que não apenas informam, mas transformam.
De
acordo com Austin, algumas declarações são "performativas", o que
significa que, ao serem ditas, realizam uma ação. Por exemplo, ao dizer
"Eu te batizo..." ou "Declaro vocês marido e mulher", o ato
de fala em si realiza a ação de batismo ou casamento. Essas palavras não
descrevem apenas um estado de coisas, mas efetivamente criam uma nova
realidade.
Esse
conceito se expandiu para além da filosofia da linguagem e foi incorporado em
áreas como a teoria de gênero e estudos culturais. Por exemplo, Judith Butler
utiliza a noção de performatividade para argumentar que gênero não é uma
identidade fixa, mas algo que é continuamente construído e reafirmado através
de atos performativos repetidos. A concepção performativa sublinha o poder das
palavras e ações na constituição da realidade, mostrando como o que dizemos e
fazemos pode moldar nossas identidades, relações e o mundo ao nosso redor.
Outro
exemplo cotidiano está nos rituais que seguimos sem sequer pensar duas vezes.
Pense em um jogo de futebol: o árbitro levanta o braço, apita, e o jogo começa.
Ou no contexto de um tribunal, quando o juiz declara alguém culpado ou
inocente. Essas palavras e gestos não são apenas simbólicos; eles têm
consequências reais e imediatas.
E
não para por aí. Nas redes sociais, um simples “curtir” pode transformar o dia
de alguém. Uma postagem que viraliza tem o poder de mudar a percepção pública
sobre um assunto, criar movimentos, ou até mesmo lançar uma carreira. O ato de
"curtir" ou "compartilhar" não é apenas um reflexo do que
pensamos ou sentimos, mas contribui para moldar a realidade digital e, por
extensão, o mundo físico.
Mas
a concepção performativa não se limita apenas a momentos formais ou rituais.
Ela está presente nas pequenas interações diárias. Quando você diz “bom dia” a
alguém, isso pode mudar o humor da pessoa, transformar a dinâmica da interação,
ou até mesmo iniciar uma amizade. Ou, em outro exemplo, pense em quando você se
apresenta a alguém novo, dizendo seu nome. A simples apresentação não só
informa quem você é, mas também estabelece uma relação, mesmo que breve.
Judith
Butler, uma filósofa contemporânea, levou essa ideia adiante ao discutir como o
gênero é performado, ou seja, como nossas identidades de gênero são construídas
e afirmadas através de ações repetidas ao longo do tempo. Nossas roupas,
gestos, e até a forma como falamos contribuem para essa performance constante
de quem somos.
Então,
quando você se encontrar em uma situação onde as palavras são importantes —
seja em um compromisso, no trabalho, ou em uma conversa casual —, lembre-se de
que o que você diz pode estar criando uma nova realidade. E que talvez, por
trás de cada “sim” ou “não”, existe um poder performativo que vai muito além do
que imaginamos.
Sugestão
de Leitura:
Marcondes,
Danilo. Textos Básicos de Linguagem: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.