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segunda-feira, 7 de julho de 2025

Pensamentos de Segunda

Um ensaio filosófico sobre o começo que parece pesar.

Segunda-feira não é um dia: é um estado de espírito. Ela não chega apenas pelo calendário, mas invade o corpo com o peso das escolhas que fizemos no fim de semana, dos boletos que vencem no fim do mês e da vida que insiste em continuar, mesmo quando gostaríamos de uma pausa mais longa que o domingo.

Há uma espécie de solidez na Segunda-feira. Ao contrário da fluidez do sábado ou da leveza artificial do domingo, a Segunda é bruta. O despertador toca mais alto. O café parece menos saboroso. O caminho para o trabalho é um corredor de pequenas desistências. Quem nunca se perguntou, ainda na cama, se poderia simplesmente não ser hoje?

E, no entanto, há algo profundamente filosófico nesse recomeçar forçado. A Segunda-feira revela a tensão entre o tempo cíclico — das semanas que se repetem — e o tempo linear da nossa vida, que segue, implacável, em direção ao fim. Numa crônica do cotidiano, ela é o lembrete de que a existência não nos dá muitas escolhas: há que viver, mesmo quando não se quer.

Pensamentos de segunda-feira são como pão amanhecido: duros de engolir e meio sem graça. A mente acorda em modo avião, o corpo quer rebobinar o fim de semana e o espírito está preso no trânsito emocional entre “não quero” e “não posso fugir”. Surge aquela dúvida existencial no espelho: “Será que se eu ficar bem quietinho, ninguém percebe que eu não estou mentalmente aqui?” Segunda é o tutorial da semana, só que ninguém leu o manual — e mesmo assim a gente finge que sabe o que está fazendo.

A ilusão da liberdade no início da semana

Durante o fim de semana, nos sentimos livres. É um curto período em que não se vive para o outro, para o chefe, para o sistema — ou pelo menos se tenta. Mas a Segunda-feira expõe a fragilidade dessa liberdade: somos, quase todos, prisioneiros de um ritmo que não escolhemos. Mesmo os que dizem amar a Segunda-feira (e existem, curiosamente) o fazem porque encontraram alguma forma de se alinhar a esse ritmo — ou porque, talvez, transformaram a rotina em refúgio.

Mas o incômodo maior está na consciência de que vivemos de Segundas-feiras. A vida adulta se mede em semanas úteis. Os sonhos se adaptam ao calendário. E até o ócio é agendado.

Um pensador para comentar: Byung-Chul Han e o peso da performance

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nos ajuda a entender por que a Segunda-feira é tão difícil. Em obras como A Sociedade do Cansaço, ele argumenta que vivemos numa era onde não somos mais explorados por um outro, mas por nós mesmos. Somos sujeitos de desempenho, cobrando de nós uma produtividade constante. A Segunda-feira é o altar onde sacrificamos o descanso em nome da performance.

Segundo Han, não é o trabalho em si que nos esgota, mas o fato de sermos nós mesmos os vigilantes da nossa produtividade. A Segunda-feira, então, não é o retorno ao trabalho: é o retorno à cobrança, à comparação, à sensação de insuficiência que se agrava com cada nova lista de tarefas.

Reinventar a Segunda-feira?

Talvez o desafio filosófico seja encontrar uma maneira de redimir esse dia da semana. Não no sentido ingênuo de decorá-lo com frases motivacionais ou fingir que ele é alegre — mas de reconhecer nele uma chance. A Segunda-feira pode ser o símbolo de que, apesar de tudo, ainda estamos vivos. Ainda podemos começar. Ainda há tempo para mudar o curso, por mais que ele pareça definido.

Se aceitarmos que a Segunda-feira é inevitável, podemos também aceitar que ela contém, em si, a força do recomeço. E recomeçar, no fundo, é um dos atos mais humanos que existem.


segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Concepção Performativa

Não sei se você já parou para pensar sobre como algumas palavras têm o poder de mudar a vida. Talvez tenha sido em um momento crucial, como ao ouvir um “eu te amo” pela primeira vez ou ao dizer “sim” diante de uma proposta de casamento. São palavras que não só expressam sentimentos ou intenções, mas que, de fato, criam uma nova realidade.

Imagine uma situação do dia a dia: você está em uma reunião de trabalho e alguém, de repente, diz: “A reunião está encerrada”. Naquele instante, a reunião, que até então estava em andamento, deixa de existir. A simples declaração não descreve apenas o término do encontro, mas o realiza. É como se as palavras tivessem o poder mágico de transformar a situação de forma quase instantânea.

Esse fenômeno é o que chamamos de concepção performativa, um conceito introduzido pelo filósofo J.L. Austin. Ele argumentava que algumas palavras não apenas dizem algo sobre o mundo, mas fazem algo no mundo. Em termos simples, são palavras que não apenas informam, mas transformam.

De acordo com Austin, algumas declarações são "performativas", o que significa que, ao serem ditas, realizam uma ação. Por exemplo, ao dizer "Eu te batizo..." ou "Declaro vocês marido e mulher", o ato de fala em si realiza a ação de batismo ou casamento. Essas palavras não descrevem apenas um estado de coisas, mas efetivamente criam uma nova realidade.

Esse conceito se expandiu para além da filosofia da linguagem e foi incorporado em áreas como a teoria de gênero e estudos culturais. Por exemplo, Judith Butler utiliza a noção de performatividade para argumentar que gênero não é uma identidade fixa, mas algo que é continuamente construído e reafirmado através de atos performativos repetidos. A concepção performativa sublinha o poder das palavras e ações na constituição da realidade, mostrando como o que dizemos e fazemos pode moldar nossas identidades, relações e o mundo ao nosso redor.

Outro exemplo cotidiano está nos rituais que seguimos sem sequer pensar duas vezes. Pense em um jogo de futebol: o árbitro levanta o braço, apita, e o jogo começa. Ou no contexto de um tribunal, quando o juiz declara alguém culpado ou inocente. Essas palavras e gestos não são apenas simbólicos; eles têm consequências reais e imediatas.

E não para por aí. Nas redes sociais, um simples “curtir” pode transformar o dia de alguém. Uma postagem que viraliza tem o poder de mudar a percepção pública sobre um assunto, criar movimentos, ou até mesmo lançar uma carreira. O ato de "curtir" ou "compartilhar" não é apenas um reflexo do que pensamos ou sentimos, mas contribui para moldar a realidade digital e, por extensão, o mundo físico.

Mas a concepção performativa não se limita apenas a momentos formais ou rituais. Ela está presente nas pequenas interações diárias. Quando você diz “bom dia” a alguém, isso pode mudar o humor da pessoa, transformar a dinâmica da interação, ou até mesmo iniciar uma amizade. Ou, em outro exemplo, pense em quando você se apresenta a alguém novo, dizendo seu nome. A simples apresentação não só informa quem você é, mas também estabelece uma relação, mesmo que breve.

Judith Butler, uma filósofa contemporânea, levou essa ideia adiante ao discutir como o gênero é performado, ou seja, como nossas identidades de gênero são construídas e afirmadas através de ações repetidas ao longo do tempo. Nossas roupas, gestos, e até a forma como falamos contribuem para essa performance constante de quem somos.

Então, quando você se encontrar em uma situação onde as palavras são importantes — seja em um compromisso, no trabalho, ou em uma conversa casual —, lembre-se de que o que você diz pode estar criando uma nova realidade. E que talvez, por trás de cada “sim” ou “não”, existe um poder performativo que vai muito além do que imaginamos.

Sugestão de Leitura:

Marcondes, Danilo. Textos Básicos de Linguagem: de Platão a Foucault.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.