Perdemos coisas todos os dias. Algumas deslizam de nossas mãos e caem no chão, outras se esvaem em lapsos de memória, e há aquelas que nunca percebemos que existiram. São as coisas que escapam ao olhar e se escondem nos vãos do conhecimento. Mas como detectar aquilo que, por definição, é ignorado? Como perceber o que nunca foi visto?
O
que os olhos não alcançam
O
olhar é seletivo. Captura apenas o que julga importante, aquilo que faz sentido
dentro do quadro do já conhecido. Uma sombra projetada sobre a parede pode
esconder um detalhe, uma nuvem pode encobrir uma estrela, e um viés mental pode
obliterar uma ideia. Isso significa que nossa percepção é, ao mesmo tempo, um
farol e um anteparo: ilumina o que deseja e obscurece o que não lhe interessa.
No
cotidiano, esse fenômeno ocorre de forma banal. Um amigo passa ao nosso lado e
não o reconhecemos porque estamos absortos no próprio pensamento. Um detalhe
arquitetônico da cidade onde vivemos por anos pode passar despercebido até que
um visitante o aponte. As palavras ditas em um tom mais baixo durante uma
conversa podem se perder, assim como nuances emocionais escapam quando estamos
focados apenas no conteúdo das frases.
Conhecimento
e suas fronteiras
O
conhecimento não é apenas uma soma de fatos; é um mapa cheio de zonas em
branco. O que sabemos orienta nossa busca, mas também delimita nossos
horizontes. Quando um conceito novo emerge, percebemos que faltava algo no
entendimento anterior, mas, até então, essa ausência não era sequer intuída.
As
ciências nos ensinam isso repetidamente. Durante séculos, acreditava-se que o
ar era apenas um espaço vazio, até que se descobriu sua composição química. Da
mesma forma, os astrônomos do passado observavam o céu sem imaginar que ali,
entre os pontos brilhantes, havia planetas invisíveis aos seus instrumentos. E,
mesmo agora, com todo o avanço tecnológico, ainda há mistérios que permanecem
além de nossa detecção, seja nas profundezas do oceano ou nas dimensões
quânticas da matéria.
O
instante sem contagem do tempo
Há
momentos em que o tempo parece suspenso, um intervalo onde não há passado nem
futuro, apenas um presente expandido. E, paradoxalmente, é nesse espaço sem
tempo que lembranças emergem, o presente se intensifica e o futuro se insinua.
Um instante de silêncio profundo pode conter toda a memória de uma vida, assim
como um olhar pode antecipar um destino.
Muitas
vezes, deixamos de perceber esses momentos porque estamos demasiado preocupados
em medir o tempo, contá-lo, aprisioná-lo em cronômetros e agendas. No entanto,
se nos permitimos habitar esse espaço sem contagem, podemos acessar um universo
imenso que se esconde nas entrelinhas da experiência. A sensação de déjà vu, o
pressentimento inexplicável, a lembrança que surge do nada — tudo isso aponta
para a vastidão que existe além do tempo contado.
Como
detectar o que se ignora?
Se
o olhar e o conhecimento são limitados, o que nos resta para perceber o
imperceptível? A resposta pode estar na atenção ao vazio, no estranhamento, no
erro. Algo perdido pelo olhar pode ser detectado quando notamos o que deveria
estar lá e não está. Um ruído cortado abruptamente pode revelar um som antes
ignorado; uma resposta hesitante pode indicar um pensamento nunca articulado;
um padrão que se repete pode apontar para algo que sempre esteve lá, mas nunca
foi questionado.
Nietzsche
dizia que a filosofia começa quando nos permitimos estranhar o óbvio.
Questionar o que parece dado, virar os olhos para onde nunca olhamos antes,
escutar o silêncio ao redor das palavras. Às vezes, o que está perdido não
precisa ser encontrado, apenas percebido pela primeira vez.