Nos tempos de hoje, há uma grande obsessão por dados, cálculos e previsões. Tudo precisa ser medido, analisado e justificado com estatísticas. Até mesmo as decisões mais triviais—como escolher um filme para assistir—parecem exigir um estudo de crítica especializada, reviews no Letterboxd (rede social para cinéfilos) e um algoritmo sugerindo o que combina melhor com nosso gosto. No trabalho, nas relações e até nos momentos de lazer, somos compelidos a agir de forma lógica, eficiente e produtiva. Mas será que essa racionalidade desenfreada não nos está roubando algo essencial?
A
racionalidade, sem dúvida, é uma das grandes conquistas humanas. Foi graças a
ela que saímos das cavernas, dominamos o fogo, construímos civilizações e
desenvolvemos a ciência. No entanto, como em qualquer virtude que se estende
além de seus limites naturais, a racionalidade pode se tornar um vício. O
filósofo Theodor Adorno já advertia sobre a razão instrumental, aquela que
reduz tudo a cálculos e resultados, transformando até os afetos humanos em algo
mensurável e controlável. Quando a razão se torna excessiva, ela não apenas
elimina o erro, mas também a espontaneidade, a intuição e o mistério da
existência.
O
problema surge quando começamos a exigir lógica absoluta até onde a vida exige
fluidez. Uma amizade não pode ser medida em números. O valor de uma conversa
despretensiosa ou de um pôr do sol visto sem pressa não pode ser reduzido a
métricas. Ainda assim, vivemos numa época em que até o tempo livre precisa ser
otimizado—há cursos ensinando a "meditar de forma eficiente", apps
que controlam quantas horas dormimos e técnicas para maximizar a criatividade
em minutos cronometrados. A racionalidade excessiva nos leva ao paradoxo de uma
vida hipercontrolada e, paradoxalmente, vazia de sentido.
A
filosofia oriental, especialmente no pensamento de N. Sri Ram, sugere que há
uma sabedoria além da lógica fria. Ele propunha que a mente, quando
excessivamente estruturada pela racionalidade, perde a capacidade de captar
dimensões mais profundas da realidade. A intuição e a percepção direta da vida
são qualidades igualmente necessárias, mas a modernidade tende a subjugá-las em
nome de um ideal técnico e mecanizado de existência.
O
convite aqui não é para rejeitar a razão, mas para reconhecer seus limites. Nem
tudo precisa ser útil, produtivo ou matematicamente perfeito. Às vezes, o maior
insight não vem de um cálculo exato, mas de uma pausa para respirar. Talvez o
que nos falte não seja mais lógica, mas a coragem de abraçar o imprevisível, de
confiar no que sentimos sem precisar justificar tudo com números. Afinal, como
disse o poeta Fernando Pessoa: "Sentir é estar distraído"—e talvez
seja justamente essa distração que nos salve do excesso de razão.