Certa vez, conversando com um amigo, ele soltou uma frase que ficou na minha cabeça: "A gente achou que estava indo para a frente, mas talvez só esteja correndo em círculos". O comentário veio depois de discutirmos sobre os avanços da ciência, a tecnologia e as promessas de um mundo melhor que, curiosamente, parecem sempre acompanhadas por novas formas de opressão, alienação e violência. Foi aí que lembrei de Adorno e Horkheimer e da "Dialética do Iluminismo".
Os
dois filósofos da Escola de Frankfurt escreveram essa obra em um contexto muito
específico: fugindo do nazismo e observando os desdobramentos do fascismo e do
totalitarismo no século XX. Mas sua crítica vai além dos eventos da época. Eles
questionam algo mais profundo: será que a razão, essa mesma razão exaltada pelo
Iluminismo como motor do progresso humano, não acabou se transformando em um
instrumento de dominação? Em outras palavras, será que a busca pelo
esclarecimento não gerou, paradoxalmente, novas formas de escuridão?
Adorno
e Horkheimer argumentam que a racionalidade instrumental, aquela que mede tudo
em termos de eficiência e controle, acabou engolindo os próprios ideais
iluministas. Em vez de libertar a humanidade, a razão foi capturada pelo
sistema econômico e político, tornando-se um meio de exploração. O Iluminismo,
ao buscar libertar os homens da superstição e da ignorância, acabou por
construir novas mitologias – só que agora sob a forma de progresso técnico e
produtividade. Em resumo, o projeto iluminista gerou monstros, e um de seus
principais frutos foi a barbárie da modernidade.
Esse
paradoxo se reflete em nosso cotidiano de maneira brutal. Temos acesso a uma
quantidade infinita de informações, mas a desinformação nunca foi tão poderosa.
A tecnologia nos conecta, mas também nos aliena e nos vigia. O discurso da
eficiência transformou o mundo do trabalho em uma máquina de esgotamento físico
e mental. O Iluminismo prometia autonomia, mas vivemos presos a sistemas que
ditam nossos desejos, pensamentos e comportamentos.
O
que fazer diante dessa contradição? Adorno e Horkheimer não oferecem respostas
fáceis, mas apontam para a necessidade de uma reflexão crítica permanente. Para
eles, a emancipação só é possível quando questionamos os próprios meios que
deveriam nos libertar. Em vez de aceitar a racionalidade instrumental como algo
natural e inevitável, precisamos confrontá-la e buscar outras formas de pensar
e agir no mundo.
Talvez
meu amigo estivesse certo. Talvez estejamos apenas correndo em círculos. Mas se
há algo que a "Dialética do Iluminismo" nos ensina, é que não basta
aceitar esse destino passivamente. Se quisermos realmente sair desse labirinto,
precisamos questionar as próprias luzes que nos guiam. Quem sabe, no meio da
escuridão, descubramos um outro caminho.