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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Silogismos

Quando a Lógica Quer Brincar de Filosofia...então, nas filas do cotidiano há uma fartura de situações interessantes, eis mais uma.

Outro dia, na fila do mercado, ouvi um rapaz dizer com convicção: “Todo mundo que come chocolate fica feliz. Eu comi chocolate. Logo, estou feliz.” E deu algumas risadas! Na hora, achei engraçado. Mas depois, pensando melhor, percebi que ali havia um silogismo meio torto, uma tentativa involuntária de organizar o mundo com lógica. E não é exatamente isso que fazemos o tempo todo? Tentamos entender a vida encaixando coisas em pequenas fórmulas, como se fossem peças de LEGO. Só que nem sempre o castelo que montamos se sustenta.

O silogismo, do modo clássico, é uma forma de raciocínio dedutivo. Aristóteles o formalizou: uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão. Por exemplo:

  • Todo homem é mortal.
  • Sócrates é homem.
  • Logo, Sócrates é mortal.

Simples, elegante, racional. Mas a questão é: a vida cabe nesse tipo de raciocínio? Ou melhor, quantos erros profundos de julgamento nascem justamente de silogismos bem montados, porém com premissas equivocadas?

Todo sucesso é fruto de esforço. João se esforçou. Logo, João terá sucesso.
Essa conclusão, apesar de parecer justa, muitas vezes falha. E é aí que começa a nossa provocação.

Quando a razão tropeça no próprio salto

O filósofo Theodor Adorno dizia que a razão instrumental — aquela que organiza, mede e calcula — pode se transformar em uma armadilha. O silogismo, ferramenta pura da razão, às vezes ignora a textura da realidade. Ele presume uma verdade universal na primeira premissa, e esse é o ponto cego.

Todo político mente. Fulano é político. Logo, Fulano mente.

Essa forma de pensar fecha a porta para a singularidade, para a exceção, para o imprevisto. Vira um jogo lógico com ares de sentença moral.

O perigo da lógica em série

Vivemos tempos em que os silogismos correm soltos nas redes sociais. Há sempre alguém dizendo:
Se você discorda de mim, é porque está mal informado. Você discorda de mim. Logo, está mal informado.

É um tipo de lógica travestida de arrogância. Ela não convida à conversa; ela elimina o outro com uma estrutura que parece racional, mas é emocionalmente autoritária. O silogismo virou meme, virou julgamento sumário, virou algoritmo mental.

A beleza de quebrar o formato

Mas e se usássemos o silogismo para algo mais criativo? Algo mais filosófico? O pensador francês Gaston Bachelard dizia que o conhecimento não avança por continuidade, mas por rupturas. Então, por que não imaginar silogismos paradoxais?

  • Toda certeza cansa.
  • Os sábios são cheios de dúvidas.
  • Logo, os sábios descansam.

Ou este:

  • Quem ama, escuta o silêncio.
  • O silêncio não se explica.
  • Logo, o amor não se explica.

Esses silogismos não são “corretos” no sentido lógico, mas abrem caminhos de reflexão, como se a lógica tivesse aprendido a dançar. Eles nos fazem pensar para além da rigidez da forma, tocando um saber que não cabe em fórmulas: a sabedoria.

O silogismo é um convite à ordem, à clareza. Mas o mundo não é claro nem ordenado. Se por um lado ele nos ajuda a organizar ideias, por outro, pode nos cegar para aquilo que escapa às regras — o poético, o ambíguo, o contraditório.

No fim das contas, talvez o melhor silogismo seja este:

  • Toda lógica tem limites.
  • A vida está além dos limites.
  • Logo, a vida está além da lógica.

E se isso não for lógico, talvez seja exatamente por isso que vale a pena pensar sobre.

sábado, 19 de abril de 2025

Excessos da Racionalidade

 

Nos tempos de hoje, há uma grande obsessão por dados, cálculos e previsões. Tudo precisa ser medido, analisado e justificado com estatísticas. Até mesmo as decisões mais triviais—como escolher um filme para assistir—parecem exigir um estudo de crítica especializada, reviews no Letterboxd (rede social para cinéfilos) e um algoritmo sugerindo o que combina melhor com nosso gosto. No trabalho, nas relações e até nos momentos de lazer, somos compelidos a agir de forma lógica, eficiente e produtiva. Mas será que essa racionalidade desenfreada não nos está roubando algo essencial?

A racionalidade, sem dúvida, é uma das grandes conquistas humanas. Foi graças a ela que saímos das cavernas, dominamos o fogo, construímos civilizações e desenvolvemos a ciência. No entanto, como em qualquer virtude que se estende além de seus limites naturais, a racionalidade pode se tornar um vício. O filósofo Theodor Adorno já advertia sobre a razão instrumental, aquela que reduz tudo a cálculos e resultados, transformando até os afetos humanos em algo mensurável e controlável. Quando a razão se torna excessiva, ela não apenas elimina o erro, mas também a espontaneidade, a intuição e o mistério da existência.

O problema surge quando começamos a exigir lógica absoluta até onde a vida exige fluidez. Uma amizade não pode ser medida em números. O valor de uma conversa despretensiosa ou de um pôr do sol visto sem pressa não pode ser reduzido a métricas. Ainda assim, vivemos numa época em que até o tempo livre precisa ser otimizado—há cursos ensinando a "meditar de forma eficiente", apps que controlam quantas horas dormimos e técnicas para maximizar a criatividade em minutos cronometrados. A racionalidade excessiva nos leva ao paradoxo de uma vida hipercontrolada e, paradoxalmente, vazia de sentido.

A filosofia oriental, especialmente no pensamento de N. Sri Ram, sugere que há uma sabedoria além da lógica fria. Ele propunha que a mente, quando excessivamente estruturada pela racionalidade, perde a capacidade de captar dimensões mais profundas da realidade. A intuição e a percepção direta da vida são qualidades igualmente necessárias, mas a modernidade tende a subjugá-las em nome de um ideal técnico e mecanizado de existência.

O convite aqui não é para rejeitar a razão, mas para reconhecer seus limites. Nem tudo precisa ser útil, produtivo ou matematicamente perfeito. Às vezes, o maior insight não vem de um cálculo exato, mas de uma pausa para respirar. Talvez o que nos falte não seja mais lógica, mas a coragem de abraçar o imprevisível, de confiar no que sentimos sem precisar justificar tudo com números. Afinal, como disse o poeta Fernando Pessoa: "Sentir é estar distraído"—e talvez seja justamente essa distração que nos salve do excesso de razão.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Dialética do Iluminismo

Certa vez, conversando com um amigo, ele soltou uma frase que ficou na minha cabeça: "A gente achou que estava indo para a frente, mas talvez só esteja correndo em círculos". O comentário veio depois de discutirmos sobre os avanços da ciência, a tecnologia e as promessas de um mundo melhor que, curiosamente, parecem sempre acompanhadas por novas formas de opressão, alienação e violência. Foi aí que lembrei de Adorno e Horkheimer e da "Dialética do Iluminismo".

Os dois filósofos da Escola de Frankfurt escreveram essa obra em um contexto muito específico: fugindo do nazismo e observando os desdobramentos do fascismo e do totalitarismo no século XX. Mas sua crítica vai além dos eventos da época. Eles questionam algo mais profundo: será que a razão, essa mesma razão exaltada pelo Iluminismo como motor do progresso humano, não acabou se transformando em um instrumento de dominação? Em outras palavras, será que a busca pelo esclarecimento não gerou, paradoxalmente, novas formas de escuridão?

Adorno e Horkheimer argumentam que a racionalidade instrumental, aquela que mede tudo em termos de eficiência e controle, acabou engolindo os próprios ideais iluministas. Em vez de libertar a humanidade, a razão foi capturada pelo sistema econômico e político, tornando-se um meio de exploração. O Iluminismo, ao buscar libertar os homens da superstição e da ignorância, acabou por construir novas mitologias – só que agora sob a forma de progresso técnico e produtividade. Em resumo, o projeto iluminista gerou monstros, e um de seus principais frutos foi a barbárie da modernidade.

Esse paradoxo se reflete em nosso cotidiano de maneira brutal. Temos acesso a uma quantidade infinita de informações, mas a desinformação nunca foi tão poderosa. A tecnologia nos conecta, mas também nos aliena e nos vigia. O discurso da eficiência transformou o mundo do trabalho em uma máquina de esgotamento físico e mental. O Iluminismo prometia autonomia, mas vivemos presos a sistemas que ditam nossos desejos, pensamentos e comportamentos.

O que fazer diante dessa contradição? Adorno e Horkheimer não oferecem respostas fáceis, mas apontam para a necessidade de uma reflexão crítica permanente. Para eles, a emancipação só é possível quando questionamos os próprios meios que deveriam nos libertar. Em vez de aceitar a racionalidade instrumental como algo natural e inevitável, precisamos confrontá-la e buscar outras formas de pensar e agir no mundo.

Talvez meu amigo estivesse certo. Talvez estejamos apenas correndo em círculos. Mas se há algo que a "Dialética do Iluminismo" nos ensina, é que não basta aceitar esse destino passivamente. Se quisermos realmente sair desse labirinto, precisamos questionar as próprias luzes que nos guiam. Quem sabe, no meio da escuridão, descubramos um outro caminho.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Industria Cultural

A cultura, com suas expressões artísticas, deveria ser um espaço livre, um reflexo da alma humana em suas mais variadas formas. Mas, olhando ao redor, a impressão é de que algo se perdeu. Um filme que deveria tocar em questões profundas se transforma em um blockbuster. Uma música que poderia emocionar acaba sendo uma fórmula repetida, feita para vender. A arte parece cada vez mais submetida às leis do mercado. E assim surge a questão: a arte ainda é arte, ou virou mercadoria? É aqui que a ideia de “indústria cultural” se insere, trazendo à tona discussões sobre a mercantilização da cultura e da arte.

A crítica ao fenômeno da indústria cultural tem raízes no pensamento da Escola de Frankfurt, particularmente em Theodor Adorno e Max Horkheimer. Eles defendiam que, na sociedade capitalista, a cultura se transformou em mercadoria, com seus produtos sendo moldados pelo desejo de lucro e pela lógica de produção em massa. Para Adorno, a cultura, antes um espaço de emancipação e reflexão crítica, tornou-se parte de uma engrenagem maior, onde o entretenimento anestesia as massas, privando-as da capacidade de pensar criticamente sobre suas realidades.

O conceito de indústria cultural denuncia esse processo de transformação da arte e da cultura em produtos comercializáveis, moldados para serem consumidos de forma rápida, superficial e massificada. Um exemplo claro disso está na música pop, onde a repetição de fórmulas comerciais garante que a canção seja “pegajosa” o suficiente para gerar lucro. As letras, muitas vezes, são rasas e repetitivas, feitas para tocar em qualquer rádio, em qualquer lugar, com o objetivo principal de vender discos, gerar streams ou lotar shows. O artista, por vezes, se torna apenas mais uma peça da máquina.

Essa transformação também ocorre no cinema. Ao invés de promover o pensamento crítico, muitos filmes de grande orçamento são feitos para agradar o público, sem grandes riscos, com fórmulas narrativas seguras, como os infinitos remakes e sequências de filmes de super-heróis. A arte, que poderia ser um espelho para a sociedade, torna-se um produto que devolve a mesma imagem sempre igual, reforçando estereótipos e padrões que perpetuam o sistema.

É claro que, nem todo produto da cultura de massa é desprovido de valor. No entanto, a crítica principal é que, na busca por agradar a todos, a arte perde sua capacidade de confrontar, de questionar, de incomodar. Quando o lucro se torna o objetivo final, a cultura perde seu poder transformador.

O sociólogo brasileiro Laymert Garcia dos Santos comenta que essa mercantilização faz parte de um processo maior de alienação social, onde as pessoas consomem cultura sem refletir sobre o que estão recebendo. Para ele, o problema está na ausência de uma perspectiva crítica sobre o que é consumido. O que a indústria cultural faz é criar um sistema onde o consumo acontece de forma automática, quase sem questionamento. E assim, as pessoas se entretêm, mas não necessariamente se enriquecem culturalmente.

Isso não quer dizer que não haja resistências. Artistas independentes, movimentos culturais marginais e formas de arte alternativa tentam fugir dessa lógica, buscando novas maneiras de expressão. No entanto, a força da indústria cultural é avassaladora. As obras que escapam desse molde mercadológico muitas vezes encontram dificuldades em atingir grandes audiências, justamente por não se encaixarem no formato estabelecido.

O desafio é grande: como recuperar o poder da cultura e da arte em um mundo onde tudo é mercadoria? Talvez a resposta esteja em resgatar a arte como forma de questionamento e de desconstrução da realidade. Afinal, a arte deveria nos desestabilizar, e não nos confortar sempre da mesma forma.


segunda-feira, 29 de julho de 2024

Escravos dos Fetiches

Você já parou para pensar em como nossas vidas estão repletas de pequenas obsessões, ou melhor, fetiches? Não estou falando apenas de objetos de desejo, mas de atitudes, comportamentos e até mesmo ideias que governam silenciosamente nossas rotinas.

O Fetiche do Consumismo

Vamos começar com um exemplo bem conhecido: o fetiche pelo consumo. Quantas vezes nos pegamos comprando coisas que não precisamos, apenas pelo prazer momentâneo que a aquisição nos proporciona? Pense naquela camiseta da moda, nos gadgets de última geração, ou até mesmo nos alimentos gourmet que enchem as prateleiras dos supermercados. Esses objetos não têm um valor intrínseco que justifique o preço que pagamos; ao contrário, é o valor simbólico que lhes atribuímos que nos prende.

O Fetiche do Status

Outro exemplo é o fetiche pelo status. Vivemos em uma sociedade onde ser bem-sucedido é muitas vezes medido pelo que possuímos, onde trabalhamos e como nos apresentamos aos outros. Este fetiche nos leva a perseguir incessantemente títulos, promoções e reconhecimento, muitas vezes à custa da nossa própria saúde e bem-estar. É como se estivéssemos presos em uma corrida de ratos, onde o objetivo final é um ideal de sucesso que nunca se materializa.

O Fetiche das Redes Sociais

As redes sociais são talvez o fetiche mais recente e disseminado. A busca por likes, seguidores e engajamento se tornou uma obsessão moderna. Passamos horas do nosso dia rolando feeds, curando nossas próprias imagens e vidas, tudo em nome de uma validação externa que, no fundo, pode nunca ser suficiente.

Um Comentário Filosófico

O filósofo alemão Theodor Adorno tem uma reflexão interessante sobre fetiches em seu trabalho sobre a teoria crítica. Ele argumenta que os fetiches são produtos da sociedade capitalista, que transformam as relações humanas em relações de mercado. Segundo Adorno, ao fetichizarmos objetos e status, estamos de fato alienando nossa verdadeira humanidade e autenticidade. Estamos nos tornando escravos de construções sociais que servem mais para manter o sistema do que para nos proporcionar uma verdadeira realização.

Reflexão Final

A escravidão aos nossos fetiches cotidianos nos impede de viver de forma autêntica e plena. Reconhecer esses fetiches e entender o impacto que eles têm em nossas vidas é o primeiro passo para libertar-nos. Talvez seja hora de parar, olhar ao redor e questionar: quais são os fetiches que governam minha vida? E, mais importante, como posso me libertar deles para viver de forma mais consciente e significativa? Convido você a refletir sobre suas próprias obsessões. Que fetiches você tem alimentado sem perceber? E como seria sua vida se você escolhesse se libertar deles, um por um?