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terça-feira, 29 de abril de 2025

Olhos dos Outros

 

Outro dia, caminhando sem pressa no centro da cidade, percebi quantas vezes desviamos o olhar — dos desconhecidos, das vitrines, de nós mesmos refletidos em uma vidraça. Vivemos como quem anda em campo minado: tentando adivinhar onde os olhos dos outros irão pousar. A sensação é estranha, quase física, como se existisse uma trama invisível nos puxando ou repelindo. É difícil escapar. Mesmo quem diz não se importar, já confessou, ainda que em silêncio: ser visto tem um peso. E ser ignorado, também.

A filosofia pode nos ajudar a ir além dessa sensação incômoda e observar o que, afinal, significa estar sob os olhos dos outros — e, mais ainda, como os olhos dos outros esculpem quem pensamos ser.

O espelho que anda pelas ruas

Jean-Paul Sartre dizia que "o inferno são os outros". Muita gente interpreta essa frase como uma acusação raivosa — mas há algo mais sutil por trás. Para Sartre, o olhar alheio nos rouba. Ao ser visto, deixamos de ser apenas sujeitos de nossas próprias ações: viramos objeto para o olhar do outro. Algo se solidifica: somos "isso" que o outro vê. E, de repente, nossas possibilidades parecem mais limitadas.

Quando alguém nos observa, não é apenas uma troca de olhares. É um batismo: nascemos, ali, sob a definição que o outro projeta. Um elogio nos levanta; um olhar de desdém nos dobra por dentro. Às vezes, sem querer, caminhamos na vida tentando corresponder ou reagir a olhares que nem estão mais presentes.

O peso e a invenção

Mas há outro lado. Talvez os olhos dos outros também sejam uma chance de invenção. Se cada olhar nos define de um jeito, somos, no fundo, múltiplos. Não fixos, não definitivos. Os olhos dos outros não são apenas uma prisão: são um território de criação.

A criança que canta sem medo na frente da avó, mas se cala diante de estranhos, entende isso de forma intuitiva. Somos uma peça em mutação, moldada pela luz que nos atinge. A pergunta é: qual luz queremos absorver?

O filósofo brasileiro Vilém Flusser propunha pensar o ser humano como um projeto, e não como um dado. O olhar alheio, nesse sentido, seria como o vento para a pipa: algo que pode nos derrubar ou nos erguer — dependendo de como ajustamos as cordas. Não é o vento que determina o voo. Somos nós.

E se olhássemos diferente?

Por fim, vale virar a mesa: como nossos próprios olhos moldam os outros? Será que a maneira como olhamos alguém não sela também um destino possível para ele? O olhar que acolhe, que reconhece, que instiga, pode ser a força que falta para o outro encontrar algo que ainda não sabia que existia.

No fim das contas, estamos todos andando pelas ruas, procurando não apenas sermos vistos, mas vistos de uma forma que nos permita ser. Um dia talvez aprendamos a olhar uns para os outros com olhos que libertam — e não que aprisionam.

Até lá, seguimos praticando: um olhar de cada vez.

sábado, 6 de julho de 2024

Coisas Diferentes

Ontem, enquanto eu caminhava pelo parque, percebi uma mãe repreendendo seu filho por pegar um biscoito antes do almoço. "Isso é errado!", ela exclamou, com um olhar severo. Pensei comigo mesmo: será que é mesmo? Afinal, quem decide o que é certo ou errado?

Um pouco mais adiante, encontrei um amigo no café. Ele estava frustrado porque perdeu a promoção no trabalho. "Eu fiz tudo certo, mas parece que nada dá certo pra mim", desabafou. Enquanto ele falava, lembrei-me de uma frase do filósofo Friedrich Nietzsche: "O que não me mata me fortalece." Pensei em como nossas percepções de sucesso e fracasso podem ser tão limitadas e, às vezes, enganosas.

À noite, em casa, assisti a um documentário sobre a vida selvagem. A narradora falou sobre como os leões caçam os mais fracos para garantir a sobrevivência da espécie. Isso me fez refletir sobre a natureza das regras e convenções que seguimos como sociedade. E se os conceitos de certo e errado forem apenas construções humanas, uma forma de impor ordem ao caos natural?

Aristóteles dizia que a virtude está no meio termo. Nem o excesso de rigidez da mãe, nem o desapego total das regras, como na natureza. É um equilíbrio delicado que precisamos encontrar diariamente, adaptando-nos às circunstâncias e às pessoas ao nosso redor.

Voltando ao café com meu amigo, lembrei-me de um outro pensamento filosófico, desta vez de Epicteto, o estoico: "Não são as coisas que nos perturbam, mas sim a opinião que temos delas." Talvez o problema não fosse a promoção perdida, mas a forma como meu amigo interpretava essa perda. Ele estava vendo as coisas do jeito certo, ou talvez houvesse uma outra perspectiva que ele não estava considerando?

Naquela noite, decidi que a lição do dia era esta: o que consideramos certo ou errado pode ser muito relativo. As situações do cotidiano são cheias de nuances, e nossas reações a elas podem mudar drasticamente com um pequeno ajuste na perspectiva. Afinal, como dizia Nietzsche, "nada é verdadeiro, tudo é permitido." E talvez, em vez de tentar sempre fazer o que é certo, devêssemos nos perguntar: estamos vendo as coisas do jeito certo?