Você
já se perguntou porque há tantas divisões, se os seres humanos são um só, ou
tem algum humano mais humano do que o outro?
Essa
pergunta, simples na forma, é profunda como um abismo. “Por que tanta divisão,
se seres humanos são um só?” — talvez seja uma das grandes dores da humanidade.
A gente se vê repetindo, século após século, os mesmos erros: fronteiras,
muros, religiões, castas, tribos, cor da pele, partidos, rótulos. Como se
houvesse alguém mais humano que outro. Como se houvesse uma régua secreta para
medir o grau de humanidade de cada um.
No
dia a dia, essas divisões aparecem de forma até sutil: quando alguém diz “gente
como a gente”, o que está por trás disso? Quem é esse “a gente”? E quem está
fora disso?
Na
fila do supermercado, tem quem se incomode com o jeito de falar do outro, com a
roupa, com o modo como cuida (ou não cuida) dos filhos. No trânsito, a raiva
explode se o outro parece não pertencer à mesma lógica. E nas redes sociais,
então — ali, cada bolha vira um pequeno país com hino, bandeira e inimigos
declarados.
Mas
por que somos assim? Será instinto de autopreservação? Medo do desconhecido?
Desejo de controle?
O
filósofo francês Emmanuel Levinas dizia que a verdadeira ética começa no
rosto do outro. No momento em que nos deparamos com a alteridade — com o outro
ser humano em sua diferença —, somos convocados à responsabilidade. Isso
significa que não há hierarquia entre humanos, só a constatação radical de que
o outro me afeta e me obriga a agir com humanidade.
Ou
seja: o mais humano que podemos ser é justamente quando reconhecemos a
humanidade do outro, sem medir, comparar ou classificar.
Talvez
o problema esteja quando a gente se desliga do simples fato de que “ser humano”
não é uma competição, nem um privilégio. É uma condição compartilhada — com
alegrias e dores, com dúvidas e medos, com sonhos que se repetem, seja numa
favela ou num palácio.
No
fim das contas, a pergunta poderia ser invertida: se todos somos humanos, o
que nos faz esquecer disso com tanta facilidade?
E
mais, não estaríamos nos tornando cada vez mais individualistas,
territorialistas e egoístas?
Sim,
parece que estamos sim — nos tornando cada vez mais individualistas,
territorialistas e egoístas. E o mais estranho é que isso tudo acontece num
mundo hiperconectado, onde a promessa era justamente o contrário: que
estaríamos mais próximos, mais empáticos, mais solidários.
Mas
o que vemos?
Cada
um cuidando do seu. Cercas invisíveis (e às vezes bem visíveis) se erguendo
entre vizinhos, entre colegas, até dentro da própria família. O “meu espaço”, o
“meu tempo”, o “meu direito” viraram lemas. E, claro, é importante ter limites
saudáveis, mas há uma linha tênue entre o autocuidado e o isolamento emocional
travestido de autonomia.
No
trânsito, ninguém cede passagem. No trabalho, o espírito de equipe vira
competição. No condomínio, o morador reclama do cachorro do outro, mas não
enxerga o barulho que ele mesmo faz. E nas redes sociais, então… ali o
território é o ego: cada um no seu palanque, gritando mais alto que o outro.
Parece
que, no fundo, temos medo de sermos “invadidos” — não só no espaço físico, mas
nas opiniões, nas crenças, nos estilos de vida. Por isso, blindamos tudo.
Viramos fortalezas emocionais, com muralhas de desconfiança e trincheiras de
indiferença.
O
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala sobre isso em A Sociedade do
Cansaço e A Sociedade da Transparência. Para ele, o excesso de
individualismo e performance nos transforma em sujeitos do cansaço — sempre
tentando se destacar, se proteger, se manter produtivos. Perdemos a capacidade
de contemplar o outro sem julgamento, de conviver com a diferença, de simplesmente
ser junto, sem uma agenda por trás.
Talvez
estejamos desaprendendo a conviver.
Mas
há um antídoto. Pequeno, quase invisível, mas potente: o gesto gratuito. Quando
alguém segura o elevador para o outro, quando escuta sem pressa, quando oferece
ajuda sem esperar nada em troca. São nessas brechas que o egoísmo se dissolve,
ainda que por instantes.
E
aí a gente percebe que ser humano de verdade… é ser com o outro. Não ao
lado, mas junto.