“Em
algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de
sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram
o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da ‘história
universal’: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da
natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer.” Nietzsche
Neste paragrafo percebemos quão ainda
somos tão antropocêntricos, em geral o homem costuma elevar seus problemas a
categoria de a “coisa mais importante do universo” e de repente o universo
mostra o quanto somos mais que apenas insetinhos que viveram por um segundo na
história do universo e se acharam “soberbos”, mas que eram também “mentirosos”.
A Memória é o Maior Tormento do Homem
Considera o rebanho que passa
ao teu lado pastando: ele não sabe o que é ontem e o que é hoje; ele saltita de
lá para cá, come, descansa, digere, saltita de novo; e assim de manhã até a
noite, dia após dia; ligado de maneira fugaz por isto, nem melancólico nem
enfadado. Ver isto desgosta duramente o homem porque ele vangloria-se da sua
humanidade frente ao animal, embora olhe invejoso para a sua felicidade - pois
o homem quer apenas isso, viver como animal, sem melancolia, sem dor; e o que
quer entretanto em vão, porque não quer como o animal. O homem pergunta mesmo
um dia ao animal: por que não falas sobre a tua felicidade e apenas me
observas?
O animal quer também responder e falar, isso deve-se ao facto de que sempre se esquece do que queria dizer, mas também já esqueceu esta resposta e silencia: de tal modo que o homem se admira disso. Todavia, o homem também se admira de si mesmo por não poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a corrente corre junto. É um milagre: o instante em um átimo está aí, em um átimo já passou, antes um nada, depois um nada, retorna entretanto ainda como um fantasma e perturba a tranquilidade de um instante posterior. Incessantemente uma folha se destaca da roldana do tempo, cai e é carregada pelo vento - e, de repente, é trazida de volta ao colo do homem. Então, o homem diz:«eu lembro-me», e inveja o animal que imediatamente esquece e vê todo o instante realmente morrer imerso em névoa e noite e extinguir-se para sempre. Assim, o animal vive a-historicamente: ele passa pelo presente como um número, sem que reste uma estranha quebra.
Friedrich Nietzsche, in 'Segunda Consideração Intempestiva'
O animal quer também responder e falar, isso deve-se ao facto de que sempre se esquece do que queria dizer, mas também já esqueceu esta resposta e silencia: de tal modo que o homem se admira disso. Todavia, o homem também se admira de si mesmo por não poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a corrente corre junto. É um milagre: o instante em um átimo está aí, em um átimo já passou, antes um nada, depois um nada, retorna entretanto ainda como um fantasma e perturba a tranquilidade de um instante posterior. Incessantemente uma folha se destaca da roldana do tempo, cai e é carregada pelo vento - e, de repente, é trazida de volta ao colo do homem. Então, o homem diz:«eu lembro-me», e inveja o animal que imediatamente esquece e vê todo o instante realmente morrer imerso em névoa e noite e extinguir-se para sempre. Assim, o animal vive a-historicamente: ele passa pelo presente como um número, sem que reste uma estranha quebra.
Friedrich Nietzsche, in 'Segunda Consideração Intempestiva'
Sugestão de leitura:
O Viajante e Sua Sombra por
Friedrich Nietzsche
O Viajante e sua
sombra é a história de um poeta, filósofo e observador, que segue as trilhas do
mundo interior e exterior, monitorado por uma sombra, ora o viajante a segue,
ora é ela que o acompanha. Nesta obra o autor se emprenha em uma luta contra a
“Moral da auto-renúncia”, fazendo críticas literárias, artísticas, filosóficas
e também políticas, mesclando os mais diversos assuntos em pequenas sessões.
Para aqueles que ainda não tiveram
contato com Nietzsche, o conteúdo do livro é melancólico, deve ser lido com
calma, respeitando a pontuação, a correta respiração que auxilia na
interpretação, como uma encenação mental, ler com paixão é o tempero ideal, não
tenha pressa na deglutição, saboreie as emoções, observe seus pensamentos que
surgirão ao longo da leitura.
Melancolia
não é meu forte, mas com Friedrich Nietzsche, toma ares e emoções de rebeldia,
inicia um combate “moral da auto-renuncia”.