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sábado, 6 de maio de 2017

Memória é a Sombra do Conhecimento





“Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da ‘história universal’: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer.” Nietzsche

        Neste paragrafo percebemos quão ainda somos tão antropocêntricos, em geral o homem costuma elevar seus problemas a categoria de a “coisa mais importante do universo” e de repente o universo mostra o quanto somos mais que apenas insetinhos que viveram por um segundo na história do universo e se acharam “soberbos”, mas que eram também “mentirosos”.

A Memória é o Maior Tormento do Homem
Considera o rebanho que passa ao teu lado pastando: ele não sabe o que é ontem e o que é hoje; ele saltita de lá para cá, come, descansa, digere, saltita de novo; e assim de manhã até a noite, dia após dia; ligado de maneira fugaz por isto, nem melancólico nem enfadado. Ver isto desgosta duramente o homem porque ele vangloria-se da sua humanidade frente ao animal, embora olhe invejoso para a sua felicidade - pois o homem quer apenas isso, viver como animal, sem melancolia, sem dor; e o que quer entretanto em vão, porque não quer como o animal. O homem pergunta mesmo um dia ao animal: por que não falas sobre a tua felicidade e apenas me observas?
O animal quer também responder e falar, isso deve-se ao facto de que sempre se esquece do que queria dizer, mas também já esqueceu esta resposta e silencia: de tal modo que o homem se admira disso. Todavia, o homem também se admira de si mesmo por não poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a corrente corre junto. É um milagre: o instante em um átimo está aí, em um átimo já passou, antes um nada, depois um nada, retorna entretanto ainda como um fantasma e perturba a tranquilidade de um instante posterior. Incessantemente uma folha se destaca da roldana do tempo, cai e é carregada pelo vento - e, de repente, é trazida de volta ao colo do homem. Então, o homem diz:«eu lembro-me», e inveja o animal que imediatamente esquece e vê todo o instante realmente morrer imerso em névoa e noite e extinguir-se para sempre. Assim, o animal vive a-historicamente: ele passa pelo presente como um número, sem que reste uma estranha quebra.

Friedrich Nietzsche, in 'Segunda Consideração Intempestiva'


Sugestão de leitura:

O Viajante e Sua Sombra por Friedrich Nietzsche

O Viajante e sua sombra é a história de um poeta, filósofo e observador, que segue as trilhas do mundo interior e exterior, monitorado por uma sombra, ora o viajante a segue, ora é ela que o acompanha. Nesta obra o autor se emprenha em uma luta contra a “Moral da auto-renúncia”, fazendo críticas literárias, artísticas, filosóficas e também políticas, mesclando os mais diversos assuntos em pequenas sessões.


      Para aqueles que ainda não tiveram contato com Nietzsche, o conteúdo do livro é melancólico, deve ser lido com calma, respeitando a pontuação, a correta respiração que auxilia na interpretação, como uma encenação mental, ler com paixão é o tempero ideal, não tenha pressa na deglutição, saboreie as emoções, observe seus pensamentos que surgirão ao longo da leitura.
      Melancolia não é meu forte, mas com Friedrich Nietzsche, toma ares e emoções de rebeldia, inicia um combate “moral da auto-renuncia”.