Vamos das uma olhada em quando a alma fecha os olhos...
Tem
dias em que a gente acorda com uma única ideia — um medo recorrente, um desejo
sem paz, uma lembrança que insiste em voltar. E então o pensamento gira em
torno disso, como mosca em lâmpada, sem saída. O mundo se estreita. O real
perde a força e sobra apenas aquilo: a obsessão. Pequena ou gigante, disfarçada
de cuidado ou de amor, de zelo ou de perfeccionismo.
No
cotidiano, ela é quase banal: quem nunca voltou três vezes para checar se
trancou a porta? Quem nunca ficou preso num e-mail mal escrito ou numa mensagem
não respondida? Há quem confunda obsessão com persistência — e há quem ache
bonito ser obcecado por metas e resultados. No fundo, talvez a obsessão seja só
a máscara ocidental de um medo profundo de perder o controle.
Sigmund
Freud foi dos primeiros a perceber que a obsessão mora no
inconsciente como sintoma: um sinal invertido de desejo reprimido. Para ele, os
atos obsessivos — lavar as mãos sem parar, repetir frases mentalmente, ordenar
objetos — são defesas contra algo insuportável. O sujeito obcecado tenta
controlar o mundo externo porque não suporta o tumulto do mundo interno. Em
"O Caso do Homem dos Ratos", Freud mostrou como a obsessão
cria um labirinto de rituais inúteis, mas indispensáveis para manter o sujeito em
pé. Sem eles, o medo oculto romperia a consciência.
Mas
nem toda obsessão se revela como doença clínica. Jacques Lacan,
leitor atento de Freud, foi mais longe: a obsessão seria um modo específico de
se relacionar com o desejo — um desejo que nunca quer ser satisfeito. O
obsessivo, para Lacan, não deseja realmente o objeto que persegue; deseja
desejar. Por isso nunca alcança. Sua angústia é estrutural: ele gira em torno
do vazio, alimentando uma falta que o define. No fundo, ele quer manter o
objeto à distância, como o ciumento que teme perder justamente o que não quer
possuir de fato.
Simone
Weil,
mística e filósofa singular, trouxe uma perspectiva rara: para ela, a obsessão
é uma forma de desatenção ao real. Em "A Gravidade e a Graça",
ela diz que a alma obcecada está tão fixada em si mesma — em seu desejo, em sua
dor — que não consegue ver o outro, nem o mundo, nem Deus. O remédio seria o
oposto: a atenção pura, capaz de se abrir ao que é, sem querer tomar ou
modificar. A obsessão fecha os olhos da alma; a atenção os reabre.
Esse
movimento — fechar-se e abrir-se — é o drama da vida comum. O estudante que não
consegue largar uma prova malfeita; o apaixonado que revive cem vezes o fim do
namoro; o trabalhador que acorda pensando no chefe e dorme imaginando
planilhas. A obsessão é um monólogo interior interminável — um filme em looping
que suga a energia vital.
Mas
há quem a transforme. Os artistas obsessivos — Kafka, Van Gogh, Glenn Gould —
criaram beleza do seu tormento repetitivo. A obsessão pode ser poço sem fundo,
mas também mina de ouro. Gaston Bachelard, em "A Poética
do Devaneio", lembra: todo criador é, em parte, um obcecado pelo mesmo
tema, pela mesma imagem fundante.
Mesmo
Schopenhauer, que via o desejo como prisão eterna, admitia um caminho de
escape: a contemplação estética — esse raro instante em que o querer cessa e a
beleza do mundo se revela sem exigências. Talvez aí a obsessão se dissolva por
um momento.
Mas
é N. Sri Ram, em "A Sabedoria da Vida", que nos dá um
conselho simples: toda fixação mental nos rouba a liberdade de ver o novo. A
mente obcecada não aprende, não percebe, não muda. Para ele, a alma livre é
aquela que mantém o olhar aberto, curioso, disponível.
Talvez
o segredo seja esse: não eliminar a obsessão — ela é humana demais para
desaparecer — mas aprender a reconhecê-la como visita incômoda e temporária.
Dar-lhe um lugar na sala, ouvir o que ela murmura... e depois abrir a janela.
Porque o mundo lá fora continua imenso, cheio de cores, de ruídos, de vida —
muito além do círculo estreito da ideia fixa.
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