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terça-feira, 3 de junho de 2025

A Montanha Mágica

Antes de tudo: o que acontece nesse livro?

O livro que falarei é nada menos que o fantástico “A Montanha Mágica” de Thomas Mann, o autor nos leva a reflexões fundamentais, então vamos lá sem mais delongas.

Em resumo: Hans Castorp é um jovem engenheiro alemão que sobe uma montanha nos Alpes suíços para visitar o primo internado num sanatório para tuberculosos. A ideia era passar três semanas. Ele acaba ficando sete anos. Nesse tempo, convive com personagens que representam ideologias e visões de mundo muito distintas — do racionalismo humanista ao misticismo religioso, passando pelo hedonismo vitalista. A montanha, isolada do mundo, vira palco de reflexões profundas sobre o tempo, a doença, a vida, a morte e o próprio sentido da existência.

No topo do mundo, o tempo para

Às vezes, tudo que a gente precisa é de um pretexto para parar. Uma gripe, um pneu furado, uma viagem cancelada. São nesses pequenos intervalos forçados que a vida parece abrir uma fresta. Agora imagine que esse intervalo não dure uma tarde, mas sete anos. E que, em vez de voltar à rotina, você permaneça num lugar onde o tempo se dilui, as palavras pesam e cada tosse carrega uma metáfora. Isso é A Montanha Mágica. Um livro que parece mais uma febre do pensamento do que uma narrativa. Um sanatório que não cura, mas revela.

No alto daquela montanha, Thomas Mann faz mais do que isolar seu protagonista do mundo: ele suspende a própria gravidade do tempo. Hans Castorp sobe para visitar um primo e acaba, sem perceber, mergulhando num laboratório existencial onde o que está em jogo não é a cura, mas o sentido da vida — e da morte. A montanha não é um retiro; é um espelho.

Tempo: o delírio da cronologia

A primeira provocação filosófica da obra é o tempo. Mann escancara o quanto somos reféns do relógio como uma ficção coletiva. Ao esticar os dias de Hans até que se tornem anos quase imperceptíveis, ele sugere algo radical: o tempo psicológico molda mais a experiência do que o tempo cronológico. O tédio, a repetição, o convívio constante com a doença transformam minutos em eternidades e meses em um breve bocejo.

A montanha é mágica porque dissolve a contagem do tempo em vivência. Ali, a percepção se alonga e contrai como um pulmão em crise. A doença não paralisa apenas o corpo; ela relativiza a ideia de progresso. Ao sair da montanha, Hans já não é mais o mesmo — não porque se curou, mas porque deixou de crer na linearidade da vida.

A doença como método

Neste sanatório elegante, a tuberculose funciona como um catalisador filosófico. Não é a morte iminente que assombra, mas a possibilidade de enxergar, no limite do corpo, o que estava adormecido na alma. Cada personagem representa um sistema de ideias: Settembrini, o humanismo iluminista; Naphta, o fanatismo místico; Peeperkorn, a embriaguez vital. E Hans, o espectador curioso que vai se deformando por dentro até se tornar outro.

É aqui que Mann insinua um pensamento ousado: talvez a doença seja um instrumento de formação. Não no sentido romântico de que "o sofrimento ensina", mas como deslocamento radical do sujeito para fora das zonas onde o pensamento é confortável. Na montanha, o pensamento adoece para se reinventar.

A montanha como antipedagogia

Se A Montanha Mágica é um romance de formação, é um Bildungsroman às avessas. Em vez de sair da ignorância rumo à maturidade, Hans afunda nas contradições, nos discursos e nas ambiguidades. A montanha não ensina — ela desafia. Não oferece respostas — apenas vozes divergentes. E é justamente nesse ruído que o personagem vai sendo formado, como se a verdade estivesse sempre nas entrelinhas das ideologias.

É uma antipedagogia do abismo. A experiência de Hans Castorp nos lembra que amadurecer pode significar perder certezas em vez de acumulá-las. É uma formação pela desintegração.

Filosofia da suspensão

Podemos ler o livro como um manifesto a favor da suspensão do ritmo. Em um mundo que valoriza a produtividade, a pressa e o fazer, Mann propõe o contrário: parar, observar, tossir, ouvir. Ele antecipa, sem o saber, o espírito de algo como uma "slow philosophy", uma ética da pausa.

Estar doente na montanha é uma metáfora radical para o que a filosofia sempre foi: um estado de exceção em que a vida se interroga a si mesma. E talvez por isso o retorno de Hans à planície — ao “mundo real” — nos pareça tão abrupto quanto um despertar depois de um sonho que não terminou.

E aí, descer ou permanecer?

A pergunta que fica ao fim da leitura é: será que podemos descer da montanha? E, se descermos, quem seremos?

Thomas Mann não responde, e isso é o mais interessante. Porque talvez a montanha mágica não seja um lugar, mas um estado da consciência. E mesmo em meio à correria dos dias, há momentos em que a doença, o tédio, a dúvida — ou mesmo um bom livro — nos levam de volta àquele lugar suspenso, onde o tempo escorre devagar e o pensamento respira com dificuldade.

E então, mesmo sem febre, tossimos uma pergunta: em que mundo eu realmente habito — na planície da ação ou no cume da reflexão?


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