O Príncipe na Era dos Espelhos: Ensaio filosófico-sociológico
Vivemos
em um tempo em que as sombras projetadas na caverna platônica não são mais
criadas pelo fogo, mas pelas telas. A alegoria do conhecimento foi invertida:
sair da caverna não significa mais encontrar a luz, mas perder audiência. É
nesse mundo invertido que o sociólogo Octavio Ianni publica, em forma de
livro, O Príncipe Eletrônico (1996), uma das suas obras mais
instigantes.
Não
se trata apenas de um texto, mas de um livro ensaístico e provocador,
que propõe uma releitura da clássica obra O Príncipe, de Maquiavel, sob
a luz das transformações tecnológicas e midiáticas da modernidade tardia. Aqui,
Ianni não fala de um governante renascentista, mas de um novo soberano: o líder
midiático, moldado e mantido por sua presença nas telas.
O
novo Príncipe: entre Maquiavel e o marketing
Ianni
não é apenas um sociólogo. Ele é um leitor de Maquiavel em tempos de TV, um
cartógrafo da metamorfose do poder. Em vez de espada ou tinta, o novo príncipe
governa por pixel. A pergunta central de Maquiavel — "como o príncipe deve
agir para manter o poder?" — é transformada por Ianni em: "como o
príncipe deve se mostrar para não desaparecer do imaginário coletivo?"
A
mídia, para Ianni, não é apenas um canal. É o novo terreno da política. Se
Maquiavel escreveu para um tempo em que o poder era construído no campo de
batalha, Ianni escreve para uma era em que o poder se decide no intervalo
comercial, na construção de uma imagem palatável, reciclável e viralizável. O
príncipe, hoje, precisa mais de um marqueteiro do que de um estrategista
militar.
Política
como espetáculo, poder como imagem
Mas
há algo de profundamente filosófico nesse diagnóstico sociológico. Quando Ianni
afirma que a imagem precede a essência, ele se aproxima de Baudrillard e da
ideia de simulacro. O príncipe eletrônico não representa mais nada; ele é
a representação. Ele não precisa ter virtù nem fortuna, como
queria Maquiavel — precisa ter ibope.
O
cidadão também muda de papel. Não é mais o súdito que teme, nem o cidadão que
delibera. Ele se torna o telespectador, o "curtidor", o
"engajador", o "compartilhador". Sua relação com o poder é
mediada por afeto e espetáculo, não por ideologia. O príncipe eletrônico seduz,
emociona, diverte — e por isso governa. A política vira performance; a crítica,
desmonetização.
No
fundo, o que Ianni nos mostra é a estetização do poder. E isso, como
lembrava Walter Benjamin, é um prenúncio do fascismo: a substituição da
participação política pelo consumo estético da política.
O
pensamento de Ianni: poder, cultura e subjetividade
Ianni
é inovador porque pensa o poder como forma cultural. Ele mostra que não
se trata apenas de quem manda, mas de como se conta quem manda, e em que
linguagem se faz essa contagem. O poder torna-se narrativa, o Estado torna-se
estúdio, e a política, uma série de episódios cuja continuidade depende da
aprovação do público.
Há,
então, um paradoxo: quanto mais democrático o acesso à imagem, mais concentrado
o poder de sua manipulação. Os muitos podem produzir, mas poucos conseguem
emplacar. O príncipe é eletrônico, mas seu trono ainda é reservado.
Entre
Maquiavel e os algoritmos
Octavio
Ianni não escreveu um tratado de fim de época, mas de início de outra. Sua
leitura é um convite a repensar não só a política, mas também a subjetividade e
o desejo de reconhecimento em tempos digitais. O príncipe eletrônico não
governa apenas sobre a polis, mas sobre a psique. E seu reinado
persiste enquanto confundirmos presença com prestígio, visibilidade com
verdade, e curtida com convicção.
Talvez,
mais do que nunca, precisemos reler Maquiavel com Ianni ao lado — e o controle
remoto bem longe.
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