Outro dia, enquanto esperava na fila da padaria, ouvi uma senhora reclamar que “hoje em dia ninguém tem mais respeito”. Não era a primeira vez que ouvia essa frase. Aliás, parece que ela está guardada no bolso de todo mundo, pronta para sair a qualquer momento. Mas será mesmo que o respeito “acabou”? Ou será que o que entendemos por respeito mudou? Melhor ainda: e se o respeito nunca tivesse existido como uma coisa em si, mas fosse apenas uma construção social?
Essa
pergunta toca o coração do construcionismo social, uma perspectiva que
afirma que valores, identidades, instituições e até emoções são produtos da
vida em sociedade. São construídos nas interações, nos acordos e também nas
tensões do cotidiano.
A
Realidade como Obra Coletiva
Para
o construcionismo social, a realidade que conhecemos não é simplesmente
descoberta: ela é construída. Isso não significa que o mundo físico seja
uma ilusão, mas que a forma como o percebemos — o que é certo, errado, belo,
ofensivo, desejável — é moldada pelas relações sociais e pela linguagem. Como
diria Peter Berger, a sociedade é ao mesmo tempo uma gaiola e um
espelho: nos limita e nos reflete.
É
aí que entra Anthony Giddens, com sua teoria da estruturação,
trazendo uma virada interessante: não somos apenas vítimas passivas de uma
sociedade que nos molda — somos agentes ativos nesse jogo. Para Giddens,
estrutura social e ação humana estão entrelaçadas num fluxo contínuo. As
estruturas nos orientam, sim, mas também dependem das nossas práticas
cotidianas para existir. É como uma dança: os passos são ensinados, mas somos
nós que dançamos — e, às vezes, mudamos a coreografia no meio do salão.
Scripts
Invisíveis e Pequenas Rebeliões
Voltemos
ao cotidiano. Pense em como tratamos uma pessoa de terno num banco e como
tratamos alguém de chinelo numa loja chique. É automático. Reproduzimos scripts
sociais invisíveis que orientam o comportamento. Mas o mais curioso, como
diria Giddens, é que ao seguir esses scripts, nós também os reforçamos.
Toda vez que aceitamos uma piada preconceituosa em silêncio, damos continuidade
a uma estrutura social. Toda vez que interrompemos esse padrão — mesmo que com
um olhar torto ou uma pergunta incômoda — abrimos brechas.
Essas
pequenas escolhas são fundamentais. O construcionismo social, somado à noção de
agência de Giddens, nos lembra que a transformação começa na rotina: na
fala interrompida, no hábito questionado, no rótulo recusado. A realidade
social, afinal, é frágil — precisa ser sustentada o tempo todo pelas nossas
ações para continuar existindo.
Construcionismo
e Liberdade: Para Além do Determinismo
Se
tudo é construído, tudo também pode ser reconstruído. Isso não significa que
vivemos no caos ou que tudo é relativo, mas sim que temos possibilidades de
reinvenção.
Se
“família” pode significar laços de afeto e não apenas de sangue, se “trabalho”
pode ser remoto, flexível ou cooperativo, se “identidade” pode ser fluida e
múltipla, então o construcionismo não é só uma ferramenta para entender o mundo
— é uma chave para transformá-lo. Giddens reforça essa visão ao mostrar
que os indivíduos, mesmo limitados por contextos, não são marionetes.
Eles sabem o que fazem — e, às vezes, sabem que poderiam fazer diferente.
Uma
Conclusão Aberta (Como Toda Boa Construção Social)
Voltando
à senhora da padaria: talvez ela tenha razão no que sente, mas talvez a forma
de respeito que ela espera seja diferente da que os jovens reconhecem. O
construcionismo social nos convida a parar de tratar o presente como uma queda
em relação ao passado e começar a vê-lo como uma nova narrativa em
construção.
E
com Giddens à mesa, lembramos que não basta entender as estruturas — é preciso
assumir responsabilidade pelas nossas ações dentro delas. Porque, no fim, se a
sociedade é construída todos os dias, nós somos os pedreiros — ou, quem
sabe, os poetas — dessa construção.
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