O valor secreto do zero e do nada
Outro
dia, enquanto esperava o sinal abrir, reparei num grafite na parede: um enorme
“0” rabiscado, quase como um protesto. Curioso como um simples círculo pode
carregar tanto silêncio e, ao mesmo tempo, tanto significado. Ali, parado entre
buzinas e mensagens não lidas, me dei conta: o zero e o nada, esses personagens
invisíveis da existência, têm mais valor do que costumamos perceber.
Estamos
acostumados a valorizar o cheio: uma conta bancária recheada, uma agenda
lotada, uma casa com todos os cômodos ocupados. O nada, por outro lado, parece
assustar. Zero parece fracasso. E, no entanto, o zero é condição de
possibilidade. Como nos lembra o filósofo francês Gaston Bachelard, em A
Intuição do Instantâneo, é no intervalo vazio que a mudança acontece. O
nada não é ausência absoluta, mas espaço para o vir-a-ser.
Na
matemática, o zero não representa apenas o “nenhum”; ele é marco de origem,
ponto de referência, equilíbrio entre positivos e negativos. Sem ele, as contas
se perderiam. No tempo, o zero é a aurora de todas as possibilidades. E no
pensamento, o nada é o repouso necessário para o surgimento de uma nova ideia.
Quem nunca teve um “branco” antes de uma inspiração súbita?
Bachelard
nos ensina que o instante criador nasce da ruptura, não da continuidade. O
nada, então, é ruptura fecunda. Quando dizemos “não sei”, estamos abrindo uma
clareira para o saber. Quando dizemos “não tenho nada a perder”, abrimos espaço
para agir sem medo. O zero é coragem de começar do começo.
Nas
relações, também é assim. Às vezes, precisamos zerar as expectativas, silenciar
os ruídos, aceitar o “nada acontecendo” para que algo novo possa surgir. O
afeto verdadeiro não é barulhento — ele se acomoda no intervalo das palavras,
no gesto não dito, no tempo que se dá sem pressa.
Na
correria do dia a dia, esquecemos que o valor não está só no acúmulo. Uma sala
vazia pode ser mais acolhedora que uma abarrotada. Uma pausa no meio do caos
pode valer mais que um dia inteiro preenchido por obrigações. O nada tem peso,
tem densidade. O zero é um tipo de presença discreta — como uma vírgula no
texto da vida, indicando que algo ainda está por vir.
Talvez
o grafite na parede estivesse dizendo isso. Que às vezes, tudo começa com o
zero. Com o nada que ainda não foi contaminado pelo excesso. Com o espaço limpo
de expectativas, onde a existência pode, enfim, respirar.
Você
já parou para valorizar o que não está lá?
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