Ensaio Filosófico sobre o livro "Religião e o Nada" de Keiji Nishitani
"Religião e o Nada" (Shūkyō to wa nanika, no original japonês)
é um livro escrito por Keiji Nishitani, publicado pela primeira
vez em 1945. Trata-se de sua obra principal, reconhecida como uma
das mais importantes produções da Escola de Quioto, que busca dialogar a
filosofia ocidental com o pensamento budista, especialmente o zen e o Mahayana.
Breve resumo: Religião e o Nada, de Keiji Nishitani, é uma obra fundamental da
Escola de Quioto que propõe uma reflexão profunda sobre o niilismo e a crise
espiritual do homem moderno. Influenciado por Nietzsche, Heidegger e o budismo
Mahayana, especialmente a noção de śūnyatā (vazio), Nishitani argumenta
que o niilismo não deve ser evitado, mas vivido como caminho para um despertar
espiritual, onde a religião não é um sistema de crenças, mas uma experiência
existencial que nos conduz ao “nada do fundo do ser”. Esse “nada”, diferente da
aniquilação, é uma abertura radical para uma realidade além do ser e do
não-ser, na qual o ego é superado e o sentido da existência se revela. Ao
fundir filosofia ocidental com sabedoria oriental, Nishitani apresenta uma nova
forma de religiosidade que se realiza no coração do vazio — não como ausência,
mas como plenitude.
Keiji Nishitani, um dos principais pensadores da
Escola de Quioto, aborda em "Religião e o Nada" um tema central da
condição humana: a relação entre a religião, o niilismo e o significado
existencial. Neste ensaio, explorarei as ideias-chave da obra, ligando-as às
experiências cotidianas e ao contexto contemporâneo, em que a busca pelo
sentido da vida se torna cada vez mais urgente.
O Niilismo e a Experiência do Vazio
Nishitani inicia sua reflexão reconhecendo a crise
espiritual que marca o mundo moderno, especialmente no Ocidente. O niilismo —
caracterizado pela perda de valores e pela sensação de vazio existencial — é um
sintoma de um afastamento profundo entre o homem e sua própria existência. Para
ele, essa condição não é apenas um obstáculo a ser superado, mas também uma
oportunidade. O vazio, ou "nada", pode ser compreendido não como um
estado de destruição, mas como um solo fértil para um novo tipo de compreensão do
ser.
Na experiência cotidiana, o vazio se manifesta de
maneiras diversas: o sentimento de alienação no trabalho, a superficialidade
das relações ou a busca incessante por prazeres efêmeros que não preenchem
verdadeiramente. Nishitani propõe que encaremos o vazio de frente, sem medo,
como uma possibilidade de transcender nossa perspectiva limitada e fragmentária
do mundo.
O Nada como Campo de Possibilidades
Um dos conceitos mais profundos de Nishitani é o
"nada" entendido como "vacuidade" (šūnyatā, no budismo).
Diferente da ideia ocidental de vazio como ausência absoluta, a vacuidade é um
estado dinâmico de interconexão. Quando nos libertamos do apego à ideia de um
"eu" separado e fixo, podemos perceber que o nada é o espaço onde
tudo se manifesta.
Um exemplo prático pode ser encontrado em uma
conversa profunda com um amigo. Em momentos assim, quando não estamos presos à
preocupação com nossa própria imagem ou ao desejo de impressionar, emerge uma
conexão genuína. Esse "nada" — a ausência de egoísmo e expectativas —
cria o espaço para que a relação floresça.
Religião como Realização Existencial
Para Nishitani, a religião é mais do que um sistema
de crenças; é uma experiência existencial que nos coloca em contato com a
dimensão mais profunda do ser. Ele desafia a distinção tradicional entre o
sagrado e o profano, argumentando que a iluminação ocorre precisamente no
âmbito da vida cotidiana. A verdadeira religião, segundo Nishitani, não nos
afasta do mundo, mas nos reconcilia com ele, revelando que o "eu" e o
"mundo" são inseparáveis.
Esse ponto é especialmente relevante em um mundo
onde a espiritualidade é frequentemente tratada como algo à parte da "vida
real". Por exemplo, ao lavar a louça, podemos considerar a tarefa como uma
obrigação mundana ou como uma oportunidade para estar plenamente presentes no
momento. Nishitani sugere que, ao enxergarmos a sacralidade em tais momentos
simples, descobrimos a verdadeira dimensão da religião.
A Resposta ao Niilismo
A solução de Nishitani para o niilismo não está em
rejeitá-lo, mas em atravessá-lo. Ele propõe um movimento para "além do
niilismo", onde o vazio é transformado em plenitude. Esse processo requer
um desapego radical — não apenas dos bens materiais, mas também das nossas
ideias preconcebidas e do desejo de controle.
Imagine uma situação em que um plano cuidadosamente
elaborado fracassa. Inicialmente, o sentimento de frustração e inutilidade pode
parecer avassalador. No entanto, ao abandonar a fixação no resultado e abrir-se
à experiência, pode-se descobrir uma nova perspectiva ou oportunidade. Para
Nishitani, essa capacidade de abraçar o inesperado é o que transforma o
niilismo em um caminho para a sabedoria.
"Religião e o Nada" nos desafia a
repensar nossa relação com o vazio e com o mundo. Nishitani não oferece
respostas fáceis ou soluções rápidas, mas convida a uma jornada de
autodescoberta que envolve tanto a aceitação do nada quanto a superação do
niilismo. Em um momento histórico em que a humanidade busca sentido em meio à
fragmentação e à incerteza, sua filosofia se torna mais relevante do que nunca.
Ao nos reconectarmos com a dimensão profunda do ser
— no ato de lavar a louça, em uma conversa significativa ou em qualquer outro
momento do cotidiano — podemos transformar o nada em uma fonte inesgotável de
significado e liberdade.