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terça-feira, 18 de março de 2025

Absurdo da Informação

O Novo Mito de Sísifo

Vivemos na era do excesso. As notificações se acumulam como ondas quebrando na praia, uma após a outra, sem pausa para contemplação. O celular vibra, a tela brilha, um novo dado, uma nova opinião, uma nova crise, uma nova promessa de verdade. Mas onde tudo isso nos leva? Sentimos que sabemos mais do que nunca e, paradoxalmente, compreendemos cada vez menos.

Albert Camus reinterpretou o mito de Sísifo como uma metáfora para a condição humana diante do absurdo: empurramos a rocha montanha acima apenas para vê-la rolar de volta ao vale, em um ciclo interminável. Hoje, a rocha foi substituída pela informação. Nos esforçamos para consumi-la, catalogá-la, absorvê-la – mas, assim que pensamos tê-la compreendido, novas camadas de dados se sobrepõem, desfazendo qualquer tentativa de sentido consolidado.

A internet, com sua aparente promessa de democratização do conhecimento, acabou por nos afogar em um mar de hiperconectividade e desorientação. O problema não é apenas o volume, mas a efemeridade e fragmentação da informação. Não há tempo para a reflexão profunda; tudo deve ser consumido, compartilhado, esquecido e substituído em um ciclo vertiginoso.

O mito contemporâneo de Sísifo não se resume ao trabalho sem sentido, mas à busca de sentido em meio ao caos informacional. Em um mundo onde qualquer pessoa pode produzir e disseminar conhecimento instantaneamente, o que diferencia o verdadeiro saber do mero ruído?

Gilles Deleuze já apontava para a crise do pensamento em uma sociedade movida por estímulos rápidos e respostas prontas. O problema não está apenas na proliferação da informação, mas na forma como ela é consumida – passivamente, sem espaço para a construção de significados mais profundos. A reflexão dá lugar à reação imediata. A sabedoria é sufocada pela urgência.

E, no entanto, Sísifo continua subindo a montanha. Talvez o ato de questionar, de discernir, de resistir ao fluxo incessante seja a nossa única forma de revolta contra esse absurdo informacional. Como Camus sugeria, a liberdade está na consciência do absurdo e na escolha de continuar, apesar dele. Assim, ao invés de sermos apenas consumidores de informação, devemos ser seus alquimistas – extraindo da enxurrada digital o ouro da compreensão verdadeira.

O que nos resta é decidir: empurramos a rocha cegamente ou escolhemos encontrar, no próprio fardo, um caminho para a lucidez?


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Sedimentos da Mente

Outro dia, enquanto lavava uma chaleira que esqueci no fogão por mais tempo do que deveria, notei que o fundo estava coberto por uma camada de resíduos queimados. Tentei esfregar, mas alguns sedimentos pareciam impossíveis de remover, como se estivessem fundidos ao metal. Enquanto insistia, me veio à mente: será que nossos pensamentos e memórias funcionam assim? Será que a mente acumula camadas de experiências, umas mais leves, facilmente lavadas pelo tempo, e outras tão profundamente queimadas em nós que se tornam parte da nossa estrutura?

Os Sedimentos Invisíveis da Consciência

A mente é como um rio: fluida, sempre em movimento, mas não imune ao acúmulo de detritos. Pequenas lembranças, emoções passageiras, palavras ditas e não ditas vão se depositando ao longo do leito de nossas vidas. Alguns desses sedimentos são insignificantes, como as folhas que o vento leva e o rio descarta com o próximo fluxo. Outros, no entanto, permanecem, alterando a paisagem mental e moldando nossa visão do mundo.

Esses depósitos psíquicos não são neutros. Um elogio pode cristalizar-se em autoestima, enquanto uma crítica pode transformar-se em insegurança. Assim, os sedimentos da mente são feitos tanto de experiências positivas quanto negativas, e é fascinante pensar como elas determinam, silenciosamente, as escolhas que fazemos e o que nos tornamos.

O Peso do Não-Examinado

Aristóteles certa vez afirmou que "o não-examinado não é digno de ser vivido." Se não paramos para refletir sobre o que carregamos, corremos o risco de sermos governados por sedimentos que nunca percebemos que estavam ali. É como carregar uma mochila cheia de pedras sem nunca abrir para ver o que há dentro.

Em situações cotidianas, os sedimentos da mente se revelam. Uma conversa trivial pode trazer à tona um incômodo profundo, há muito sedimentado. Uma música antiga no rádio pode evocar memórias que julgávamos esquecidas. São nesses momentos que percebemos que nossa mente é uma arqueóloga: sempre escavando, mesmo sem nossa permissão.

A Filosofia da Purificação

Para os estoicos, a vida exige uma prática constante de limpeza mental. Eles chamavam isso de ataraxia, a tranquilidade de espírito alcançada ao separar o que importa do que não importa. Essa filosofia sugere que devemos remover os resíduos emocionais que não servem mais, assim como um rio que, de tempos em tempos, renova seu leito.

N. Sri Ram, um pensador cuja obra ressoa com essa metáfora, dizia que a mente deve ser um "canal claro para a percepção do real." Assim como os sedimentos obscurecem a transparência de um rio, os preconceitos e os apegos distorcem nossa visão da realidade. Segundo ele, a purificação mental não é apenas uma tarefa; é uma jornada de autodescoberta.

Um Convite à Reflexão

No final, a chaleira que eu lavava não ficou completamente limpa. Algumas manchas resistiram, mas aprendi a conviver com elas. Talvez, com a mente, o mesmo se aplique. Nem todos os sedimentos podem ser removidos, e talvez nem devam. Alguns são lembranças valiosas, marcas do que nos tornou quem somos.

O desafio está em discernir o que deve permanecer e o que pode ser descartado. Assim como o rio que aprende a fluir sobre seus próprios sedimentos, podemos encontrar maneiras de navegar pela vida com a clareza necessária para avançar, mas com a profundidade suficiente para lembrar de onde viemos. E você? Que sedimentos ainda carrega?


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Idiotas por Influência

O termo "idiota", na raiz etimológica grega (idiotés), referia-se àquele que vivia à margem dos assuntos públicos, focado apenas em sua vida privada. Curiosamente, no mundo contemporâneo, ele ganhou uma conotação pejorativa, descrevendo alguém incapaz de compreender ou participar de questões mais amplas. E, nessa trajetória semântica, algo mais se adicionou: a influência externa, que parece moldar e amplificar a idiotice no tecido social.

Pensemos no cotidiano. Alguém assiste a um vídeo viral onde uma pessoa pula de uma altura considerável para uma piscina rasa. O ato é imitado, e as consequências muitas vezes trágicas são vistas como “acidentes”. Não é que a pessoa seja naturalmente idiota, mas foi influenciada a agir de forma idiota. Redes sociais, grupos de WhatsApp e tendências culturais criam um ambiente fértil para a proliferação desse comportamento.

O Idiota Sob Influência Social

Jean Baudrillard, ao explorar a ideia da hiper-realidade, argumenta que vivemos em um mundo onde os símbolos substituem o real. Em termos práticos, ser idiota hoje não é apenas ser desinformado ou fazer escolhas ruins; é viver de forma influenciada por construções sociais que celebram o raso e o espetáculo. Quando alguém compartilha fake news ou participa de desafios absurdos, não o faz por estupidez intrínseca, mas porque foi atraído para uma narrativa convincente — uma simulação que parece mais real que o real.

Outro filósofo que nos ajuda a entender esse fenômeno é Byung-Chul Han. Em A Sociedade do Cansaço, ele descreve como o excesso de informações e exigências de performance transforma indivíduos em produtos de sua própria desconexão. O idiota por influência é, então, um resultado da sobrecarga: sem tempo para refletir ou questionar, absorve e reproduz comportamentos padronizados.

Exemplos do Cotidiano

Opiniões sem Base: Fulano acredita firmemente que a Terra é plana porque viu um vídeo “didático” no YouTube. Ele não investiga, não questiona. Apenas replica. A influência aqui é direta: a narrativa simplista encontra terreno fértil em mentes cansadas de complexidade.

Compras Impulsivas: Quem nunca comprou algo absolutamente inútil porque um influenciador digital recomendou? Não era uma necessidade; era a força da sugestão.

Seguir o Rebanho: Em reuniões de trabalho, aquele que concorda com tudo, mesmo sem entender, não o faz porque é naturalmente tolo, mas porque o ambiente corporativo premia o conformismo.

Resistir à Influência Idiota

Platão, ao descrever o mito da caverna, já alertava sobre os perigos da ignorância coletiva. A luz da sabedoria, que nos liberta das sombras da caverna, requer esforço. E talvez a maior proteção contra a idiotice por influência seja o hábito de questionar: Por que estou acreditando nisso? Por que estou agindo assim?

N. Sri Ram, em A Beleza da Vida, destaca que a verdadeira inteligência não é acumulativa, mas intuitiva. Ela nasce de uma percepção profunda do todo, algo que requer um estado de atenção. Ou seja, resistir ao idiota por influência é um trabalho diário de auto-observação.

Um Chamado à Reflexão

Ser idiota por influência não é uma condição permanente, mas um estado passageiro, fruto da desconexão com a reflexão crítica. Se o mundo moderno nos empurra para a superficialidade, talvez a solução esteja em recuperar o silêncio, o pensamento independente e a capacidade de discernir entre o verdadeiro e o ilusório.

E você, já parou para pensar em quantas vezes agiu como um idiota, não por escolha, mas por influência?