O Novo Mito de Sísifo
Vivemos
na era do excesso. As notificações se acumulam como ondas quebrando na praia,
uma após a outra, sem pausa para contemplação. O celular vibra, a tela brilha,
um novo dado, uma nova opinião, uma nova crise, uma nova promessa de verdade.
Mas onde tudo isso nos leva? Sentimos que sabemos mais do que nunca e,
paradoxalmente, compreendemos cada vez menos.
Albert
Camus reinterpretou o mito de Sísifo como uma metáfora para a condição humana
diante do absurdo: empurramos a rocha montanha acima apenas para vê-la rolar de
volta ao vale, em um ciclo interminável. Hoje, a rocha foi substituída pela
informação. Nos esforçamos para consumi-la, catalogá-la, absorvê-la – mas,
assim que pensamos tê-la compreendido, novas camadas de dados se sobrepõem,
desfazendo qualquer tentativa de sentido consolidado.
A
internet, com sua aparente promessa de democratização do conhecimento, acabou
por nos afogar em um mar de hiperconectividade e desorientação. O problema não
é apenas o volume, mas a efemeridade e fragmentação da informação. Não há tempo
para a reflexão profunda; tudo deve ser consumido, compartilhado, esquecido e
substituído em um ciclo vertiginoso.
O
mito contemporâneo de Sísifo não se resume ao trabalho sem sentido, mas à busca
de sentido em meio ao caos informacional. Em um mundo onde qualquer pessoa pode
produzir e disseminar conhecimento instantaneamente, o que diferencia o
verdadeiro saber do mero ruído?
Gilles
Deleuze já apontava para a crise do pensamento em uma sociedade movida por
estímulos rápidos e respostas prontas. O problema não está apenas na
proliferação da informação, mas na forma como ela é consumida – passivamente,
sem espaço para a construção de significados mais profundos. A reflexão dá
lugar à reação imediata. A sabedoria é sufocada pela urgência.
E,
no entanto, Sísifo continua subindo a montanha. Talvez o ato de questionar, de
discernir, de resistir ao fluxo incessante seja a nossa única forma de revolta
contra esse absurdo informacional. Como Camus sugeria, a liberdade está na
consciência do absurdo e na escolha de continuar, apesar dele. Assim, ao invés
de sermos apenas consumidores de informação, devemos ser seus alquimistas –
extraindo da enxurrada digital o ouro da compreensão verdadeira.
O
que nos resta é decidir: empurramos a rocha cegamente ou escolhemos encontrar,
no próprio fardo, um caminho para a lucidez?
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