Numa pescaria me flagrei em profunda meditação. Lancei a linha de pesca no mar, não buscando apenas um peixe — buscando um vestígio de escuta entre mundos. A linha, fina e silenciosa, estendeu-se como um fio místico, conectando minha consciência à vastidão líquida do inconsciente coletivo. É como se o mar, com sua memória abissal, me respondesse sem palavras, apenas com pulsações, correntes e silêncios cheios de sentido. Às vezes, nem preciso lançar nada — basta estar ali, contemplando, e a conversa acontece por dentro, como uma telepatia ancestral entre o humano e o oceano. Talvez a verdadeira pesca não seja de peixes, mas de presenças — e o mar, esse espelho móvel do mundo interior, nos devolve apenas aquilo que temos coragem de escutar.
Algumas
conversas só fazem sentido diante do mar. Não porque ele tenha respostas, mas
porque sua vastidão absorve tudo sem pressa, sem julgamento. Quem nunca, diante
das ondas, murmurou um segredo, um arrependimento ou um desejo quase sem
perceber? O mar é um confidente silencioso, um ouvinte cósmico que acolhe sem
perguntar nada em troca.
O
que nos leva a confiar nossos pensamentos ao mar? Talvez seja sua constância
indiferente. Ele está sempre ali, em movimento, e ao mesmo tempo, eterno.
Podemos gritar nossos anseios ao vento, e ele os carrega para longe, dissipando
angústias como se fossem espuma. Ou podemos sussurrar baixinho, apenas para que
a água toque nossos pés e nos lembremos que, apesar de tudo, continuamos de pé.
Nietzsche
diria que há algo dionisíaco nesse impulso. O mar nos embriaga com sua dança
sem fim, sua música hipnótica. Ele nos lembra que somos parte de algo maior, e
que nossos dramas individuais são apenas gotas em sua imensidão. Já Fernando
Pessoa, com sua melancolia, talvez nos sugerisse que falar com o mar é dialogar
com nosso próprio abismo. O mar não responde, e, no entanto, nos transforma.
Quando
a autoestima está em baixa, o movimento incessante das ondas pode inicialmente
nos enfadar. Parece que elas zombam da nossa imobilidade, do nosso desânimo.
Mas, pouco a pouco, começamos a sentir sua presença de outra forma. O mar não
se cansa, não se altera por nossas tristezas; ele segue em seu compasso eterno.
E é justamente essa constância que nos acolhe. Aos poucos, nossa energia se
ajusta ao ritmo das marés, e a mesma força que parecia irritante começa a
renovar algo dentro de nós. Como se, ao aceitar o fluxo do mar, também
aprendêssemos a aceitar o nosso próprio.
O
mar, porém, também pode ser assustador. Ele exige respeito. Seu tamanho e sua
força nos lembram de nossa pequenez e de nossa vulnerabilidade. Mas é nesse
respeito que aprendemos algo essencial: a nos respeitarmos e a exigirmos o
respeito que merecemos. Quando o respeito se dissolve, tudo se torna incerto e
amedrontador, como um mar revolto sem controle. Aprender a reconhecer esses
limites é parte do que o mar nos ensina, e, se soubermos escutá-lo, ele nos
guia com sua força e sabedoria inabaláveis.
Há
algo de paradoxal nessa relação. Buscamos o mar para confidenciar, mas não para
obter respostas diretas. Ele nos devolve apenas seu ritmo contínuo, sua brisa
carregada de sal e silêncio. E, de alguma forma, isso basta. Talvez seja
porque, no fundo, não queremos soluções prontas. Queremos apenas que alguém, ou
algo, escute sem nos interromper.
Assim,
seguimos voltando ao mar, sempre. Como aqueles que escrevem cartas e nunca as
enviam, sabemos que nossas palavras desaparecerão na maré. Mas, ao
partilhá-las, algo em nós se torna mais leve. E talvez, só talvez, seja esse o
verdadeiro sentido das confidências: não o de serem respondidas, mas o de serem
libertadas.