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quinta-feira, 12 de junho de 2025

Sinônimos de Amor

Por que não um ensaio Filosófico-Poético sobre um Verbo Irremediável: “Amor é Amar”

Para ler ouvindo a música Sinônimos de Zé Ramalho:

https://www.youtube.com/watch?v=FUz0a2cl_RM

Dizem que amar é verbo nobre, mas nunca disseram que é um verbo sem defesa. Amar é, no fundo, consentir com o próprio desamparo. É sofrer de forma escolhida — e eis a novidade: um sofrimento querido, quase desejado, aceito como quem aceita uma ferida que não quer ver curada. Não há amor sem alguma fissura, como não há casa antiga sem rachadura nas paredes. O amor, como as velhas moradias, guarda o cheiro de seus próprios desabamentos.

Amar não é paz. É um incêndio discreto que arde sem consumir — uma febre sem remédio, uma fome que não passa porque o alimento é o próprio desejo. O amante sofre porque quer — sofre porque ama; e não há jeito de separar um do outro sem que ambos morram. O amor sem sofrimento é jardim de plástico: bonito de longe, mas sem vida, sem cheiro, sem risco.

Quem ama teme. Teme perder, teme não ser amado, teme ser demais, teme ser de menos. Teme que o outro mude, que o tempo mude, que a própria alma mude. O amor é um campo minado de suposições, esperanças, incertezas. Nenhum amor verdadeiro anda de mãos dadas com a segurança — quem se sente seguro demais no amor já não ama, apenas administra um contrato civil de convivência.

Amar é sofrer porque o outro escapa. O outro nunca cabe inteiro no nosso abraço, nunca é exatamente o que imaginamos. O amor real é sempre um pouco menor (ou maior) que o amor sonhado. E é nessa fresta que mora o sofrimento: o amor é o que falta, mesmo quando está presente. Como dizia Fernando Pessoa:

"Tudo quanto o amor me dá

É o que me faz falta nele..."

Sim, o amor é falta. O outro é sempre inacessível em alguma parte — e é isso que nos mantém vivos, desejantes, queimando de curiosidade pela alma alheia.

Mas — e eis o que a filosofia nos sussurra — o sofrimento do amor não é fracasso, é potência. Porque só quem ama de verdade se permite não controlar. Só quem ama aceita a aventura de ser ferido e mesmo assim permanece. Amar é dizer ao mundo: "estou disposto a perder". E nisso reside uma força mais rara que a razão: a força de quem suporta o incerto.

Schopenhauer via nisso uma armadilha da vida: amar seria cair no truque da natureza, que nos obriga a sofrer para perpetuar a espécie. Um ciclo de desejo e dor do qual não podemos escapar, meros joguetes da Vontade cega da vida. Mas talvez ele estivesse cego para o outro lado do espelho: que sofrer por amor é a única dor que nos torna mais vivos, não menos.

Nietzsche, ao contrário, via no amor (especialmente no amor que sofre) uma promessa de superação. Não um castigo, mas uma prova: quem ama intensamente é empurrado para fora de si mesmo, para o perigo, para a vertigem — e só quem suporta isso pode tornar-se criador de si. Para ele, o amor que dói é o mesmo que fortalece; é um campo de batalha onde morre o velho eu e nasce o novo. Ele escreveu:

"Há sempre um pouco de loucura no amor. Mas também há sempre um pouco de razão na loucura."

Amar, para Nietzsche, é desordem criativa — não morte, mas transformação.

No fim, amar é sofrer, sim — mas é um sofrer que acorda, não que adormece. Um sofrer que afia a alma, como quem passa a faca na pedra até que brilhe. Sofrer de amor é a única dor que vale o preço, porque ao final dela descobrimos o mais estranho dos milagres: que doendo, crescemos.

Fernando Pessoa, com sua lucidez trágica, sabia disso. Em seus versos dispersos, confessou:

"Amo tudo o que foi,

Tudo o que já não é,

A dor que já me não dói,

A antiga e errônea fé..."

Até mesmo o amor sofrido vira saudade bela. Até a dor se recicla em ouro da memória.

Por isso, quem ama sofre. E quem foge do amor, sofre também — mas de um sofrimento mais frio, mais inútil, mais seco. O sofrimento de quem não ousou. O sofrimento de quem escolheu a paz dos que não viveram.

Talvez o amor seja, afinal, a arte de escolher o sofrimento certo.

A dor certa.

A ferida nobre.

A falta que nos salva.


domingo, 11 de maio de 2025

Obsessões

As obsessões, essas ideias que grudam na mente como chiclete no sapato, sempre foram um campo fértil para reflexões filosóficas. Nem sempre com esse nome, claro. Às vezes aparecem como paixões, manias, fixações — formas intensas de pensamento ou desejo que se recusam a sair da cabeça e moldam a nossa visão do mundo.

Comecemos com os estoicos. Para eles, obsessões seriam perturbações da alma. Epicteto diria que estamos apegados demais a coisas que não estão no nosso controle — como a aprovação dos outros, o sucesso, ou o medo da morte. Segundo ele, “não são as coisas que nos perturbam, mas os julgamentos que fazemos sobre elas”. Se transformamos um pensamento em obsessão, é porque decidimos que aquilo é essencial — quando, na verdade, não é. A obsessão, nesse caso, seria uma falsa atribuição de valor.

Já Nietzsche, com sua verve provocadora, vê a obsessão de outra forma: como um sinal de vontade de potência. Para ele, as obsessões podem ser expressões intensas da nossa força vital, desde que não nos dominem de maneira destrutiva. Um artista obcecado por sua obra, por exemplo, pode estar realizando uma forma elevada de existência — vivendo com intensidade. Nietzsche não prega equilíbrio, mas transbordamento. O problema, segundo ele, é quando a obsessão vem da fraqueza, da tentativa de compensar algo que falta em nós. Aí ela vira ressentimento ou vício.

Freud, embora não seja exatamente um filósofo, também entra bem nesse papo. Ele trouxe a noção de "neurose obsessiva", onde a mente se prende a rituais e pensamentos repetitivos para controlar angústias inconscientes. A obsessão seria uma tentativa — falha — de controlar o incontrolável. E isso ecoa em nossa vida cotidiana: trancar a porta cinco vezes, revisar mil vezes uma mensagem antes de enviar, revisar o passado como se pudéssemos reescrevê-lo. Tudo isso para acalmar algo mais profundo.

Em Kierkegaard, as obsessões se aproximam da angústia e do desespero. Ele fala sobre o "desespero de não ser si mesmo" — quando a gente se agarra a uma ideia, uma imagem ou uma expectativa como forma de escapar de quem realmente é. A obsessão, nesse contexto, é fuga. É uma âncora ilusória no meio do mar revolto da existência.

E no cotidiano?

Tem a pessoa que checa o celular a cada dois minutos para ver se aquela mensagem chegou. O vizinho que não consegue parar de falar do mesmo problema com o chefe. A amiga que revive todos os dias uma discussão de cinco anos atrás. As obsessões nos cercam — e às vezes, nos conduzem.

Mas talvez a pergunta não seja “como eliminar a obsessão?”, e sim: o que ela está tentando nos dizer?

Como dizia Simone Weil, "a atenção verdadeira é uma forma de amor". Talvez nossas obsessões sejam formas tortas de atenção. E se as ouvirmos com cuidado — sem nos rendermos a elas, mas também sem expulsá-las com brutalidade — possamos transformá-las em algo mais: compreensão, criação, ou, quem sabe, paz.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Vontade de Potência

O impulso invisível da vida

Já percebeu como algumas pessoas simplesmente irradiam uma energia diferente? Não falo de carisma ou simpatia, mas daquela força que parece impulsioná-las, mesmo quando o mundo joga contra. É como se existisse dentro delas um motor oculto, um desejo de crescer, de afirmar-se, de ser mais. Friedrich Nietzsche chamou isso de Vontade de Potência (Wille zur Macht), e esse conceito mexe com tudo o que entendemos sobre a natureza humana.

Geralmente, pensamos na vida em termos de sobrevivência, prazer ou até de sentido moral, mas Nietzsche rasga essas ideias e nos apresenta algo mais profundo: a vida não busca apenas continuar existindo; ela quer se expandir, se afirmar, se superar. Cada ser não quer apenas viver — quer viver com intensidade.

Para além da sobrevivência: o impulso criador

Diferente de outras filosofias que explicam a ação humana como busca por felicidade ou manutenção do equilíbrio, a Vontade de Potência sugere que o verdadeiro impulso da vida é se superar constantemente. Não estamos aqui apenas para sobreviver ou evitar sofrimento, mas para crescer, criar, desafiar e transformar.

Isso explica muito do que vemos ao nosso redor. O artista que se lança em uma obra ousada, o cientista que desafia verdades estabelecidas, o atleta que quer ultrapassar seus próprios limites – todos são movidos por algo além da mera necessidade de existir. Mesmo as crianças demonstram esse impulso: o bebê que aprende a andar não faz isso porque precisa, mas porque quer dominar o mundo ao seu redor.

Poder, dominação e criação

Aqui, muita gente se confunde. Quando Nietzsche fala em Vontade de Potência, ele não está dizendo que todos querem dominar os outros, no sentido de um tirano que impõe sua vontade. Claro, esse tipo de dominação pode ser uma manifestação da Vontade de Potência, mas não é a única nem a mais interessante. O poder verdadeiro, nesse sentido, não é o que subjuga, mas o que cria.

Nietzsche não via a Vontade de Potência como algo apenas biológico, mas como um princípio fundamental da existência. Não se trata de ser mais forte que o outro, mas de ser mais forte do que se era antes. A superação de si mesmo, a capacidade de transvalorar os próprios valores, de se reinventar – isso é viver com potência.

A Vontade de Potência no dia a dia

Se olharmos bem, esse conceito aparece em situações bem cotidianas. O estudante que, ao invés de se contentar com o básico, quer entender algo profundamente. O trabalhador que não apenas cumpre sua função, mas transforma o ambiente com novas ideias. O idoso que decide aprender um novo idioma.

Por outro lado, quando essa força é negada ou reprimida, caímos na apatia, na conformidade e até no ressentimento. Nietzsche criticava justamente as morais que tentam sufocar essa força vital, pregando resignação, obediência cega ou um conformismo que nega a expansão do indivíduo.

Nietzsche e o convite à grandeza

A ideia de Vontade de Potência é um convite para viver sem medo da própria força, sem se apegar a moralismos que enfraquecem e sem buscar aprovação externa para existir. Nietzsche nos instiga a afirmar a vida em toda a sua intensidade, a criar novos valores e a sermos autores de nossa própria existência.

No fim das contas, a pergunta que fica é: estamos vivendo para evitar quedas ou para desafiar alturas?