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domingo, 13 de julho de 2025

Todo mundo quem?

Um ensaio sobre a multidão invisível

Todo mundo disse que não era uma boa ideia. Todo mundo compartilhou aquele vídeo. Todo mundo pensa assim. Todo mundo sabe disso. Mas quem é esse tal de todo mundo? A gente cresce ouvindo que "todo mundo faz", e com isso, sem perceber, essa entidade anônima vai ganhando uma autoridade quase divina no nosso cotidiano. Como se fosse um conselho de sábios invisíveis que opinam sobre o certo e o errado, o bom e o mau, o que se deve vestir, comer, pensar, postar, sentir.

Mas se pararmos um segundo para perguntar — com a seriedade de uma criança que acabou de descobrir que Papai Noel é o pai usando algodão — quem exatamente é esse todo mundo, a coisa começa a desmoronar. Porque ninguém sabe ao certo. “Todo mundo” nunca se apresenta com CPF, nem com rosto, nem com argumento. Ele age como uma nuvem densa de opiniões acumuladas, que paira sobre nós com o peso da norma.

O anonimato do consenso

Na filosofia social, essa figura pode ser associada ao que o pensador alemão Martin Heidegger chamou de o impessoal — o das Man em alemão. Segundo ele, vivemos muitas vezes no modo de ser do “se faz”, “se pensa”, “se diz”, como se nossas ações fossem conduzidas por um agente neutro e coletivo. Heidegger não está falando de uma pessoa específica, mas de um modo de existência em que deixamos de ser singulares para ser apenas mais um na massa que segue o fluxo. O “todo mundo” é o das Man agindo: ele vive em nós quando não somos nós mesmos.

É nesse espaço indistinto que mora o conforto da aprovação. A sensação de estar alinhado com o que “se espera” nos poupa do risco de errar sozinhos. Por isso tanta gente se agarra a esse ente abstrato: porque pensar diferente, querer diferente ou até ser diferente pode significar sair da sombra segura do todo mundo e encarar a própria solidão.

Todo mundo não cabe em todo mundo

O problema é que esse “todo mundo” costuma excluir mais do que incluir. Ele silencia quem discorda, quem se expressa fora do padrão, quem vive na margem. Quando dizemos “todo mundo está fazendo”, muitas vezes estamos repetindo o que um grupo muito específico, geralmente privilegiado ou mais visível, está fazendo. O resto — a maioria silenciosa, invisível ou ignorada — fica de fora da equação.

Em termos sociológicos, podemos pensar com Pierre Bourdieu, que nos lembra como as práticas sociais carregam distinções. Aquilo que parece ser “universal” geralmente é o gosto de um grupo dominante apresentado como se fosse natural. Então, o "todo mundo" é, muitas vezes, uma ficção construída a partir da norma dominante. O que é todo mundo na zona sul de Porto Alegre pode não ser ninguém no sertão da Bahia.

Desobedecer o todo

Talvez a pergunta mais filosófica seja: precisamos mesmo de um “todo mundo”? Claro, somos seres sociais, desejamos pertencimento, somos construídos pela linguagem do outro. Mas há uma diferença entre viver em relação e viver em submissão. Seguir o “todo mundo” por medo de errar é uma forma sutil de servidão.

A desobediência criativa — como propunha Michel Foucault — pode ser uma forma de existência mais autêntica. É no momento em que duvidamos da voz que fala em nome de todos, que a nossa voz começa a tomar forma. E se ninguém mais estiver dizendo o que você está dizendo, talvez seja exatamente por isso que você precise dizer.

Conclusão desconfortável:

Então, da próxima vez que alguém disser “todo mundo pensa assim”, pergunte com gentileza filosófica: todo mundo quem? Talvez essa pergunta simples já comece a desatar o nó de muitas certezas. E quem sabe, no silêncio entre uma resposta e outra, você encontre um espaço de liberdade — pequeno, mas genuíno — para pensar o que ninguém está pensando ainda. E nesse instante, você deixará de ser “todo mundo” para ser, enfim, alguém.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Impulso de Vida

O impulso de vida é uma força invisível e poderosa, uma espécie de motor interno que nos impele a continuar, mesmo quando tudo parece nos puxar para trás. Esse impulso pode ser observado nas pequenas decisões cotidianas, como levantar da cama em uma manhã difícil, ou nas grandes escolhas de vida, como decidir seguir uma carreira ou formar uma família. A vitalidade que nos mantém em movimento, muitas vezes contra as adversidades, está intimamente ligada à nossa necessidade de crescimento e evolução.

Link de música para reflexão:

https://www.youtube.com/watch?v=1rmA3MGbZZc&list=RDZ3AJFx6-vUA&index=4

Em termos biológicos, o impulso de vida se manifesta no instinto de sobrevivência. Em situações extremas, somos capazes de mobilizar forças que desconhecíamos, seja para fugir de um perigo ou para lutar por algo que acreditamos ser essencial para nossa existência. Mas esse impulso não é apenas uma resposta física; ele também abrange o aspecto psicológico e emocional. As pessoas não se movem apenas para sobreviver, mas para dar sentido às suas vidas, para amar, criar, aprender e explorar novos horizontes.

No cotidiano, esse impulso de vida se revela nas pequenas lutas diárias: resistir à inércia, ao cansaço, às frustrações e até mesmo ao tédio. Por exemplo, uma mãe que cuida de seus filhos em meio a dificuldades financeiras ainda encontra energia para oferecer carinho e presença. Ou o estudante que, mesmo diante de dúvidas sobre seu futuro, continua estudando, acreditando que o conhecimento o levará a algo maior. Essas atitudes mostram como o impulso de vida é uma força que nos mantém conectados à ideia de futuro, de um amanhã em que possamos ser ou ter algo mais.

Comentário de Henri Bergson

Henri Bergson, filósofo francês, trouxe uma importante reflexão sobre o élan vital (impulso vital), que ele descreve como a força criativa que atravessa toda a vida, algo que nos move não apenas no sentido de preservação, mas de constante renovação e criação. Para Bergson, o impulso de vida é o que nos diferencia das máquinas; ele é imprevisível, criativo, e, em certo sentido, transcende a pura lógica.

Segundo Bergson, a vida não segue um caminho linear ou pré-determinado, mas é marcada por um fluxo de mudanças contínuas. Assim como a natureza se reinventa a cada ciclo, os seres humanos são movidos por um desejo de superação e evolução que não se limita a um instinto mecânico de sobrevivência. Para ele, o impulso de vida é uma força dinâmica, que se expressa não apenas na manutenção da existência, mas no ato de se reinventar, seja em um nível pessoal ou coletivo.

Aplicando essa visão ao cotidiano, podemos entender que o impulso de vida nos empurra para além da simples repetição de rotinas. Ele nos impele a buscar novos significados, mesmo em meio a atividades aparentemente banais. A criatividade que Bergson vê como parte essencial do élan vital está presente quando, diante de um problema, encontramos uma solução inesperada, ou quando, em momentos de estagnação, sentimos um desejo repentino de mudança. Assim, o impulso de vida é mais do que sobrevivência; é transformação. Ele é a força que nos faz, não apenas continuar, mas avançar para algo novo, algo mais.

Para trazer uma nova perspectiva ao impulso de vida, podemos recorrer ao pensamento budista, que oferece uma visão mais espiritual e equilibrada dessa força. Thich Nhat Hanh, monge zen-budista vietnamita, é uma figura chave nesse contexto. Sua visão sobre a vida e o impulso vital se baseia no conceito de interser—a ideia de que todos os seres estão interconectados. Para ele, o impulso de vida não é uma força isolada ou individual, mas algo que se enraíza em nossa interdependência com o mundo ao nosso redor.

Comentário de Thich Nhat Hanh

De acordo com Thich Nhat Hanh, o impulso de vida está intimamente ligado à nossa capacidade de viver no momento presente e de nutrir a consciência plena (mindfulness). Ao contrário da visão ocidental de que o impulso de vida é algo que nos empurra para o futuro, o budismo ensina que viver plenamente o presente é o que verdadeiramente alimenta nossa vitalidade.

Ele frequentemente ensina que, ao focarmos no momento presente, estamos em sintonia com a verdadeira natureza da vida, e isso nos permite perceber as forças sutis que nos impulsionam a viver. O simples ato de respirar com atenção plena, de observar uma flor desabrochando ou de prestar atenção ao sabor de uma refeição pode reavivar nosso senso de conexão com a vida. Esse é o impulso de vida na sua forma mais pura: o reconhecimento de que a vida está se manifestando em cada instante, em cada respiração, e que nosso papel é honrá-la com presença.

No cotidiano, isso significa que o impulso de vida não é apenas uma luta para avançar em meio aos desafios, mas também a capacidade de parar, respirar e estar consciente do que é realmente importante. Por exemplo, quando estamos apressados e distraídos com as responsabilidades do dia a dia, o impulso vital pode nos parecer uma pressão constante, uma urgência de fazer e produzir. No entanto, ao aplicar o ensinamento de Thich Nhat Hanh, percebemos que o verdadeiro impulso de vida pode ser nutrido na calma e na presença. Estar totalmente presente em uma tarefa simples, como lavar a louça ou caminhar, pode ser uma forma de revigorar a energia vital, em vez de simplesmente gastar essa energia em correria e ansiedade.

Ao harmonizar a visão de Bergson e Thich Nhat Hanh, entendo que o impulso de vida é tanto uma força criativa e dinâmica quanto uma fonte de profunda tranquilidade. Ele nos impulsiona a criar e crescer, mas também a perceber o valor da quietude e da contemplação.