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quinta-feira, 10 de abril de 2025

Desejos e Desafios

Outro dia, parado num cruzamento enquanto o semáforo piscava no vermelho, me peguei pensando em como nossos desejos se parecem com aqueles carros ansiosos para arrancar. Ficam ali, acelerando por dentro, esperando a menor chance de atravessar o que quer que esteja bloqueando o caminho. Mas, como no trânsito da vida, nem sempre o verde chega na hora que a gente quer. E às vezes, quando chega, a gente descobre que o caminho estava cheio de buracos. Foi aí que me veio essa vontade de escrever sobre desejos e desafios — essa dupla dinâmica que dança dentro da gente, como se fossem dois lados de um mesmo impulso existencial.

Desejo: o motor invisível da existência

O desejo é aquilo que nos move, mesmo quando tudo parece parado. Ele não precisa de lógica, nem de permissão. Desejamos antes mesmo de saber o que é desejar. Um bebê deseja o colo, o calor, o leite — não porque entenda o mundo, mas porque algo nele o empurra pra frente. Assim, o desejo é anterior à razão. É impulso, é chama. É o que nos tira do lugar e nos faz imaginar futuros.

Mas o desejo também nos fragiliza. Ao querer, admitimos falta. O filósofo francês Gilles Deleuze dizia que o desejo é produção, não carência. Ao contrário de Freud, que via o desejo como um vazio a ser preenchido, Deleuze enxergava nele uma força criativa, capaz de inventar caminhos onde antes só havia ausência.

Só que o desejo, por si só, não basta. Ele precisa se confrontar com a realidade — e é aí que surgem os desafios.

Desafio: o chão onde o desejo tropeça (ou aprende a dançar)

Se o desejo é o motor, o desafio é a estrada. Às vezes lisa, às vezes esburacada, cheia de curvas inesperadas. E o que torna um desafio um verdadeiro desafio não é a sua dificuldade objetiva, mas o quanto ele ameaça o nosso desejo. Desejamos amar, mas temos medo de sermos rejeitados. Desejamos criar algo novo, mas enfrentamos o pavor do fracasso. Desejamos mudar de vida, mas não sabemos como sair do piloto automático.

O filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella diz que o desafio é o que dá sabor ao esforço. Sem desafio, o desejo se acomoda, perde vitalidade, vira capricho. É no embate com o obstáculo que o desejo se afina, amadurece, se transforma em vontade. Schopenhauer chamava isso de “vontade de viver”, uma força cega e incessante que nos empurra contra o mundo, mesmo quando ele parece não querer ser empurrado.

A dança entre desejo e desafio

O encontro entre desejo e desafio não é uma batalha, mas uma dança. Às vezes o desejo lidera, às vezes o desafio exige novos passos. O segredo talvez esteja em não se apegar demais a nenhum dos dois. Nem desejar sem limites, nem aceitar o desafio como punição. Há uma sabedoria que se constrói no equilíbrio: desejar o suficiente para sair da inércia, mas enfrentar o desafio com humildade e criatividade.

Nietzsche talvez dissesse que só se torna digno da vida quem abraça seus desejos sem medo e encara seus desafios sem ressentimento. E isso não significa vencer sempre, mas dançar com o que se apresenta, com a leveza de quem sabe que o desejo nunca se apaga — ele apenas muda de forma.

O desejo como direção, o desafio como caminho

No fundo, viver é isso: um desejo que se renova diante dos desafios que se multiplicam. Cada dia é uma chance de reajustar o rumo, como quem recalcula o GPS existencial. E se às vezes o desejo parece ingênuo e os desafios intransponíveis, talvez o truque esteja em lembrar que são justamente esses dois que nos mantêm vivos, atentos, em movimento.

E assim, entre um desejo e outro, entre um desafio e mais um, seguimos — como carros no sinal, esperando o próximo verde, mesmo sabendo que a estrada nunca será perfeita. Mas é nossa. E isso já é um começo.

 


terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Vontade de Potência

O impulso invisível da vida

Já percebeu como algumas pessoas simplesmente irradiam uma energia diferente? Não falo de carisma ou simpatia, mas daquela força que parece impulsioná-las, mesmo quando o mundo joga contra. É como se existisse dentro delas um motor oculto, um desejo de crescer, de afirmar-se, de ser mais. Friedrich Nietzsche chamou isso de Vontade de Potência (Wille zur Macht), e esse conceito mexe com tudo o que entendemos sobre a natureza humana.

Geralmente, pensamos na vida em termos de sobrevivência, prazer ou até de sentido moral, mas Nietzsche rasga essas ideias e nos apresenta algo mais profundo: a vida não busca apenas continuar existindo; ela quer se expandir, se afirmar, se superar. Cada ser não quer apenas viver — quer viver com intensidade.

Para além da sobrevivência: o impulso criador

Diferente de outras filosofias que explicam a ação humana como busca por felicidade ou manutenção do equilíbrio, a Vontade de Potência sugere que o verdadeiro impulso da vida é se superar constantemente. Não estamos aqui apenas para sobreviver ou evitar sofrimento, mas para crescer, criar, desafiar e transformar.

Isso explica muito do que vemos ao nosso redor. O artista que se lança em uma obra ousada, o cientista que desafia verdades estabelecidas, o atleta que quer ultrapassar seus próprios limites – todos são movidos por algo além da mera necessidade de existir. Mesmo as crianças demonstram esse impulso: o bebê que aprende a andar não faz isso porque precisa, mas porque quer dominar o mundo ao seu redor.

Poder, dominação e criação

Aqui, muita gente se confunde. Quando Nietzsche fala em Vontade de Potência, ele não está dizendo que todos querem dominar os outros, no sentido de um tirano que impõe sua vontade. Claro, esse tipo de dominação pode ser uma manifestação da Vontade de Potência, mas não é a única nem a mais interessante. O poder verdadeiro, nesse sentido, não é o que subjuga, mas o que cria.

Nietzsche não via a Vontade de Potência como algo apenas biológico, mas como um princípio fundamental da existência. Não se trata de ser mais forte que o outro, mas de ser mais forte do que se era antes. A superação de si mesmo, a capacidade de transvalorar os próprios valores, de se reinventar – isso é viver com potência.

A Vontade de Potência no dia a dia

Se olharmos bem, esse conceito aparece em situações bem cotidianas. O estudante que, ao invés de se contentar com o básico, quer entender algo profundamente. O trabalhador que não apenas cumpre sua função, mas transforma o ambiente com novas ideias. O idoso que decide aprender um novo idioma.

Por outro lado, quando essa força é negada ou reprimida, caímos na apatia, na conformidade e até no ressentimento. Nietzsche criticava justamente as morais que tentam sufocar essa força vital, pregando resignação, obediência cega ou um conformismo que nega a expansão do indivíduo.

Nietzsche e o convite à grandeza

A ideia de Vontade de Potência é um convite para viver sem medo da própria força, sem se apegar a moralismos que enfraquecem e sem buscar aprovação externa para existir. Nietzsche nos instiga a afirmar a vida em toda a sua intensidade, a criar novos valores e a sermos autores de nossa própria existência.

No fim das contas, a pergunta que fica é: estamos vivendo para evitar quedas ou para desafiar alturas?

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Conseguir Reprimir

Reprimir. Essa palavra que muitas vezes soa pesada e negativa, na verdade, faz parte do nosso dia a dia de formas que nem sempre percebemos. Reprimir é segurar, é controlar, é evitar que algo venha à tona. No cotidiano, isso se manifesta de diversas maneiras, desde a contenção de emoções até a necessidade de segurar os impulsos para se adaptar a diferentes situações. Vamos ver como essa "arte" de reprimir se desenrola em nossas vidas e como ela pode ser particularmente desafiadora em momentos de crise, como durante as enchentes nas quais estamos sendo assolados.

Reprimindo Emoções no Trabalho

Quem nunca teve que reprimir uma emoção forte no ambiente de trabalho? Imagine a cena: você está numa reunião importante, e de repente seu chefe faz uma crítica dura ao seu trabalho. Você sente um nó na garganta, a raiva começa a subir, mas você sabe que não pode se descontrolar. A solução? Respirar fundo, segurar as lágrimas, manter a calma e responder de forma profissional. Reprimir, nesse caso, é essencial para manter a compostura e o respeito no ambiente profissional.

Reprimindo Impulsos no Trânsito

Outro cenário comum é no trânsito. Imagine você, depois de um longo dia de trabalho, preso em um engarrafamento daqueles. O motorista do carro ao lado decide cortar a sua frente sem dar seta. O impulso de buzinar ou xingar é imediato, mas reprimir esse impulso pode evitar uma briga desnecessária e, quem sabe, até um acidente. Nessas horas, respirar fundo e contar até dez faz toda a diferença.

Enchentes: Repressão em Tempos de Crise

Agora, pensemos em um cenário mais crítico: as enchentes. Quando as chuvas chegam fortes e as ruas começam a alagar, muitas emoções e impulsos precisam ser reprimidos para lidar com a situação. A ansiedade e o medo de perder tudo que se construiu são sentimentos reais e avassaladores.

Em meio a uma enchente, uma família pode ser forçada a abandonar sua casa rapidamente. A frustração e a desesperança são palpáveis, mas os pais precisam reprimir essas emoções para manter a calma e dar segurança aos filhos. É um momento em que a força emocional é posta à prova.

Além disso, a repressão de impulsos pode ser vital para a sobrevivência. Por exemplo, ao ver sua casa sendo tomada pela água, o impulso de salvar pertences valiosos é grande. Contudo, muitas vezes, o mais sensato é reprimir esse impulso e priorizar a segurança da família, evacuando o local o mais rápido possível.

Reprimir para Sobreviver

Durante enchentes, os problemas enfrentados são múltiplos: perda de bens materiais, risco de doenças, necessidade de abrigos temporários e a incerteza do futuro. Reprimir emoções negativas como desespero e pânico pode ser crucial para tomar decisões racionais e seguras.

Os serviços de emergência também lidam com a repressão. Bombeiros e voluntários muitas vezes reprimem seu próprio medo e cansaço para resgatar pessoas e animais em perigo. A repressão, nesse contexto, se torna uma ferramenta de sobrevivência e proteção.

Reprimir é uma habilidade que, quando bem utilizada, pode ajudar a manter a ordem e a segurança em diversas situações do cotidiano. Desde pequenos incômodos no dia a dia até grandes crises como as enchentes, saber reprimir emoções e impulsos pode ser a diferença entre o caos e a calma, entre o perigo e a segurança.

Mas é importante lembrar que a repressão constante e não saudável de emoções pode levar a problemas psicológicos. Portanto, encontrar formas saudáveis de lidar com essas emoções reprimidas, como conversando com amigos ou buscando ajuda profissional, é essencial para manter o equilíbrio emocional e a saúde mental. Reprimir é uma arte. Saber quando e como usar essa habilidade pode fazer toda a diferença em nossas vidas, especialmente em momentos de adversidade.