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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O Sectário

Outro dia, numa conversa solta no cafezinho, alguém mencionou aquele colega do trabalho que "tem resposta pra tudo" e não aceita nenhum argumento que desafie suas convicções. Rimos, mas logo a conversa ficou séria: "Essas pessoas vivem num mundo próprio, né?" – alguém comentou. Pois bem, esse é o mundo do sectário.

O sectário é aquele que se fecha dentro de uma bolha ideológica, religiosa ou filosófica, sem permitir rachaduras por onde a dúvida possa entrar. Diferente do cético, que questiona tudo, o sectário já tem sua verdade pronta e inviolável. Ele não investiga, não pondera; apenas confirma o que já acredita. É a mentalidade da trincheira, onde qualquer ideia contrária é vista como um ataque pessoal.

O Conforto da Certeza

A mente sectária floresce no terreno do conforto. O mundo é um lugar confuso, cheio de contradições e ambiguidades. Para muitos, isso é angustiante. A saída? Abraçar uma doutrina que explique tudo, sem brechas para questionamentos. Como dizia Ortega y Gasset, "as ideias se têm; nas crenças se está". O sectário não tem apenas ideias – ele habita suas crenças, como quem mora dentro de uma fortaleza.

Isso tem um efeito curioso: o sectário não pensa, apenas reage. Se lhe apresentam um argumento contrário, sua resposta não é reflexão, mas defesa automática. É a mente encapsulada, blindada contra qualquer experiência que possa desmontar sua visão de mundo.

O Medo do Desconhecido

A raiz do sectarismo não é apenas orgulho ou teimosia, mas medo. Questionar crenças profundas é como puxar um fio solto num tapete: há o risco de tudo se desfazer. Assim, o sectário evita o contato com ideias diferentes e busca apenas confirmações. Ele lê os mesmos autores, frequenta os mesmos círculos, ouve as mesmas vozes. É uma forma de evitar a vertigem do desconhecido.

Platão, na "Alegoria da Caverna", já falava disso: os prisioneiros acorrentados na caverna não apenas desconhecem a luz do sol, mas temem sair para vê-la. Melhor permanecer na segurança da penumbra do que enfrentar a incerteza. O sectário é um desses prisioneiros, mas com um detalhe importante: ele acredita que já viu a luz e que qualquer um que diga o contrário está enganado.

O Perigo do Sectarismo

O grande problema do sectário não é apenas sua rigidez, mas o impacto que isso tem sobre os outros. Ele se torna intolerante, agressivo e incapaz de diálogo. O mundo, para ele, se divide entre "os que sabem" (ele e os seus) e "os que estão errados" (todos os outros). O sectarismo é a raiz dos extremismos, dos conflitos insolúveis e da fragmentação social.

Maurice Merleau-Ponty dizia que "a verdade não está nem do lado de cá nem do lado de lá, mas em um movimento de ir e vir". Isso é tudo o que o sectário não quer: movimento. Ele quer solidez, quer certezas esculpidas em pedra. Mas o pensamento verdadeiro não é uma rocha, e sim um rio: flui, se adapta, se renova.

Um Caminho para a Liberdade

O antídoto para o sectarismo não é simplesmente aceitar qualquer ideia, mas manter a mente aberta e curiosa. Reconhecer que toda verdade pode ser ampliada, que toda certeza pode conter erros. É difícil, pois exige humildade e coragem – coragem para sair da caverna e enfrentar a luz, mesmo que ela doa nos olhos.

O sectário vive aprisionado em sua própria fortaleza mental. O que ele não percebe é que, do lado de fora, existe um mundo muito maior, cheio de nuances e possibilidades. E talvez, só talvez, sair dessa bolha não seja um risco, mas uma libertação.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Plausível e Implausível

Quando ouvimos algo novo ou extraordinário, nosso primeiro reflexo é julgar: "Isso faz sentido?" O plausível, no fundo, é uma espécie de conforto intelectual. Ele se apresenta como o que parece lógico, aceitável ou encaixado nas molduras da nossa compreensão. Por outro lado, o implausível é o território do estranho, do disruptivo, o que desafia nossos mapas mentais. Mas será que o implausível é sempre o oposto da verdade?

Lembro de uma conversa com um amigo que contava como viu alguém no mercado equilibrar uma pilha enorme de itens no carrinho sem nada cair. Era implausível, mas real. A narrativa nos leva a pensar: o que determina se algo é plausível ou não? São os nossos limites, as experiências acumuladas ou algo mais profundo, quase invisível, que guia nossas crenças?

A Conexão com a Experiência

O plausível está enraizado em nossa experiência. Aquilo que vemos, tocamos ou repetimos frequentemente é aceito como real. Por isso, ouvir que uma pessoa pode trabalhar 16 horas por dia e ainda encontrar tempo para a família soa plausível, enquanto a ideia de alguém meditar por dias sem comer nos parece implausível, embora existam registros históricos e culturais que provem o contrário.

Maurice Merleau-Ponty, filósofo francês, argumentava que a percepção é um ato de co-criação entre nós e o mundo. O que nos parece plausível é, em grande parte, moldado pelo corpo e pelo contexto. Nosso entendimento do mundo não é absoluto; ele se constrói em interação com o que vivemos. Assim, o plausível não é uma verdade fixa, mas um reflexo das nossas experiências acumuladas.

Quando o Implausível Torna-se Real

O implausível, apesar de desconfortável, é o motor da mudança. Pense em ideias que foram rejeitadas no passado: a Terra redonda, os germes invisíveis que causam doenças, ou a possibilidade de enviar mensagens instantâneas a milhares de quilômetros. Em cada uma dessas situações, o implausível desafiou o plausível e, eventualmente, transformou o mundo.

Nietzsche certa vez disse que "as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." O implausível, ao desafiar nossas convicções, pode abrir espaço para novas verdades. Não é um acaso que as inovações frequentemente nascem da resistência àquilo que parece óbvio.

Plausível e Implausível no Cotidiano

Na vida diária, os limites entre plausível e implausível são mais tênues do que imaginamos. Acreditar em uma segunda chance, na bondade espontânea de um estranho ou na possibilidade de mudar de carreira aos 50 anos muitas vezes desafia a lógica do senso comum. Ainda assim, essas coisas acontecem.

É aqui que a filosofia entra como um farol. Ela nos convida a suspender julgamentos rápidos e explorar os porquês. Será que rotulamos algo como implausível porque ele realmente não faz sentido, ou porque nos falta coragem para reconsiderar nossas crenças?

O plausível e o implausível não são opostos absolutos; eles dançam na intersecção da nossa percepção, experiência e imaginação. O que hoje é plausível foi, um dia, implausível. E o que parece implausível agora pode ser a verdade de amanhã.

Talvez, ao invés de tentar categorizar o mundo em caixas seguras, devêssemos nos permitir abraçar o desconforto do incerto. Porque é nele, nesse território aparentemente inóspito do implausível, que a humanidade encontra o seu próximo passo.


quarta-feira, 15 de maio de 2024

Espaços em Branco

No turbilhão da vida cotidiana, somos frequentemente confrontados com espaços em branco - momentos de vazio, silêncio e pausa que parecem se interpôr em nossas atividades frenéticas. Esses espaços aparentemente vazios são, no entanto, portadores de uma riqueza de significado que muitas vezes passa despercebida. Neste artigo vamos mergulhar de maneira informal nesse conceito intrigante, explorando-o sob uma luz filosófica, enquanto tecemos narrativas do cotidiano.

Imagine-se em um café aconchegante, a xícara de café quente aquecendo suas mãos enquanto você observa a chuva cair lá fora. É nesses momentos de contemplação tranquila que os espaços em branco se revelam. Por um instante, o tempo parece desacelerar, convidando-nos a refletir sobre nossas vidas e o mundo ao nosso redor.

Para nos guiar nessa reflexão, recorremos a um dos grandes filósofos existencialistas, Jean-Paul Sartre. Em sua obra magistral "O Ser e o Nada", Sartre explora a noção de "nada" como uma parte essencial da existência humana. Para Sartre, é no confronto com o vazio que somos confrontados com nossa liberdade e responsabilidade. Os espaços em branco, então, tornam-se arenas para a criação de significado e autenticidade.

No entanto, nem todos os espaços em branco são acolhidos de braços abertos. Considere aqueles momentos desconfortáveis de silêncio em uma conversa, quando as palavras parecem fugir de nós e somos confrontados com o vazio do não dito. Aqui, podemos recorrer às palavras do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty. Em sua fenomenologia da linguagem, Merleau-Ponty sugere que o silêncio não é simplesmente a ausência de palavras, mas uma forma de comunicação carregada de significado. Esses espaços em branco na conversa podem ser oportunidades para uma compreensão mais profunda e uma conexão autêntica com o outro.

Sabe, também há aqueles momentos em que você está com um amigo, e mesmo sem trocar uma palavra, a conexão parece mais forte do que nunca? Tipo, vocês estão lá, caminhando lado a lado, e o silêncio entre vocês é como uma música suave que só vocês dois entendem. Não precisa de palavras, só a presença um do outro já é o suficiente. É como se vocês estivessem sintonizados na mesma frequência, compartilhando pensamentos e sentimentos sem nem mesmo abrir a boca. E cara, é incrível como esses momentos de silêncio podem ser tão poderosos, tão reconfortantes. É como se toda a bagagem emocional pudesse ser compreendida sem precisar ser dita em voz alta. É uma espécie de dança muda entre almas, uma troca de energia que não precisa de tradução.

Além das interações humanas, os espaços em branco permeiam também nosso relacionamento com o mundo natural. Pense em um campo vasto estendendo-se até o horizonte, onde o céu encontra a terra em um abraço silencioso. Nessas paisagens serenas, encontramos uma beleza que transcende as palavras, convidando-nos a contemplar o mistério e a maravilha da existência.

E o que dizer dos espaços em branco em nossas próprias mentes? Os momentos de quietude interior, onde nossos pensamentos se aquietam e somos confrontados com a essência de nossa própria consciência. Aqui, podemos encontrar ressonância nas palavras de Alan Watts, o renomado filósofo zen, que nos lembra que, no silêncio da mente, reside a fonte de toda a criatividade e insight.

Em última análise, os espaços em branco são mais do que simples lacunas em nossas vidas cotidianas; são portais para a reflexão, conexão e transcendência. À medida que navegamos pelas águas tumultuadas da existência, é importante lembrar que, às vezes, é nos espaços vazios que encontramos plenitude e significado verdadeiro.

Então, da próxima vez que se deparar com um momento de silêncio ou vazio, permita-se abraçar o espaço em branco e mergulhar nas profundezas da sua própria existência. Quem sabe que insights e descobertas aguardam na quietude desses momentos aparentemente simples? 

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Bastidores da Expressão

 

Mandala

Quantas vezes nos pegamos tentando articular pensamentos, sentimentos ou experiências, apenas para nos darmos conta de que há algo que escapa às palavras? Em um daqueles momentos de reflexão, percebi que nem tudo o que experimentamos pode ser encaixado confortavelmente em frases ou parágrafos, nem mesmo nos confins da nossa imaginação. Parece que existe um vasto território do inexprimível, um lugar onde as palavras hesitam, as canetas vacilam e até mesmo a mente dá um passo atrás, admitindo humildemente: "Isso está além de mim."

Pensando a respeito dos limites resolvi ingressar nesta jornada de reflexões e tentar caminhar pelos meandros desse terreno intrigante, onde o silêncio muitas vezes fala mais alto do que as palavras e onde a expressão completa da nossa experiência escapa ao alcance dos nossos esforços verbais. De fato, é um desafio de comunicar o inefável, de abraçar a beleza e a complexidade que residem nos limites da linguagem, escrita e até mesmo do pensamento. É uma viagem rumo ao desconhecido, onde as palavras são apenas guias e o inexprimível é o verdadeiro protagonista.

A ideia de escrever a respeito deste tema surgiu a partir da expressão que me veio à mente quando tentava escrever sobre pensamentos oriundos de um episódio: "nem tudo pode ser escrito" sugere que há aspectos da experiência humana ou da realidade que não podem ser expressos completamente por meio da linguagem escrita. Isso pode se referir a sentimentos profundos, experiências subjetivas, ou elementos complexos que escapam à capacidade das palavras de transmitir totalmente. A linguagem escrita é uma ferramenta poderosa, mas tem suas limitações. Algumas experiências são tão pessoais, sutis ou transcendentes que não podem ser totalmente capturadas por palavras. Além disso, há situações em que a comunicação não verbal, como expressões faciais, gestos e tom de voz, desempenha um papel crucial na transmissão de significado.

Essa ideia também pode apontar para o fato de que a linguagem é sempre uma representação e, portanto, pode haver lacunas entre o que é expresso e a totalidade da experiência. Em alguns contextos, as limitações da linguagem podem levar a mal-entendidos ou a uma falta de comunicação completa. A expressão destaca a complexidade da comunicação e a incapacidade da linguagem escrita de abranger completamente todos os aspectos da experiência humana.

Se acrescentarmos "nem tudo pode ser dito" à expressão "nem tudo pode ser escrito", estamos ampliando a ideia para além da forma escrita da linguagem e reconhecendo que há limitações na comunicação verbal em geral. Isso sugere que nem toda experiência, sentimento ou conhecimento pode ser completamente expresso por meio de palavras faladas ou articuladas.

Essa ampliação da ideia encontra eco em filósofos que também exploraram as limitações da linguagem falada, além da escrita, como Ludwig Wittgenstein, Martin Heidegger e Jacques Derrida, abordaram questões relacionadas à fala e à oralidade. Adicionar "nem tudo pode ser dito" à equação destaca a complexidade da comunicação verbal e as barreiras que enfrentamos ao tentar compartilhar experiências profundas, subjetivas ou complexas. Além disso, filósofos que se dedicaram à fenomenologia e à hermenêutica, como Jean-Paul Sartre e Hans-Georg Gadamer, também exploraram as nuances da comunicação verbal e as maneiras pelas quais a compreensão é influenciada pelo contexto, pela interpretação e pela experiência subjetiva. Então ao considerarmos "nem tudo pode ser dito" em conjunto com "nem tudo pode ser escrito", estamos destacando as limitações gerais da linguagem, independentemente de sua forma, ao tentar abranger toda a complexidade da experiência humana.

Seguindo adiante, se adicionarmos a ideia de "nem tudo pode ser pensado" à expressão "nem tudo pode ser escrito" e "nem tudo pode ser dito", estamos expandindo ainda mais a compreensão das limitações humanas na representação e compreensão completa da realidade. Isso sugere que há aspectos da existência, experiência e conhecimento que estão além da capacidade do pensamento humano de apreender totalmente. Essa adição à expressão reflete uma perspectiva que vai além das limitações das formas de comunicação externas, como a linguagem escrita e falada, para incluir as próprias limitações do pensamento humano. Essa abordagem encontra eco em algumas correntes filosóficas, como a fenomenologia, que destaca a importância da experiência direta e imediata que não pode ser totalmente reduzida a conceitos ou pensamentos.

Filósofos como Martin Heidegger e Maurice Merleau-Ponty, dentro da tradição fenomenológica, exploraram a natureza da experiência pré-linguística e pré-conceitual, enfatizando que a compreensão não é apenas uma questão de pensamento, mas também envolve a totalidade da nossa relação com o mundo. Por outro lado, ao incorporarmos "nem tudo pode ser pensado" à expressão ressalta a humildade epistêmica, reconhecendo que há mistérios, complexidades ou dimensões da realidade que podem estar além da capacidade total de apreensão do pensamento humano. Isso também pode ecoar ideias presentes em correntes filosóficas orientais, como o taoísmo, que muitas vezes destacam a importância da experiência direta e intuitiva que transcende as categorias do pensamento.

Em um mundo onde a comunicação se desdobra em palavras, expressões faciais, gestos e pensamentos, ainda nos deparamos com o desafio de transmitir plenamente a complexidade da experiência humana. A frase "nem tudo pode ser escrito, nem tudo pode ser dito, nem tudo pode ser pensado" nos convida a irmos além das limitações das palavras, explorando os territórios misteriosos da linguagem, da oralidade e, inclusive, dos limites do próprio pensamento. De maneira resumida vou buscar apoio em filósofos brilhantes que pensaram a respeito do tema e ver o que eles têm a nos dizer.

"O Silêncio da Escrita", comecemos pelas palavras escritas, onde Ludwig Wittgenstein nos alerta para o silêncio que paira sobre aquilo que transcende a capacidade da linguagem de descrever. Ao mergulhar nas páginas de "Tractatus Logico-Philosophicus", somos instigados a refletir sobre as fronteiras da escrita, onde o inexprimível se manifesta e desafia nossa compreensão convencional.

"A Dança da Oralidade" Ao adicionar "nem tudo pode ser dito" à equação, expandimos nossa exploração para a oralidade. Martin Heidegger nos convida a dançar no espaço entre as palavras faladas, onde a linguagem muitas vezes obscurece o verdadeiro significado das coisas. Poderia a verdade se esconder no não dito? Essa seção nos convida a refletir sobre os espaços vazios entre as palavras e a riqueza do não verbal na comunicação humana.

"Além dos Limites do Pensamento" Agora, elevemos nosso olhar para além das fronteiras do pensamento. Maurice Merleau-Ponty nos guia através da experiência pré-conceitual, desafiando a noção de que tudo pode ser pensado. Nesse reino, a compreensão transcende a lógica, abraçando a totalidade da experiência sensorial e direta que escapa à categorização do pensamento.

Em nossa caminhada através da escrita, da oralidade e do pensamento, percebemos que a busca pela expressão completa da experiência humana é uma viagem interminável. Ao abraçarmos as limitações da linguagem e do pensamento, encontramos um convite para contemplar o mistério e a complexidade que residem para além das palavras. Afinal, é na aceitação do inexprimível que talvez descubramos as verdadeiras nuances da nossa existência. Tudo se complica ainda mais pela complexidade do ser humano em seu processo de humanização que vai se construindo até o “derradeiro” momento de sua morte, sua última experiência a ser vivida, depois disto para escrever sobre ela em seu desenlace, só numa reunião mediúnica.