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sábado, 15 de fevereiro de 2025

Princípio da Arrogância

Se tem uma coisa que o tempo ensina, é que a arrogância sempre chega antes da queda. Mas, por algum motivo, continuamos a tropeçar nela. Sabe aquele colega que fala com a certeza de um profeta, como se carregasse a verdade universal no bolso? Ou o amigo que não ouve ninguém porque já decidiu que só ele entende do assunto? Pois é. Esse tipo de postura parece ser quase um princípio regente da humanidade: a crença exagerada na própria infalibilidade. E isso não acontece apenas no nível individual; vemos esse fenômeno na política, na ciência, na cultura e até nas pequenas interações cotidianas. Mas o que está por trás desse princípio da arrogância?

A arrogância nasce da ilusão de controle e conhecimento absoluto. Como observou Sócrates, a verdadeira sabedoria está em reconhecer a própria ignorância. Mas, paradoxalmente, quanto menos uma pessoa sabe, mais tende a achar que sabe tudo. O chamado efeito Dunning-Kruger explica isso bem: indivíduos com pouca competência em determinado tema tendem a superestimar seu próprio conhecimento, enquanto os mais experientes frequentemente têm humildade para reconhecer o quanto ainda ignoram.

No campo filosófico, a arrogância tem raízes profundas. Nietzsche, por exemplo, alertava sobre os perigos da vontade de poder que cega o indivíduo e o faz acreditar que pode definir unilateralmente o que é verdade. O problema não está na busca pela verdade, mas na ilusão de que já a possuímos por completo. Da mesma forma, Kant argumentava que o conhecimento humano é limitado pelas estruturas da própria mente, sendo impossível acessar a "coisa em si", ou seja, a realidade pura e objetiva. A arrogância, nesse sentido, é um engano duplo: presume-se não apenas que se conhece, mas que se conhece sem limites.

O princípio da arrogância também se reflete na sociedade contemporânea, onde a opinião virou mercadoria e a certeza virou moeda de troca. Nas redes sociais, por exemplo, a humildade intelectual é quase um defeito. Quem titubeia, pondera ou revisa suas próprias ideias perde espaço para quem brada certezas inabaláveis. Mas essa necessidade de parecer certo o tempo todo não é apenas uma questão de ego; ela se alimenta da ansiedade de um mundo hiperconectado, onde admitir dúvida pode parecer fraqueza.

Como escapar desse princípio? A resposta passa, inevitavelmente, por um compromisso radical com a humildade intelectual. Isso não significa submissão ou relativismo absoluto, mas um reconhecimento sincero de que nosso conhecimento sempre será parcial. Um bom antídoto contra a arrogância é a curiosidade: questionar mais, ouvir mais, e duvidar mais de nossas certezas. Como dizia Montaigne, "só sei que nada sei", mas ao menos isso já é um começo.

No fim das contas, a arrogância é um paradoxo: ela tenta nos fazer parecer mais fortes, mas nos torna mais frágeis. E, assim como Ícaro, que voou alto demais, a queda é apenas uma questão de tempo.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Industria Cultural

A cultura, com suas expressões artísticas, deveria ser um espaço livre, um reflexo da alma humana em suas mais variadas formas. Mas, olhando ao redor, a impressão é de que algo se perdeu. Um filme que deveria tocar em questões profundas se transforma em um blockbuster. Uma música que poderia emocionar acaba sendo uma fórmula repetida, feita para vender. A arte parece cada vez mais submetida às leis do mercado. E assim surge a questão: a arte ainda é arte, ou virou mercadoria? É aqui que a ideia de “indústria cultural” se insere, trazendo à tona discussões sobre a mercantilização da cultura e da arte.

A crítica ao fenômeno da indústria cultural tem raízes no pensamento da Escola de Frankfurt, particularmente em Theodor Adorno e Max Horkheimer. Eles defendiam que, na sociedade capitalista, a cultura se transformou em mercadoria, com seus produtos sendo moldados pelo desejo de lucro e pela lógica de produção em massa. Para Adorno, a cultura, antes um espaço de emancipação e reflexão crítica, tornou-se parte de uma engrenagem maior, onde o entretenimento anestesia as massas, privando-as da capacidade de pensar criticamente sobre suas realidades.

O conceito de indústria cultural denuncia esse processo de transformação da arte e da cultura em produtos comercializáveis, moldados para serem consumidos de forma rápida, superficial e massificada. Um exemplo claro disso está na música pop, onde a repetição de fórmulas comerciais garante que a canção seja “pegajosa” o suficiente para gerar lucro. As letras, muitas vezes, são rasas e repetitivas, feitas para tocar em qualquer rádio, em qualquer lugar, com o objetivo principal de vender discos, gerar streams ou lotar shows. O artista, por vezes, se torna apenas mais uma peça da máquina.

Essa transformação também ocorre no cinema. Ao invés de promover o pensamento crítico, muitos filmes de grande orçamento são feitos para agradar o público, sem grandes riscos, com fórmulas narrativas seguras, como os infinitos remakes e sequências de filmes de super-heróis. A arte, que poderia ser um espelho para a sociedade, torna-se um produto que devolve a mesma imagem sempre igual, reforçando estereótipos e padrões que perpetuam o sistema.

É claro que, nem todo produto da cultura de massa é desprovido de valor. No entanto, a crítica principal é que, na busca por agradar a todos, a arte perde sua capacidade de confrontar, de questionar, de incomodar. Quando o lucro se torna o objetivo final, a cultura perde seu poder transformador.

O sociólogo brasileiro Laymert Garcia dos Santos comenta que essa mercantilização faz parte de um processo maior de alienação social, onde as pessoas consomem cultura sem refletir sobre o que estão recebendo. Para ele, o problema está na ausência de uma perspectiva crítica sobre o que é consumido. O que a indústria cultural faz é criar um sistema onde o consumo acontece de forma automática, quase sem questionamento. E assim, as pessoas se entretêm, mas não necessariamente se enriquecem culturalmente.

Isso não quer dizer que não haja resistências. Artistas independentes, movimentos culturais marginais e formas de arte alternativa tentam fugir dessa lógica, buscando novas maneiras de expressão. No entanto, a força da indústria cultural é avassaladora. As obras que escapam desse molde mercadológico muitas vezes encontram dificuldades em atingir grandes audiências, justamente por não se encaixarem no formato estabelecido.

O desafio é grande: como recuperar o poder da cultura e da arte em um mundo onde tudo é mercadoria? Talvez a resposta esteja em resgatar a arte como forma de questionamento e de desconstrução da realidade. Afinal, a arte deveria nos desestabilizar, e não nos confortar sempre da mesma forma.