A cultura, com suas expressões artísticas, deveria ser um espaço livre, um reflexo da alma humana em suas mais variadas formas. Mas, olhando ao redor, a impressão é de que algo se perdeu. Um filme que deveria tocar em questões profundas se transforma em um blockbuster. Uma música que poderia emocionar acaba sendo uma fórmula repetida, feita para vender. A arte parece cada vez mais submetida às leis do mercado. E assim surge a questão: a arte ainda é arte, ou virou mercadoria? É aqui que a ideia de “indústria cultural” se insere, trazendo à tona discussões sobre a mercantilização da cultura e da arte.
A
crítica ao fenômeno da indústria cultural tem raízes no pensamento da Escola de
Frankfurt, particularmente em Theodor Adorno e Max Horkheimer. Eles defendiam
que, na sociedade capitalista, a cultura se transformou em mercadoria, com seus
produtos sendo moldados pelo desejo de lucro e pela lógica de produção em
massa. Para Adorno, a cultura, antes um espaço de emancipação e reflexão
crítica, tornou-se parte de uma engrenagem maior, onde o entretenimento
anestesia as massas, privando-as da capacidade de pensar criticamente sobre
suas realidades.
O
conceito de indústria cultural denuncia esse processo de transformação da arte
e da cultura em produtos comercializáveis, moldados para serem consumidos de
forma rápida, superficial e massificada. Um exemplo claro disso está na música
pop, onde a repetição de fórmulas comerciais garante que a canção seja
“pegajosa” o suficiente para gerar lucro. As letras, muitas vezes, são rasas e
repetitivas, feitas para tocar em qualquer rádio, em qualquer lugar, com o
objetivo principal de vender discos, gerar streams ou lotar shows. O artista,
por vezes, se torna apenas mais uma peça da máquina.
Essa
transformação também ocorre no cinema. Ao invés de promover o pensamento
crítico, muitos filmes de grande orçamento são feitos para agradar o público,
sem grandes riscos, com fórmulas narrativas seguras, como os infinitos remakes
e sequências de filmes de super-heróis. A arte, que poderia ser um espelho para
a sociedade, torna-se um produto que devolve a mesma imagem sempre igual,
reforçando estereótipos e padrões que perpetuam o sistema.
É
claro que, nem todo produto da cultura de massa é desprovido de valor. No
entanto, a crítica principal é que, na busca por agradar a todos, a arte perde
sua capacidade de confrontar, de questionar, de incomodar. Quando o lucro se
torna o objetivo final, a cultura perde seu poder transformador.
O
sociólogo brasileiro Laymert Garcia dos Santos comenta que essa mercantilização
faz parte de um processo maior de alienação social, onde as pessoas consomem
cultura sem refletir sobre o que estão recebendo. Para ele, o problema está na
ausência de uma perspectiva crítica sobre o que é consumido. O que a indústria
cultural faz é criar um sistema onde o consumo acontece de forma automática,
quase sem questionamento. E assim, as pessoas se entretêm, mas não
necessariamente se enriquecem culturalmente.
Isso
não quer dizer que não haja resistências. Artistas independentes, movimentos
culturais marginais e formas de arte alternativa tentam fugir dessa lógica,
buscando novas maneiras de expressão. No entanto, a força da indústria cultural
é avassaladora. As obras que escapam desse molde mercadológico muitas vezes
encontram dificuldades em atingir grandes audiências, justamente por não se
encaixarem no formato estabelecido.
O
desafio é grande: como recuperar o poder da cultura e da arte em um mundo onde
tudo é mercadoria? Talvez a resposta esteja em resgatar a arte como forma de
questionamento e de desconstrução da realidade. Afinal, a arte deveria nos
desestabilizar, e não nos confortar sempre da mesma forma.