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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Indulgência do Desprezo


Há quem despreze com uma fúria seca, com olhos que cortam e palavras que anulam. Mas existe um desprezo mais sutil, mais perigoso talvez: o desprezo indulgente. Aquele que vem disfarçado de compreensão, que estende a mão não para ajudar, mas para lembrar que você está abaixo.

É o desprezo que sorri. Que diz “coitado” com um tom de piedade que escorre arrogância. Que ouve, balança a cabeça com compaixão e responde: “eu entendo, você não sabe o que está fazendo.” A indulgência do desprezo é elegante, educada, afável até. Não grita nem briga. Apenas olha de cima, com um certo carinho distante, como quem observa um animal exótico tentando entender o mundo.

No trabalho, pode vir na forma daquele elogio enviesado: “Você até que se saiu bem, considerando suas limitações.” Nas relações afetivas, aparece quando alguém diz: “Você é assim mesmo, né? Não dá pra esperar muito.” É um gesto que protege a si mesmo da culpa e ao outro da dignidade. Uma absolvição que não liberta — apenas mantém a distância segura entre “eu” e “você”.

No fundo, a indulgência do desprezo é um jeito polido de manter hierarquias invisíveis. É dizer: eu tolero você, porque sei que não pode ser melhor. E, ironicamente, é essa tolerância que mais humilha. Porque o desprezo direto ainda dá ao outro a chance de reagir. Já o indulgente... te coloca num canto e passa a mão na sua cabeça, como quem consola uma criança que nunca vai crescer.

Simone Weil dizia que “a atenção verdadeira é uma forma rara de generosidade”. E talvez o desprezo indulgente seja o contrário exato disso: uma falsa generosidade que recusa a ver o outro como igual, como alguém capaz de mudar, errar, tentar de novo — sem precisar ser tratado como inferior.

A indulgência do desprezo é traiçoeira porque parece bondade. Mas é apenas vaidade disfarçada de empatia. E talvez o antídoto para ela seja o silêncio atento, a escuta sincera, e a coragem de não se colocar acima — nem quando se tem razão.