Há
quem despreze com uma fúria seca, com olhos que cortam e palavras que anulam.
Mas existe um desprezo mais sutil, mais perigoso talvez: o desprezo indulgente.
Aquele que vem disfarçado de compreensão, que estende a mão não para ajudar,
mas para lembrar que você está abaixo.
É
o desprezo que sorri. Que diz “coitado” com um tom de piedade que escorre
arrogância. Que ouve, balança a cabeça com compaixão e responde: “eu entendo,
você não sabe o que está fazendo.” A indulgência do desprezo é elegante,
educada, afável até. Não grita nem briga. Apenas olha de cima, com um certo
carinho distante, como quem observa um animal exótico tentando entender o
mundo.
No
trabalho, pode vir na forma daquele elogio enviesado: “Você até que se saiu
bem, considerando suas limitações.” Nas relações afetivas, aparece quando
alguém diz: “Você é assim mesmo, né? Não dá pra esperar muito.” É um gesto que
protege a si mesmo da culpa e ao outro da dignidade. Uma absolvição que não
liberta — apenas mantém a distância segura entre “eu” e “você”.
No
fundo, a indulgência do desprezo é um jeito polido de manter hierarquias
invisíveis. É dizer: eu tolero você, porque sei que não pode ser melhor.
E, ironicamente, é essa tolerância que mais humilha. Porque o desprezo direto
ainda dá ao outro a chance de reagir. Já o indulgente... te coloca num canto e
passa a mão na sua cabeça, como quem consola uma criança que nunca vai crescer.
Simone
Weil
dizia que “a atenção verdadeira é uma forma rara de generosidade”. E talvez o
desprezo indulgente seja o contrário exato disso: uma falsa generosidade que
recusa a ver o outro como igual, como alguém capaz de mudar, errar, tentar de
novo — sem precisar ser tratado como inferior.
A
indulgência do desprezo é traiçoeira porque parece bondade. Mas é apenas
vaidade disfarçada de empatia. E talvez o antídoto para ela seja o silêncio
atento, a escuta sincera, e a coragem de não se colocar acima — nem quando se
tem razão.