Ao contrário do que muitos pensam, o céu e o inferno não nos aguardam no futuro, na verdade estamos nós, diariamente vivenciando um ou outro neste eterno presente, nisto nada há de esotérico, há na verdade a convivência com as realidades, a realidade de cada um com sua maneira de agir e reagir.
Os termos “céu” e “inferno” em princípio parecem dramáticos demais, não penso assim, a vida é como é, a todo momento vivemos na dicotomia, basta o olhar atento para que nos sintamos de um jeito ou outro, e vemos isto impresso na fisionomia e em nossas atitudes e nas atitudes dos outros.
Prova do que falo está na posição política de cada um, cada vez que houve noticia do partido contrário, são envolvidos por uma aura de ódio, indo do céu ao inferno em segundos, porque isto acontece?
Alguns dirão que o ser humano é assim mesmo, o ser humano, ele vai do amor ao ódio numa fração de segundos, veja quando uma pessoa ora ama e ora odeia, basta pisar em seu calo.
William Congreve, dramaturgo e poeta inglês do século XVII, já nos dizia que “Não há no céu fúria comparável ao amor transformado em ódio, nem há no inferno ferocidade como a de uma mulher desprezada”, aqui o assunto ficou ainda mais sério, afinal o desprezo é um péssimo sentimento, e em qualquer situação, agir com repulsa é tentar levar o outro ao inferno, isto não é muito difícil quando a auto estima estiver em baixa, pisar no calo é uma metáfora que tem um amplo uso, neste caso, se aplica muito bem, o calo é fazer desdém do outro, a falta de estima, repulsa, o desprezo pode ser demolidor, as consequências podem ser graves, sabemos nós que a toda consequência há uma causa, assim como a toda causa há uma consequência.
Sartre é autor da frase “O inferno são os outros”, a afirmação é dita por uma das personagens da peça de teatro Huis clos (Entre quatro paredes, na tradução brasileira), do francês Jean-Paul Sartre, escrita em 1945. Nela, duas mulheres e um homem encontram-se no inferno, condenados a permanecer para sempre juntos, “entre quatro paredes”. Em uma entrevista, o dramaturgo e filósofo contou que a inspiração para a criação do texto surgiu de uma situação real: ele resolveu escrever uma peça para três amigos seus, atores, mas não queria que nenhum personagem tivesse mais destaque do que o outro. Então pensou: “Como mantê-los sempre juntos em cena?”, indagação que trouxe a ideia de colocá-los presos no inferno, de modo que cada uma das figuras cênicas agisse como carrasco das outras duas. O ser humano é absolutamente livre, porem nada é tão fácil assim, precisamos um do outro para nos autoconhecermos, funciona como um espelho, ao trazer a célebre expressão, a peça de Sartre pondera que o outro, na verdade, é fundamental para o conhecimento de si mesmo. Isto é, o ser humano necessita relacionar-se com o outro para construir a sua identidade, processo nem sempre tranquilo e harmonioso.
O grupo de rock brasileiro Titãs, inspirado na frase, compôs uma música intitulada exatamente “O inferno são os outros”, e que tem o seguinte refrão:
O paraíso é para todos
O problema não sou eu
O inferno são os outros, o inferno são os outros.
As vezes precisamos ser sacudidos para percebermos o que um ou outro significam, e como nossas emoções agem quando resolvemos tomar uma ou outra posição mental, seja sendo o autor ou a vítima, neste conto budista podemos ter uma ideia.
Um grande samurai uma vez foi visitar um pequeno monge:
“Monge!”
Ele disse de forma forte, com um tom de voz acostumado a obediência.
“Me ensine sobre o céu e o inferno!”
O monge olhou para o poderoso guerreiro e respondeu com desdém absoluto,
“Te ensinar sobre o céu e o inferno? Eu não poderia ensinar-lhe qualquer coisa. Você é burro . Você é sujo. Você é uma desgraça , uma vergonha para a classe samurai. Saia da minha frente . Eu não suporto você.”
O samurai ficou furioso. Ele se agitou, com o rosto vermelho, incapaz de falar qualquer palavra, por estar com tanta raiva. Ele puxou sua espada, e se preparou para matar o monge.
Olhando diretamente para os olhos do samurai, o monge disse calmamente:
“Isso, é o inferno.”
O samurai congelou, percebendo a compaixão do monge que havia arriscado sua vida para mostrar-lhe o inferno! Ele largou a espada e caiu de joelhos, cheio de gratidão. O monge disse baixinho:
“E isso, é o céu.”
O céu e o inferno estão dentro de cada um, basta que sejam provocados os anjos e os demônios se manifestam, e mudamos de um papel ao outro, somos todos atores nesta novela que é a vida. No conto budista o monge precisou ser duro, desta forma provocou a ira do samurai, a reação do samurai foi de agir com violência, o monge com o jogo de palavras demonstrou ao aprendiz que o inferno está relacionado com os demônios que carregamos dentro de nós, os demônios possuem muitas formas, inveja, orgulho, cobiça, luxuria, preguiça, gula, violência.
Assim, somos nós no dia a dia, vamos de um extremo a outro, falta-nos a sabedoria e inteligência emocional para enfrentar as situações do cotidiano, quem sabe um dia as escolas abordem a inteligência emocional com intenção de educar as crianças emocionalmente, uma educação socioemocional pode ajudar a criança em potência do adulto, auxiliar a lidar melhor com as situações de conflito, possam nos ajudar a lidar com nossos anjos e demônios, nosso céu e nosso inferno.
Praticar e desenvolver a empatia pode ser o ato mais importante do ser humano, este ato pode afastar a manifestação dos demônios e o inferno que tornam a vida, com empatia é possível ver que os indivíduos ao redor têm necessidades, limitações e falhas, assim como talentos e qualidades. O respeito mútuo surgirá naturalmente, como consequência desse exercício.
Fontes:
https://www.budavirtual.com.br/o-pequeno-monge-e-o-samurai-uma-parabola-zen/