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segunda-feira, 24 de maio de 2021

O céu e o inferno de cada dia e de cada um

 

Ao contrário do que muitos pensam, o céu e o inferno não nos aguardam no futuro, na verdade estamos nós, diariamente vivenciando um ou outro neste eterno presente, nisto nada há de esotérico, há na verdade a convivência com as realidades, a realidade de cada um com sua maneira de agir e reagir.

 

Os termos “céu” e “inferno” em princípio parecem dramáticos demais, não penso assim, a vida é como é, a todo momento vivemos na dicotomia, basta o olhar atento para que nos sintamos de um jeito ou outro, e vemos isto impresso na fisionomia e em nossas atitudes e nas atitudes dos outros.

 

Prova do que falo está na posição política de cada um, cada vez que houve noticia do partido contrário, são envolvidos por uma aura de ódio, indo do céu ao inferno em segundos, porque isto acontece? 

 

Alguns dirão que o ser humano é assim mesmo, o ser humano, ele vai do amor ao ódio numa fração de segundos, veja quando uma pessoa ora ama e ora odeia, basta pisar em seu calo.

 

William Congreve, dramaturgo e poeta inglês do século XVII, já nos dizia que “Não há no céu fúria comparável ao amor transformado em ódio, nem há no inferno ferocidade como a de uma mulher desprezada”, aqui o assunto ficou ainda mais sério, afinal o desprezo é um péssimo sentimento, e em qualquer situação, agir com repulsa é tentar levar o outro ao inferno, isto não é muito difícil quando a auto estima estiver em baixa, pisar no calo é uma metáfora que tem um amplo uso, neste caso, se aplica muito bem, o calo é fazer desdém do outro, a falta de estima, repulsa, o desprezo pode ser demolidor, as consequências podem ser graves, sabemos nós que a toda consequência há uma causa, assim como a toda causa há uma consequência.

 

Sartre é autor da frase “O inferno são os outros”, a afirmação é dita por uma das personagens da peça de teatro Huis clos (Entre quatro paredes, na tradução brasileira), do francês Jean-Paul Sartre, escrita em 1945. Nela, duas mulheres e um homem encontram-se no inferno, condenados a permanecer para sempre juntos, “entre quatro paredes”. Em uma entrevista, o dramaturgo e filósofo contou que a inspiração para a criação do texto surgiu de uma situação real: ele resolveu escrever uma peça para três amigos seus, atores, mas não queria que nenhum personagem tivesse mais destaque do que o outro. Então pensou: “Como mantê-los sempre juntos em cena?”, indagação que trouxe a ideia de colocá-los presos no inferno, de modo que cada uma das figuras cênicas agisse como carrasco das outras duas. O ser humano é absolutamente livre, porem nada é tão fácil assim, precisamos um do outro para nos autoconhecermos, funciona como um espelho, ao trazer a célebre expressão, a peça de Sartre pondera que o outro, na verdade, é fundamental para o conhecimento de si mesmo. Isto é, o ser humano necessita relacionar-se com o outro para construir a sua identidade, processo nem sempre tranquilo e harmonioso.

 

O grupo de rock brasileiro Titãs, inspirado na frase, compôs uma música intitulada exatamente “O inferno são os outros”, e que tem o seguinte refrão:

 

O problema não é meu
O paraíso é para todos
O problema não sou eu
O inferno são os outros, o inferno são os outros.

 

As vezes precisamos ser sacudidos para percebermos o que um ou outro significam, e como nossas emoções agem quando resolvemos tomar uma ou outra posição mental, seja sendo o autor ou a vítima, neste conto budista podemos ter uma ideia.

 

Um grande samurai uma vez foi visitar um pequeno monge:

“Monge!”

Ele disse de forma forte, com um tom de voz acostumado a obediência.

“Me ensine sobre o céu e o inferno!”

O monge olhou para o poderoso guerreiro e respondeu com desdém absoluto,

“Te ensinar sobre o céu e o inferno? Eu não poderia ensinar-lhe qualquer coisa. Você é burro . Você é sujo. Você é uma desgraça , uma vergonha para a classe samurai. Saia da minha frente . Eu não suporto você.”

O samurai ficou furioso. Ele se agitou, com o rosto vermelho, incapaz de falar qualquer palavra, por estar com tanta raiva. Ele puxou sua espada, e se preparou para matar o monge.

Olhando diretamente para os olhos do samurai, o monge disse calmamente:

“Isso, é o inferno.”

O samurai congelou, percebendo a compaixão do monge que havia arriscado sua vida para mostrar-lhe o inferno! Ele largou a espada e caiu de joelhos, cheio de gratidão. O monge disse baixinho:

“E isso, é o céu.”

 

O céu e o inferno estão dentro de cada um, basta que sejam provocados os anjos e os demônios se manifestam, e mudamos de um papel ao outro, somos todos atores nesta novela que é a vida. No conto budista o monge precisou ser duro, desta forma provocou a ira do samurai, a reação do samurai foi de agir com violência, o monge com o jogo de palavras demonstrou ao aprendiz que o inferno está relacionado com os demônios que carregamos dentro de nós, os demônios possuem muitas formas, inveja, orgulho, cobiça, luxuria, preguiça, gula, violência.

 

Assim, somos nós no dia a dia, vamos de um extremo a outro, falta-nos a sabedoria e inteligência emocional para enfrentar as situações do cotidiano, quem sabe um dia as escolas abordem a inteligência emocional com intenção de educar as crianças emocionalmente, uma educação socioemocional pode ajudar a criança em potência do adulto, auxiliar a lidar melhor com as situações de conflito, possam nos ajudar a lidar com nossos anjos e demônios, nosso céu e nosso inferno.

 

Praticar e desenvolver a empatia pode ser o ato mais importante do ser humano, este ato pode afastar a manifestação dos demônios e o inferno que tornam a vida, com empatia é possível ver que os indivíduos ao redor têm necessidades, limitações e falhas, assim como talentos e qualidades. O respeito mútuo surgirá naturalmente, como consequência desse exercício.

 

Fontes:

https://www.budavirtual.com.br/o-pequeno-monge-e-o-samurai-uma-parabola-zen/

https://biblioteca.pucrs.br/curiosidades-literarias/voce-sabe-de-onde-e-a-expressao-o-inferno-sao-os-outros/

 

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Crônicas Maravilhosas de Rubem Braga

Rubem Braga - Cronista Moderno

Gosto muito de crônicas, elas geralmente são curtas, dão o recado com toque de humor, tematizando acontecimentos do cotidiano, em primeira pessoa, o narrador conversa com seus leitores num tom confessional, conduzindo o dialogo numa linguagem leve, Rubem Braga, cronista moderno, consegue nos encantar com suas crônicas leves e inteligentes, mostrava seu estilo irônico, lírico e extremamente bem-humorado. Sabia também ser ácido e escrevia textos duros defendendo os seus pontos de vista, fazia crítica social, denunciava injustiças, a falta de liberdade da imprensa e combatia governos autoritários, o que lhe causou alguns problemas.

RUBEM BRAGA, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, a 12 de janeiro de 1913. Graduou-se em Direito, mas dedicou-se ao jornalismo, escrevendo crônicas, comentários políticos e reportagens para diversos jornais e revistas de são Paulo, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro, onde residia.

Na Segunda Guerra Mundial, acompanhou a Força Expedicionária Brasileira na campanha de 1944-1945, como correspondente do Diário Carioca. Em 1946 fez a cobertura da primeira eleição de Perón, na Argentina. Também trabalhou para esse jornal em 1956, fazendo a reportagem sobre a segunda eleição de Eisenhower, nos Estados Unidos. Visitou inúmeros países das Américas, Europa, Africa e Índia.

Rubem Braga faleceu no Rio de Janeiro, no dia 19 de dezembro de 1990.

Em sua obra, como veremos na crônica Cafezinho, o autor procura identificar algo singular no termo “coisa de carioca”, um hábito ou comportamento comum, como ir “tomar um cafezinho”. Ele procura seguir um tempo cronológico determinado, usando da oralidade na escrita e o coloquialismo na fala de seus personagens tornando a leitura fácil de acompanhar o diálogo entre ele e o personagem.

A crônica que segue, Cafezinho, de Rubem Braga, compõe o seu livro O conde e o passarinho & Morro do isolamento. Rio de Janeiro: Record, 1982, p. 157-158.

 

CAFEZINHO

 

Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.

Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:

– Ele foi tomar café.

A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um “cafezinho”. Para quem espera nervosamente, esse “cafezinho” é qualquer coisa infinita e torturante. Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:

– Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.

Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:

– Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.

Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:

– Ele está? – alguém dará o nosso recado sem endereço. Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:

– Ele disse que ia tomar um cafezinho…

Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:

– Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí…

Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.

Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.

Rio, 1939.

Acredito que a maioria dos brasileiros sejam “cafezistas”, é coisa de quem gosta e aprecia um cafezinho, vê nele um habito de minutos relaxantes, começa desde o aroma inebriante do cafezinho novo, passado na hora, durante os breves minutos que tomo são de puro relaxamento, sozinho ou acompanhado, um cafezinho entre um afazer e outro é coisa muito prazerosa, ele promove uma sensação de alegria, não é coisa só de carioca, mas de brasileiros do norte ao sul deste imenso pais que é o Brasil. 

Para muitos o cafezinho vai do relaxamento ao estimulo de uma nova etapa do dia.

Existe até um ditado antigo que diz: ” Se você quer ficar rico(a), tem que tomar o café sentado(o)”, o ditado carrega uma simbologia muito real, coisa inventada por quem gosta de café e quer dar um toque no ritual de introspecção para daí tomar as melhores decisões.

Não foi à toa que Rubem Braga escreveu a crônica o Cafezinho, percebe-se que ele também gostava de desfrutar do bom cafezinho e tudo de bom que ele carrega, só quem toma um cafezinho sabe do que ele e eu estamos falando.

Dicas de obras de Rubem Braga

 

·         O Morro do Isolamento (1944)

·         Um Pé de Milho (1948)

·         O Homem Rouco (1949)

·         A Borboleta Amarela (1956)

·         A Traição das Elegantes (1957)

·         Ai de Ti Copacabana (1960)

·         Recado de Primavera (1984)

·         Crônicas do Espírito Santo (1984)

·         O Verão e as Mulheres (1986)

·         As Boas Coisas da Vida (1988)

Algumas frases de Rubem Braga

“Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.”

“Sou um homem quieto, o que eu gosto é ficar num banco sentado, entre moitas, calado, anoitecendo devagar, meio triste, lembrando umas coisas, umas coisas que nem valiam a pena lembrar.”

“Desejo a todos, no Ano Novo, muitas virtudes e boas ações e alguns pecados agradáveis, excitantes, discretos e principalmente, bem sucedidos.”

“Acordo cedo e vejo o mar se espreguiçando; o sol acabou de nascer. Vou para a praia; é bom chegar a esta hora em que a areia que o mar lavou ainda está limpinha, sem marca de nenhum pé. A manhã está nítida no ar leve; dou um mergulho e essa água salgada me faz bem, limpa de todas as coisas da noite.”

 

 

 

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