O desenvolvimento humano e o avanço tecnológico sempre caminharam lado a lado, mas será que ao aprimorar suas ferramentas e técnicas, o ser humano também se aprimorou? Essa pergunta nos leva a uma reflexão sobre o conceito de “melhoria” e sobre o que consideramos como um verdadeiro avanço. A tecnologia nos oferece instrumentos para manipular o mundo, facilitar nossa vida, curar doenças, e até prolongar a nossa existência. Mas a verdadeira melhoria – aquela que diz respeito à nossa condição ética, emocional e espiritual – parece permanecer em um território menos explorado.
Ao
longo dos séculos, filosofias e religiões discutiram a ideia de “aprimoramento
humano” como um desafio interno, que exige esforço pessoal e transformação. Na
Antiguidade, filósofos como Sócrates e Aristóteles viam o aperfeiçoamento
humano como um caminho de autoconhecimento e prática das virtudes, enquanto no
Oriente, Buda propunha o entendimento dos desejos e a superação do sofrimento
como formas de elevação. Para essas correntes, o desenvolvimento humano não se
mediria pela quantidade de ferramentas que possuímos, mas pela profundidade com
que compreendemos a nós mesmos e pelos valores que praticamos.
Contudo,
a modernidade trouxe uma mudança de foco: o avanço externo ganhou mais destaque
do que a evolução interna. Com o Iluminismo, o conhecimento científico passou a
ser considerado o principal guia para a humanidade, dando início a uma era de
progresso material e inovação tecnológica. A promessa era que, ao desvendar os
mistérios do mundo natural e explorar novas capacidades, estaríamos finalmente
em caminho para resolver os nossos problemas. No entanto, como observa o
filósofo alemão Martin Heidegger, esse foco no domínio da técnica trouxe
consigo um perigo: a alienação de nós mesmos. Heidegger alerta que, ao
priorizarmos o controle e a eficiência, corremos o risco de reduzir o ser
humano a um mero “recurso” e esquecermos o que significa viver de forma
autêntica.
Quando
falamos em melhoria contínua na sociedade contemporânea, o foco parece estar na
performance, na produtividade e na eficiência. Mas esses ideais não
necessariamente nos tornam pessoas melhores. Pensemos, por exemplo, no avanço
da comunicação digital. Ela nos conecta ao mundo todo, mas será que melhorou
nossa capacidade de ouvir e de dialogar? Em muitos casos, parece que as
ferramentas de comunicação, ao invés de fortalecer os laços humanos, promoveram
a superficialidade e a distração, gerando isolamento e solidão.
O
psicólogo e filósofo Erich Fromm alertava para essa questão em sua obra Ter ou
Ser?. Fromm observava que o mundo moderno é obcecado pelo “ter” em vez de pelo
“ser”. Investimos em possuir mais coisas, mais conhecimento técnico, mais
poder, mas esquecemos de desenvolver nossa humanidade em profundidade. Para
Fromm, o aprimoramento verdadeiro está na nossa capacidade de “ser” — ser
compassivo, justo, solidário e capaz de amar. E esses são aspectos que não
podem ser comprados, programados ou instalados. Eles exigem uma disciplina
interna que nenhuma tecnologia pode proporcionar.
Parece
que, ao longo da história, desenvolvemos e melhoramos muito nossas ferramentas,
mas ainda estamos distantes de alcançar uma melhora essencial de nós mesmos. A
busca por um avanço ético, emocional e espiritual é lenta e exige um tipo de
compromisso que a tecnologia não resolve por nós. As ferramentas, por mais
avançadas que sejam, só podem nos ajudar a desenvolver nosso potencial se
tivermos clareza de nossos valores e um propósito que vá além do simples desejo
de poder ou da superação das limitações físicas.
Essa
questão nos leva a uma reflexão final: estamos nos preparando para uma era em
que possuímos cada vez mais controle sobre o mundo, mas será que estamos
preparados para lidar com nós mesmos? A verdadeira melhoria do ser humano,
segundo uma perspectiva filosófica, é um processo que ocorre de dentro para
fora, não o contrário. Em vez de apenas aprimorar o que podemos fazer, talvez
seja o momento de nos perguntarmos quem queremos ser.
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