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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Lealdade Gaúcha

A lealdade gaúcha é uma virtude que corre como as águas de um arroio pela tradição do Sul. É uma qualidade que, mais do que uma escolha, parece um compromisso ancestral, entrelaçado com a paisagem, os costumes e o caráter de um povo acostumado a resistir às intempéries da vida, assim como o vento minuano que esculpe as coxilhas. É uma lealdade marcada pela profundidade, pela firmeza do olhar e pela presença silenciosa ao lado dos seus — mesmo quando as palavras faltam, mas o sentimento se impõe.

Na tradição gaúcha, a lealdade é uma palavra forte, como o mate que se compartilha nas rodas de chimarrão. É um valor aprendido desde cedo, na convivência com a família, no convívio com os amigos e nos momentos de introspecção ao redor do fogo de chão. Estar ao lado do outro, seja amigo, seja família, é quase um voto de permanência, como se o ato de ser leal fosse parte do DNA cultural que forma o caráter do gaúcho.

Link música “Céu, Sol, Sul e Cor com Leonardo:

https://www.youtube.com/watch?v=urxh-MzcG44

Sob uma ótica filosófica, essa lealdade se aproxima de um conceito de virtude aristotélica, aquela ideia de excelência moral e de compromisso com um ideal elevado. O filósofo grego Aristóteles falava da “philia,” que poderia ser traduzida como amizade ou amor fraternal, algo muito próximo da lealdade que o gaúcho expressa. É um laço que envolve afinidade, cumplicidade e confiança — a essência da vida comunitária. Quando um gaúcho é leal, ele não o faz por esperar algo em troca, mas porque compreende que o valor maior está em ser fiel àquilo que ele considera justo e verdadeiro.

Para o gaúcho, lealdade é também uma questão de respeito às tradições e ao modo de vida dos antepassados. É um resgate constante dos valores herdados, como o respeito à palavra dada e a força de um aperto de mão. O gaúcho honra a sua história com orgulho, e ser leal é a maneira como ele se mantém fiel à sua própria identidade, que foi lapidada entre a pampa e o horizonte infinito.

Link música “Querência Amada” com Teixeirinha:

https://www.youtube.com/watch?v=-XnMRZnr2RI

Um autor brasileiro que contribui para essa discussão é o pensador Mário Ferreira dos Santos. Em suas reflexões sobre a ética e o caráter, ele fala sobre a importância de vivermos de acordo com uma verdade interna que ressoe com o mundo à nossa volta. É um chamado para que a autenticidade prevaleça sobre a conveniência. Essa verdade interna, no caso do gaúcho, está ancorada na lealdade a si mesmo e aos seus, como uma força que o impele a honrar tanto a si quanto a história de sua terra.

Ao mesmo tempo, a lealdade gaúcha tem um sentido coletivo: não é apenas individual, mas social, parte de uma ética de cuidado com o outro. Esse vínculo é mais do que uma postura moral — é uma vivência cotidiana que pode ser vista na solidariedade, nas lides campeiras, no auxílio aos vizinhos e na honra do compromisso com a palavra dada. É um comportamento que define o que significa ser parte de uma comunidade que valoriza a integridade e o senso de pertencimento.

Talvez a lealdade gaúcha seja, no fundo, uma resistência à modernidade líquida, onde tudo parece passageiro e descartável, como descrito por Zygmunt Bauman. Ela é uma espécie de âncora que mantém o gaúcho fiel a seus valores e laços, como se fosse um grito de permanência num mundo onde tudo é efêmero. É o compromisso com uma “firmeza” que vem do campo e da natureza, que resiste ao tempo e às pressões de uma sociedade que incentiva o individualismo e o distanciamento.

Link da musica “Do Fundo da Grota” com Baitaca:

https://www.youtube.com/watch?v=EtTbS-KdcrE

A lealdade gaúcha é um modo de existir, uma ética e uma herança cultural que transcende o tempo e as mudanças. Ela é uma forma de ser que representa a continuidade de um compromisso com a terra, com o povo e com a própria história. Essa lealdade não apenas define o caráter gaúcho, mas também oferece ao mundo um exemplo raro de fidelidade e respeito às raízes. Somos um povo que enfrenta até enchentes catastróficas unidos superando os perrengues do destino.


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