A lealdade gaúcha é uma virtude que corre como as águas de um arroio pela tradição do Sul. É uma qualidade que, mais do que uma escolha, parece um compromisso ancestral, entrelaçado com a paisagem, os costumes e o caráter de um povo acostumado a resistir às intempéries da vida, assim como o vento minuano que esculpe as coxilhas. É uma lealdade marcada pela profundidade, pela firmeza do olhar e pela presença silenciosa ao lado dos seus — mesmo quando as palavras faltam, mas o sentimento se impõe.
Na
tradição gaúcha, a lealdade é uma palavra forte, como o mate que se compartilha
nas rodas de chimarrão. É um valor aprendido desde cedo, na convivência com a
família, no convívio com os amigos e nos momentos de introspecção ao redor do
fogo de chão. Estar ao lado do outro, seja amigo, seja família, é quase um voto
de permanência, como se o ato de ser leal fosse parte do DNA cultural que forma
o caráter do gaúcho.
Link
música “Céu, Sol, Sul e Cor com Leonardo:
https://www.youtube.com/watch?v=urxh-MzcG44
Sob
uma ótica filosófica, essa lealdade se aproxima de um conceito de virtude
aristotélica, aquela ideia de excelência moral e de compromisso com um ideal
elevado. O filósofo grego Aristóteles falava da “philia,” que poderia ser
traduzida como amizade ou amor fraternal, algo muito próximo da lealdade que o
gaúcho expressa. É um laço que envolve afinidade, cumplicidade e confiança — a
essência da vida comunitária. Quando um gaúcho é leal, ele não o faz por
esperar algo em troca, mas porque compreende que o valor maior está em ser fiel
àquilo que ele considera justo e verdadeiro.
Para
o gaúcho, lealdade é também uma questão de respeito às tradições e ao modo de
vida dos antepassados. É um resgate constante dos valores herdados, como o
respeito à palavra dada e a força de um aperto de mão. O gaúcho honra a sua
história com orgulho, e ser leal é a maneira como ele se mantém fiel à sua
própria identidade, que foi lapidada entre a pampa e o horizonte infinito.
Link
música “Querência Amada” com Teixeirinha:
https://www.youtube.com/watch?v=-XnMRZnr2RI
Um
autor brasileiro que contribui para essa discussão é o pensador Mário Ferreira
dos Santos. Em suas reflexões sobre a ética e o caráter, ele fala sobre a
importância de vivermos de acordo com uma verdade interna que ressoe com o
mundo à nossa volta. É um chamado para que a autenticidade prevaleça sobre a
conveniência. Essa verdade interna, no caso do gaúcho, está ancorada na
lealdade a si mesmo e aos seus, como uma força que o impele a honrar tanto a si
quanto a história de sua terra.
Ao
mesmo tempo, a lealdade gaúcha tem um sentido coletivo: não é apenas
individual, mas social, parte de uma ética de cuidado com o outro. Esse vínculo
é mais do que uma postura moral — é uma vivência cotidiana que pode ser vista
na solidariedade, nas lides campeiras, no auxílio aos vizinhos e na honra do
compromisso com a palavra dada. É um comportamento que define o que significa
ser parte de uma comunidade que valoriza a integridade e o senso de
pertencimento.
Talvez
a lealdade gaúcha seja, no fundo, uma resistência à modernidade líquida, onde
tudo parece passageiro e descartável, como descrito por Zygmunt Bauman. Ela é
uma espécie de âncora que mantém o gaúcho fiel a seus valores e laços, como se
fosse um grito de permanência num mundo onde tudo é efêmero. É o compromisso
com uma “firmeza” que vem do campo e da natureza, que resiste ao tempo e às
pressões de uma sociedade que incentiva o individualismo e o distanciamento.
Link
da musica “Do Fundo da Grota” com Baitaca:
https://www.youtube.com/watch?v=EtTbS-KdcrE
A
lealdade gaúcha é um modo de existir, uma ética e uma herança cultural que
transcende o tempo e as mudanças. Ela é uma forma de ser que representa a
continuidade de um compromisso com a terra, com o povo e com a própria
história. Essa lealdade não apenas define o caráter gaúcho, mas também oferece
ao mundo um exemplo raro de fidelidade e respeito às raízes. Somos um povo que
enfrenta até enchentes catastróficas unidos superando os perrengues do destino.
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