Vivemos na era da superfície. O brilho, o movimento constante e a velocidade definem a dinâmica do nosso tempo. No entanto, a superficialidade, longe de ser apenas um traço transitório, parece ter se arraigado profundamente na maneira como nos relacionamos com o mundo e uns com os outros. O que antes era uma camada superficial de um tecido mais denso agora se tornou o próprio tecido. Neste ensaio, busco explorar as causas, os efeitos e as possibilidades de transcendência dessa superficialidade que, como uma fina película, cobre e define nossa experiência contemporânea.
A Superfície como Defesa
A superficialidade pode ser vista como uma defesa
contra a profundidade, que é muitas vezes desconfortável. É mais fácil deslizar
por sobre os eventos do que enfrentá-los em sua complexidade. As redes sociais
exemplificam essa lógica: curtir, comentar com emojis e seguir tendências são
atos que exigem pouco, mas nos dão a ilusão de participação e pertencimento.
Como sugeriu Byung-Chul Han em A Sociedade do Cansaço, a profundidade requer
uma pausa e uma entrega que nossa sociedade do desempenho não tem tempo para
oferecer.
Essa superficialidade arraigada se estende às
relações humanas. Conversamos, mas não ouvimos. Encontramo-nos, mas não nos
conectamos. Há um medo subjacente de que, ao olhar para além da superfície,
descubramos algo inquietante ou algo que exija mais de nós – um comprometimento
com o outro ou, pior, conosco mesmos.
A Superficialidade como Cultura
A superficialidade não é apenas um traço pessoal;
ela se institucionaliza na cultura. A educação, muitas vezes voltada para
resultados rápidos, ensina a acumular informações em vez de compreendê-las. O
mercado, com suas promessas de felicidade instantânea, promove produtos e
experiências que oferecem gratificação imediata, mas raramente significado
duradouro.
Podemos também identificar essa superficialidade na
política e no discurso público. As campanhas eleitorais se baseiam em slogans,
imagens e escândalos, em vez de ideias consistentes ou projetos de longo prazo.
O filósofo brasileiro Marilena Chaui já denunciava o perigo dessa cultura
superficial que despolitiza a sociedade, reduzindo o espaço público a um teatro
de aparências.
Efeitos da Superficialidade Arraigada
Os efeitos da superficialidade arraigada são
múltiplos e profundos (ironicamente). Primeiramente, ela leva à alienação: ao
perdermos o contato com as camadas mais profundas da vida, também nos afastamos
de nós mesmos. Isso explica a angústia existencial que muitos sentem, mas não
conseguem nomear. Sentimos que algo está faltando, mas não sabemos o quê,
porque nunca fomos encorajados a explorar as profundezas.
Além disso, a superficialidade impede o
crescimento. O filósofo Søren Kierkegaard, em sua reflexão sobre o desespero,
afirmou que o verdadeiro desenvolvimento humano ocorre quando enfrentamos as
contradições e desafios da existência. Ao nos contentarmos com a superfície,
negamos a nós mesmos essa possibilidade de evolução.
Transcendendo a Superficialidade
Como romper com a superficialidade arraigada? Não é
tarefa fácil. Exige um esforço consciente de desaceleração e introspecção. Uma
boa metáfora para esse processo é a de um lago: para ver o fundo, é preciso que
a superfície esteja calma. Isso significa criar espaços de reflexão, seja
através da meditação, da leitura ou do simples ato de conversar profundamente
com outra pessoa.
O filósofo N. Sri Ram, em suas reflexões sobre a
vida interior (Pensamentos para Aspirantes), aponta que a profundidade só pode
ser alcançada por aqueles que se comprometem com a autenticidade. Para ele, o
mergulho nas camadas internas de si mesmo é o único caminho para transcender a
superficialidade e encontrar um sentido mais elevado na existência.
A superficialidade arraigada é um fenômeno de nosso
tempo, mas não precisa ser seu destino final. Embora ela se apresente como uma
tendência cultural e pessoal, há caminhos para resistir a ela. Esses caminhos
exigem coragem, porque a profundidade, embora recompensadora, é também
desafiadora. Mas talvez seja exatamente disso que precisamos: a coragem de
enfrentar o desconforto e redescobrir a riqueza oculta que jaz sob a superfície
da vida.
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