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domingo, 5 de janeiro de 2025

Canalhas por Necessidade

Em algum momento da vida, você já cruzou com alguém que justificou suas atitudes reprováveis como resultado das circunstâncias? “Eu precisava fazer isso para sobreviver.” Talvez seja o colega que passou por cima de todos no trabalho para garantir uma promoção, ou aquele amigo que vendeu um segredo por conveniência. Não estamos falando do canalha que age por prazer na maldade, mas daquele que se sente compelido pelas exigências da vida. Esse é o “canalha por necessidade”.

A ideia de ser canalha por necessidade desafia a ética de forma fascinante. Afinal, quando o “necessário” se torna uma justificativa moral? Sartre, em O Existencialismo é um Humanismo, nos lembra que “o homem está condenado a ser livre”. Em outras palavras, mesmo nas circunstâncias mais adversas, somos agentes de nossas escolhas. Para Sartre, usar a necessidade como desculpa é tentar escapar da responsabilidade de existir.

Mas e se olharmos pela lente de Hannah Arendt? Em sua análise sobre o mal banal, ela descreve como as pessoas comuns podem cometer atrocidades apenas por se submeterem à “necessidade” do sistema. Arendt, contudo, alerta que essa normalização da canalhice cotidiana é o que perpetua a destruição de laços humanos fundamentais.

O Cotidiano e a Necessidade

Voltemos aos exemplos diários. Pense no funcionário que aceita manipular dados para manter o emprego. Ele pode até se convencer de que está fazendo isso para sustentar a família. Contudo, ao agir assim, ele reforça uma cultura de desonestidade que prejudica todos. Então, é realmente a necessidade que justifica, ou a falta de coragem para buscar alternativas?

Ou considere um estudante que cola na prova porque não teve tempo de estudar. A pressão é enorme: notas altas são necessárias para o futuro. Mas será que a “necessidade” não esconde a incapacidade de enfrentar as consequências do fracasso?

Um Comentário de Paulo Freire

Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, fala da importância de uma ética do respeito pelo outro. Ele argumenta que a liberdade sem responsabilidade é vazia. No contexto do canalha por necessidade, Freire talvez perguntasse: “Que tipo de liberdade é essa que sobrevive à custa do próximo?” Para ele, a verdadeira liberdade surge na solidariedade, não na justificação do egoísmo.

O Canalha e a Superação

Embora seja fácil julgar, é preciso lembrar que todos somos passíveis de nos tornarmos canalhas por necessidade. A fome, o medo e a exclusão podem levar qualquer um a escolhas moralmente duvidosas. O desafio ético está em resistir. Gandhi dizia que “há suficiente no mundo para as necessidades de todos, mas não para a ganância de todos”. Assim, talvez a resposta esteja em distinguir o que é realmente necessário do que é conveniente.

Ser canalha por necessidade é um dilema humano e filosófico. Cabe a cada um de nós decidir se a necessidade é desculpa suficiente para comprometer a própria humanidade. Afinal, o que resta de nós quando justificamos o injustificável?


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